Cidades

Depressão atinge mais de 60% das vítimas da Braskem

Em conferência internacional, cientista alagoano diz que ouviu moradores com doenças físicas e mentais

Por Ricardo Rodrigues / Tribuna Independente 05/12/2025 08h05 - Atualizado em 05/12/2025 08h20
Depressão atinge mais de 60% das vítimas da Braskem
Diego: 'são histórias de gente que perdeu o chão duas vezes: a primeira, literalmente; a segunda, emocionalmente' - Foto: Reprodução

Um estudo de um cientista alagoano, apresentado na quinta-feira (4), em um evento da Rede Internacional de Saúde Coletiva e Saúde Intercultural (REDSACSIC), denunciou os impactos nocivos da mineração na saúde dos moradores das área atingidas pelo afundamento do solo provocado pela Braskem, em Maceió.

De acordo com o estudo apresentado pelo professor Diego Freitas Rodrigues, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), mais de 60% das vítimas da mineração apresentam sintomas de depressão acima do normal; 53% tinham ansiedade em níveis elevados; e 59% estavam com estresse acima do esperado.

“Para entender a dimensão desse problema, avaliamos 170 moradores afetados pelo afundamento do solo. Usamos uma escala internacional que mede níveis de ansiedade, depressão e estresse (utilizando a escala DASS-21). O que encontramos deveria acender um alerta importante às instituições responsáveis pela saúde pública”, explicou o professor.

Segundo ele, “são números muito superiores aos índices nacionais e mostram algo óbvio, mas que muitas vezes passa despercebido: não dá para desestruturar um bairro inteiro e achar que as pessoas simplesmente vão “superar” e “não vão surtar”.

“Quase 43% dos participantes relataram alguma doença crônica, e 21% foram diagnosticados com hipertensão. Mais preocupante ainda: encontramos uma relação direta entre estresse elevado e aumento da pressão arterial. Ou seja, o sofrimento psicológico está se transformando em adoecimento físico e isso aumenta a gravidade da situação”, relatou Diego Freitas.

Segundo ele, o título do trabalho científico já diz tudo: “O abalo que não termina: como o desastre da mineração continua afetando a saúde das vítimas da mineração em Maceió”. O estudo foi realizado com o apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa em Alagoas (Fapeal), mas o cientista teve dificuldade de acessar dados sobre o quadro de saúde das vítimas da Braskem.

“Não conheço nenhum relatório da Sesau [Secretaria de Estado da Saúde] sobre o estado de saúde mental de ex-moradores e moradoras dos bairros atingidos pela Braskem. Também não conheço nenhum relatório da SMS [Secretaria de Saúde de Maceió] publicizando os dados epidemiológicos do caso”, revelou o cientista.

Questionado sobre como se encontra a saúde das vítimas da tragédia do afundamento do solo, ele respondeu: “Até onde acompanho, temos um abandono sistemático das populações nos Flexais. Situação altamente perversa”.

Diego Freitas faz parte dessa rede de pesquisadores internacionais há anos, por isso foi convidado a participar do evento sobre saúde, transmitido ao vivo via vídeo conferência, pelo Youtube.

EFEITOS COLATERIAIS

Na sua intervenção, ele destacou os “efeitos colaterais” da mineração provocaram uma série de reações na saúde dos moradores dos bairros que afundam, o adoecimento lento dessas pessoas é parte desse desastre. “Elas são parte central do impacto social que se seguiu ao desastre. E exigem uma resposta pública à altura. O problema é que todo o licenciamento ambiental envolvendo a exploração de sal-gema foi falha”.

O cientista alagoano destacou ainda, na sua palestra, que os relatos dos moradores reforçam o que os números já mostravam, a maioria das vítimas da Braskem está acometida de alguma doença física ou mental associada à mineração.

“São histórias de gente que perdeu o chão duas vezes: a primeira, literalmente; a segunda, emocionalmente. Medo, insegurança, sensação de abandono e ruptura de laços comunitários aparecem com frequência. O desastre não levou apenas paredes, levou também rotinas, vizinhanças, pertencimentos”, observou o cientista, acrescentando:

“Uma das minhas hipóteses - no início do desastre e compartilhada por meio de palestras em 2019, 2020 e ao longo da pandemia e depois de seu fim -, era que dado o aumento de casos de depressão, haveria um aumento de tentativas de suicídio e notificações de suicídio. E, infelizmente, isso ocorreu. Muitos ex-moradores e ex-moradoras que encontrava me trazia histórias de alguém próximo que não suportava mais o desdém da empresa”.

“É um trauma urbano, coletivo, que segue produzindo consequências”

Para Diego Freiras, “o caso Braskem não é apenas um evento geológico. É um trauma urbano, coletivo, que segue produzindo consequências. E enquanto essas pessoas não tiverem garantido um acompanhamento de saúde integral, políticas de apoio e mecanismos reais de reparação, Maceió continuará convivendo com um desastre que, embora iniciado no subsolo, repercute profundamente na superfície da vida cotidiana”.

PERFIL DO CIENTISTA

Diego Freitas Rodrigues é Doutor em Ciência Política, com ênfase em Comportamento Político, pela Universidade Federal de São Carlos, com estágio “Sandwich” no Centro de Estudios Demográficos, Urbanos y Ambientales do Colégio de México.

Professor Visitante no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco. Especialista em Bioética pela Universidade de Caxias do Sul.

Especialista em Neurociências, Comportamento e Psicopatologia pela PUC-PR. Membro Associado da RED Internacional en Salud Colectiva y Salud Intercultural [RED SACSIC]. Membro da Associação Brasileira de Avaliação de Impacto (ABAI), da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) e da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP).

Foi Presidente e Membro da Sociedade Civil no Comitê Gestor dos Danos Extrapatrimoniais vinculado ao MPF-MP/AL - caso Pinheiro/Braskem.

Caso Braskem

O desastre da Braskem em Maceió é um problema de afundamento do solo causado pela extração de sal-gema ao longo de quatro décadas, que levou ao deslocamento de mais de 60 mil pessoas em cinco bairros da cidade (Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol).

Em dezembro de 2023, o risco de colapso de uma das minas (mina 18) gerou um alerta da Defesa Civil, com a evacuação de 5 mil famílias, e o rompimento ocorreu dias depois, causando o afundamento e rachaduras no solo.

O desastre gerou impactos socioeconômicos, ambientais e trabalhistas, e a empresa fechou um acordo judicial para indenizações.

Causas do desastre

Extração de sal-gema: A mineração de sal-gema, usada na fabricação de soda cáustica e PVC, causou o afundamento do solo nos bairros.

Tempo de operação: A extração ocorreu por mais de 40 anos, desde 1978, até 2018, quando as primeiras rachaduras foram identificadas.

Ainda em 2018, além do Pinheiro, foram identificados danos semelhantes em imóveis e ruas do bairro do Mutange, localizado abaixo do Pinheiro e à margem da Lagoa Mundaú; e no bairro do Bebedouro vizinho aos outros dois. Em junho de 2019, moradores do bairro do Bom Parto (vizinho ao Mutange, também à margem da lagoa) relataram danos graves em imóveis.

MACEIÓ

Bairros inteiros desapareceram da cidade

Nessas ruas, casas, lojas e até prédios inteiros tiveram as portas e janelas substituídas por tijolo e cimento, criando muros que impedem a entrada de quem possa buscar algo de valor que os moradores tivessem deixado para trás. Em muitos casos, os imóveis foram cercados com placas de alumínio que cobrem as fachadas.

O mato cresce fora e dentro das casas, que apresentam sinais de desgaste e depredação. Os muros são marcados por uma série de números pintados em vermelho, que indicam os registros de desocupação.

Em algumas fachadas, há também pichações; um protesto contra a Braskem e o poder público, ou mesmo desabafos, lamentos pela dor de quem teve que seguir a vida longe do lugar que amava.