Cidades
COP30: O Grande Acordo para Salvar a Amazônia que Salva Tudo, Menos a Amazônia
A imagem era impecável: chefes de Estado sob um teto estilizado de palha amazônica, câmeras transmitindo para o mundo um espetáculo de esperança, discursos repletos de palavras cintilantes como “preservação”, “futuro” e “compromisso”. Mas quem caminhou pelos corredores sentiu o cheiro real da conferência: o perfume doce do greenwashing (maquiagem ambiental usada para fingir sustentabilidade onde não há) misturado à frieza pragmática das negociações a portas fechadas.
A COP30, em Belém, prometia ser a maior virada desde o Acordo de Paris. E foi — não pelo que mudou, mas pelo que evitou mudar. Enquanto celebrava a Amazônia como “centro do mundo”, a diplomacia climática trabalhou silenciosamente para garantir que os verdadeiros motores da crise — petróleo, gás, mineração e agronegócio predatório — atravessassem a conferência praticamente ilesos.
O que se vendeu como avanço histórico é, no fundo, o mais sofisticado acordo de continuação já assinado: salvar a imagem internacional, sem salvar a floresta.
O ápice da encenação foi o anúncio do “desmatamento zero até 2030”. Soa ousado, definitivo, inabalável. É um castelo de areia. Negociadores do Ministério das Relações Exteriores confirmam que o texto é um mosaico de brechas, acomodações e condicionalidades moldadas sob pressão do agronegócio. Não há sanções, não há fiscalização independente, não há garantia. A meta depende de confiança mútua — o mesmo modelo que fracassou na Declaração de Nova York sobre Florestas e no pacto florestal da COP26, em Glasgow. Enquanto isso, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e da plataforma MapBiomas mostram que o desmatamento continua, reinventado, disfarçado, reclassificado, mas contínuo: impulsionado por grilagem, garimpo ilegal e expansão agropecuária financiada por grandes bancos.
No centro da propaganda oficial estava o chamado Fundo de Perdas e Danos, apresentado como vitória moral dos países vulneráveis. Mas o mecanismo, ao ganhar forma, revelou sua perversão: a maior parte do dinheiro não será doada — será emprestada. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico registra que cerca de 70% do financiamento climático mundial é baseado em dívida, não em reparação. Países devastados por enchentes e ciclones — como Paquistão e Vanuatu — terão que contrair empréstimos para reconstruir o que a poluição dos mais ricos destruiu. É colonialismo climático com contabilidade digital.
No palco da “inclusão”, a COP30 celebrou a presença de lideranças indígenas na mesa de negociações. Mas o gesto, sem estrutura, cai na prática do tokenismo (inclusão simbólica usada para legitimar um processo que não transfere poder real). Enquanto discursos ecoavam em plenários climatizados, invasões, garimpo e violência continuaram aumentando nos territórios indígenas, como mostram relatórios do Conselho Indigenista Missionário. A floresta não foi representada — foi instrumentalizada.
O maior escândalo da conferência, porém, se esconde numa única palavra. A ciência exige o fim total dos combustíveis fósseis — phase-out (eliminação completa com prazo definido). O que o texto final adotou, após intenso lobby internacional, foi phase-down (redução gradual, lenta e indefinida, sem compromisso obrigatório). Essa troca semântica — este pequeno desvio lexical — representa décadas de atraso. É o tipo de truque diplomático que permite às petroleiras manterem lucros recordes enquanto o planeta ultrapassa limites físicos irreversíveis. Um parágrafo inteiro para decidir o destino da Terra acabou reduzido à palavra que preserva o petróleo.
E tudo isso sob o silêncio conveniente sobre o risco mais grave: a Amazônia está prestes a atingir seu tipping point, o ponto de não retorno em que deixa de funcionar como floresta úmida e se transforma em savana degradada. Pesquisas de Carlos Nobre, Thomas Lovejoy e do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia indicam que esse colapso pode ocorrer com cerca de 20% de desmatamento acumulado — patamar que já nos ameaça. Metas para 2030 não dialogam com a física do colapso, apenas com o calendário político dos países ricos.
A verdade nua e crua é simples: a COP30 usou a Amazônia como cenário, como estética, como palco geopolítico — mas não como prioridade real. A conferência produziu frases redondas, compromissos vagos, e uma narrativa poderosa o suficiente para gerar manchetes — mas não para impedir a destruição.
O legado da COP30 não é a floresta salva.
É a confirmação de que o sistema climático internacional continua funcionando exatamente como foi desenhado: para proteger os interesses dos poluidores, empurrar a conta para o Sul Global e manter a crise dentro de limites toleráveis para o mercado — mas intoleráveis para o planeta.
Eles nos deram palavras.
A Amazônia continua ardendo.
E o tempo — esse, sim — não negocia.
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