Cidades

Acondroplasia: doença rara é a causa mais comum do nanismo

Pessoas acometidas com o problema congênito mostram a sociedade que o preconceito não pode ser maior do que a aceitação

Por Valdete Calheiros - colaboradora / Tribuna Independente 26/07/2025 11h18 - Atualizado em 26/07/2025 11h37
Acondroplasia: doença rara é a causa mais comum do nanismo
Com apenas 9 anos, Enzo de Omena Melo enfrenta a acondroplasia com coragem e se torna exemplo de superação na família - Foto: Arquivo Pessoal

Em Colônia Leopoldina, município alagoano a quase 120 quilômetros da capital Maceió, mora o garoto Elisson Jhon da Silva. Com apenas 1 ano e 8 meses de idade, ele e sua mãe a dona de casa Janailde Estefani da Silva, 31 anos, já têm muitas histórias de preconceito para contar.

Ambos encontram forças no apoio do pai de Elisson, Edmilson Pedro da Silva Filho, 31 anos, e na filha mais velha do casal, Jaiane Everly da Silva, 4 anos.

Às vezes, a família desperta os olhares curiosos e, por vezes, de reprovação devido a uma condição genética do garoto. Ele tem nanismo. Segundo a mãe, na última ultrassonografia antes do parto, o médico percebeu que o bebê tinha os ossos longos, mais curtos.

“Depois que ele nasceu, fiz o genético aos três meses de vida. O resultado veio um mês depois, quando Elisson tinha quatro meses de vida”, recordou.

Família do Elisson I Foto: Arquivo Pessoal

Desde então, uma das maiores dificuldades da família é achar especialistas na área para ajudar a entender como tratar de forma correta a doença.

Elisson é o primeiro membro da família a ter nanismo. A ciência mostrou, explicou o médico geneticista Juan Llerena Jr que dos 80% dos casos da acondroplasia, os pais não têm a doença. Janailde fica desconsolada ao ouvir comentários afirmando que seu filho tem a “cabeça grande” ou ainda quando o chamam de “cabeçudo”.

Outro menino também com nanismo, Enzo de Omena Melo é uma criança de apenas nove anos de idade, mas já traz consigo uma grande história de luta e superação. Filho único, o menino é também o único membro da família que nasceu com acondroplasia, causa mais comum do nanismo.

A doença rara foi descoberta ainda na gestação, na 28ª semana. O preconceito em torno da doença rara e a falta de médicos capacitados são os principais problemas enfrentados pela família da criança.

A mãe Karine de Omena Costa contou que o filho é uma criança muito tranquila e não faz muitas perguntas em relação ao assunto. “Começamos a participar do Encontro Nacional do Instituto Nacional de Nanismo para nos inteirarmos do assunto. Ele sabe que é menor do que as crianças que convivem com ele na escola, mas sabe também que têm crianças do tamanho dele”.

A busca por atendimentos e exames a fez sair das divisas estaduais. Segundo ela, em Alagoas, há pouco conhecimento técnico sobre o assunto. Junto ao esposo, Denis Araújo de Melo, vive à procura de todas as informações possíveis para lidar com Enzo da melhor forma. A família acredita que o nanismo está mais falado do que antes, mas a causa ainda precisa de muita visibilidade.

Na rotina do Enzo, fisioterapia, médicos, exames, natação e escola. Esta última uma das maiores preocupações porque precisa ser inclusiva, deixando o ambiente confortável e acessível.

Displasias esqueléticas – A acondroplasia é um dos tipos de displasias esqueléticas, um grupo heterogênico de mais de 450 condições genéticas que afetam o crescimento e o desenvolvimento dos ossos e cartilagens. Essas condições podem causar baixa estatura desproporcional, deformidades ósseas e complicações ortopédicas e neurológicas.

Entre as displasias esqueléticas, a mais comum é acondroplasia. Cerca de 1.800 brasileiros têm a doença. Entre as principais características da acondroplasia estão a baixa estatura desproporcional (média de altura adulta: 1,24-1,32 cm); membros curtos, especialmente braços e pernas; cabeça aumentada com testa proeminente; hipoplasia da base do crânio (quando a parte inferior do crânio (a base) é menor ou menos desenvolvida); mãos em forma de tridente; hiperlordose lombar (curvatura acentuada da parte inferior da coluna, região lombar. O que pode deixar a barriga mais projetada para frente e as nádegas mais para trás); cifose na coluna vertebral (curvatura acentuada da parte superior das costas, que faz com que a pessoa fique com uma postura encurvada, tipo “corcunda”); rigidez nos cotovelos, limitando a extensão dos braços.

Estão ainda entre as principais características, arqueamento das pernas (que afetam o caminhar e o correr), podendo haver a necessidade de cirurgias; problemas na boca (desalinhamento dos dentes, palato estreito, mordida aberta ou prognatismo); infecções e otites frequentes (afetando até 25% das crianças), com risco de perda auditiva; outras complicações, como obesidade e hipertensão; dor crônica (70% dos adultos sofrem de dores crônicas nas costas, mesmo após procedimentos cirúrgicos; 50% sofrem de dor crônica nas pernas até a idade adulta.

Acondroplasia

– A acondroplasia é a causa mais comum de nanismo. É uma condição rara que afeta os ossos e a cartilagem devido a uma mutação no gene FGFR3, o que reduz a velocidade de crescimento ósseo, resultando em ossos de tamanhos desproporcionais e altura abaixo da média.

A condição é uma alteração genética que compromete o crescimento de um a cada 25 mil crianças nascidas vivas, todos os anos. Cerca de 80% das crianças com acondroplasia nascem de pais de estatura mediana.

A acondroplasia vai além da baixa estatura e pode afetar outras partes do corpo, como por exemplo os ouvidos, com infecções e otites que afetam até 25% das crianças e pode levar à perda auditiva; a boca com problemas de desalinhamento dos dentes, palato estreito, mordida aberta ou prognatismo; problemas na coluna como a cifose; cotovelos, com rigidez que pode limitar a capacidade de endireitar totalmente seus braços; nas pernas, com o arqueamento dos membros que afetam o caminhar e o correr e, podem necessitar de cirurgias; e outros problemas como obesidade, pressão arterial e dores nas costas e nas pernas.

A condição genética pode ser diagnosticada antes do nascimento por meio de ultrassonografia fetal. O teste de DNA também pode ser utilizado para identificar uma alteração no gene FGFR3 a fim de confirmar os resultados da ultrassonografia ou do diagnóstico clínico.

A condição também pode ser diagnosticada após o nascimento por meio de exame físico[i] e/ou teste genético. Em alguns casos, conforme a médica endocrinologista Ana Paula Bordalo, há indicação cirúrgica. No entanto, cada caso deve ser analisado minuciosamente e com toda cautela.

A acondroplasia vem acompanhada de um grande impacto psicossocial. Pessoas com acondroplasia têm membros desproporcionalmente curtos, o que prejudica atividades da vida diária, reduzindo a habilidade de alcançar objetos e a altura, e pode levar a um atraso no desenvolvimento de habilidades de autocuidado independentes, como ir ao banheiro, podendo levar a baixa autoestima. Um número considerável de pessoas com acondroplasia apresentam depressão e ansiedade não diagnosticadas.

Já existe tratamento farmacológico que garante mais qualidade de vida para quem tem o diagnóstico da doença. Além do tratamento medicamentoso, o indivíduo com a condição também precisa de um acompanhamento multidisciplinar com especialidades como geneticista; endocrinologista pediátrico; pediatra; ortopedista; neurologista/neurocirurgião; otorrinolaringologista/fonoaudiólogo; especialista de sono, fisioterapeuta; cardiologista; psicólogo/psiquiatra; dentista/ortodontista e mutricionista/nutrólogo.

O tratamento medicamentoso atualmente com maior eficácia é feito a base do medicamento Vosoritida, da Biomarin.

Nanismo pelo Brasil e pelo mundo – O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou, em setembro do ano passado, os dados do Censo Demográfico 2022, revelando que 14,4 milhões de brasileiros com dois anos ou mais vivem com algum tipo de deficiência, o equivalente a 7,3% da população. Entre as principais dificuldades apontadas estão limitações visuais (7,9 milhões), mobilidade reduzida (5,2 milhões), dificuldades para usar mãos e braços (2,7 milhões) e deficiência auditiva (2,6 milhões).

Apesar do avanço na coleta de dados sobre deficiências, o Censo não contempla informações específicas sobre o nanismo. Essa ausência estatística compromete a visibilidade de uma parcela da população que enfrenta desafios particulares em áreas como acessibilidade urbana, saúde, educação e inclusão no mercado de trabalho.

Mesmo sem dados oficiais, estima-se que o Brasil tenha mais de 65 mil pessoas com algum tipo de nanismo. No mundo, esse número deve chegar a 3 milhões. Projeções indicam ainda que, a cada 10 mil brasileiros, aproximadamente 3,2 podem apresentar essa condição. No caso da acondroplasia, a forma mais comum de nanismo, a incidência estimada é de um a cada 25 mil nascimentos. Embora existam cerca de 750 tipos diferentes de nanismo descritos pela medicina, cerca de 80% das pessoas com a condição têm acondroplasia.

A falta de reconhecimento nos levantamentos censitários reforça um cenário de invisibilidade que dificulta a criação de políticas públicas específicas e efetivas para essa população. Sem dados, não há diagnóstico preciso e sem diagnóstico, não há planejamento adequado por parte do poder público.

Nanismo em Alagoas – Ainda conforme o Censo 2022, Alagoas é 4º estado em número de pessoas com deficiências. Não há dados que levantem a quantidade apenas de pessoas com nanismo.

A Secretaria Executiva da Pessoa com Deficiência (Secdef) também não sabe quantas pessoas com nanismo existem no estado. Servidores da pasta participaram, na última quarta-feira, dia 23, de capacitação junto a agentes do IBGE, na Escola de Governo, no Centro de Maceió.

“Os integrantes da Secdef estão sendo capacitados no sentido de realizar a extração de mais informações dos dados do Censo de 2022, que trouxe números referentes às Pessoas com Deficiência (PcD), que já é considerado um grande avanço quanto à coleta de dados sobre pessoas com deficiências”, explicou a Secretaria.

Conforme a Secdef, mesmo diante dos avanços, o Censo do IBGE tem buscado superar desafios, a exemplo da obtenção de informações específicas para identificar, por exemplo, a quantidade de pessoas com acondroplasia, caracterizada por pessoas com baixa estatura, entre elas as pessoas com nanismo.

“Enquanto não se tem dados específicos e detalhados sobre pessoas com baixa estatura, entre elas as pessoas com nanismo, a Secretaria tem participado de atividades a exemplo da capacitação do IBGE para contribuir com a inclusão de mais informações detalhadas e concretas nas pesquisas sobre a diversidade da população com deficiência no Brasil”, finalizou.

Congresso EuroAméricas de Displasias Esqueléticas – Especialistas debateram sobre displasias esqueléticas no Congresso EuroAméricas de Displasias Esqueléticas, em um evento inédito, promovido pela Associação Nanismo Brasil (Annabra), em julho, no Hotel Windsor Excelsior, em Copacabana, no Rio de Janeiro.

O Congresso EuroAméricas de Displasias Esqueléticas, patrocinado pela BioMarin, biofarmacêutica global, teve como objetivo promover o intercâmbio de conhecimentos e experiências sobre as displasias esqueléticas – um grupo de doenças genéticas raras que comprometem o crescimento e a formação dos ossos e cartilagens, impactando diretamente a estatura e a qualidade de vida de milhares de pessoas.

O Congresso reuniu especialistas internacionais, pesquisadores de referência e organizações de pacientes de países como Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, México, Portugal, Espanha e Itália.

“O evento foi uma oportunidade única para ampliar o diálogo sobre essas condições, promover mais visibilidade e fortalecer redes de apoio e de pesquisa na América Latina e na Europa”, destacou a presidente da Annabra, Kenia Rio.

Durante três dias de programação, o encontro abordou avanços científicos, práticas clínicas, terapias inovadoras, políticas públicas e o impacto social das displasias esqueléticas.

No Congresso, houve espaço para troca de experiências entre médicos, pacientes, cuidadores e representantes da sociedade civil.

Conforme a opinião do gerente médico de Condições Esqueléticas da BioMarin Brasil, Wilson Kuwabara, a participação da BioMarin no Congresso EuroAméricas reflete o compromisso contínuo com a comunidade de doenças raras e pessoas que vivem com displasias esqueléticas, não só na pesquisa e no desenvolvimento de novas terapias, mas também contribuindo para gerar visibilidade aos desafios enfrentados pelas pessoas que vivem com nanismo.

“Este encontro internacional é fundamental para promover a discussão sobre os avanços necessários para melhorias reais na qualidade de vida das pessoas com esta condição”, salientou.

A Associação Nanismo Brasil – A Annabra foi fundada em julho de 2020 com o propósito de construir uma sociedade mais inclusiva e justa para as pessoas com nanismo.

A entidade nasceu da necessidade de ampliar a luta por direitos, políticas públicas eficazes e qualidade de vida para essa população em todo o país.

Presidente da Annabra, Kenia Rio


Antes disso a advogada Kênia Rio esteve à frente da Associação de Nanismo do Estado do Rio de Janeiro (Anaerj), durante 13 anos. Com o tempo, ela percebeu a importância de criar uma organização de alcance nacional, que acolhesse e representasse todas as pessoas e famílias afetadas pela condição. Em suas palestras, ela costuma dizer que a acondroplasia não são apenas alguns centímetros a menos. “Em cada caso, há uma história de vida muito particular”.

Assim surgiu a Annabra. A atuação da associação é pautada em três grandes objetivos: garantir direitos, dar visibilidade à causa e fortalecer a voz de quem vive o nanismo, sempre por meio da união e da força coletiva.

Tendo como pilares educação inclusiva, saúde, acessibilidade, políticas públicas, esporte adaptado e cultura. Um dos grandes diferenciais da Annabra é sua rede de delegados estaduais, que atuam localmente para promover e expandir as ações da associação em todo o Brasil.

Atualmente, Alagoas está unida à delegação de Pernambuco, cujo presidente é Thiago Porfírio. O dia dedicado à causa é o dia 25 de outubro, quando é celebrado o Dia Nacional de Combate ao Preconceito Contra as Pessoas com Nanismo.

Biomarin

– A BioMarin é uma empresa global de biotecnologia dedicada a transformar o potencial das descobertas genéticas em medicamentos que tenham um impacto profundo na vida de cada paciente.

Fundada em 1997 e sediada em San Rafael, Califórnia, a empresa possui um histórico comprovado de inovação, com oito terapias comercializadas e um robusto pipeline clínico e pré-clínico.

Utilizando uma abordagem distinta para a descoberta e o desenvolvimento de medicamentos, a BioMarin busca liberar todo o potencial da ciência genética por meio do desenvolvimento de terapias inovadoras que oferecem novas possibilidades para pessoas com condições genéticas definidas em todo o mundo.