Cidades
'Espigões' na orla de Maceió em xeque
'Não é pé na areia, agora já é pé na água', diz oceanógrafo sobre construção desordenada de prédios

Uma espécie de “último aviso” à humanidade de metade de cientistas ganhadores do Prêmio Nobel de Ciência ainda vivos alertava, em 1992: “Os humanos e o mundo natural no planeta estão em rota de colisão. Atividades humanas têm causado danos severos e irreversíveis ao meio ambiente”.
Tal alerta, há mais de 30 anos, não sensibilizou nos dias atuais a uma grande parte desta mesma humanidade do orbe terrestre. Basta saber que a mudança climática é um dos grandes problemas de nossos dias, haja vista que boa parte desta humanidade desconsidera os estudos recentes de instituições como a Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos, que revelaram que, em 2024, o nível do mar subiu mais do que o esperado por especialistas, aumentando a preocupação com os impactos em regiões litorâneas no mundo, no país e também em Alagoas.
Uma prova disso, só para ficar em Alagoas, é a ocupação desordenada da orla, com construções muito próximas ao mar, como a Tribuna mostra nesta segunda reportagem da série especial sobre o “avanço” das águas marítimas que tem atingido ruas, casas e estabelecimentos comerciais. Esse fato é veementemente criticado por um dos mais renomados especialistas do Estado na área, o oceanógrafo Gabriel Le Campion. Ele aborda, por exemplo, os prédios construídos nas praias de Guaxuma e Garça Torta, no litoral norte de Maceió, os chamados “espigões”, e a erosão em áreas como a Barra Nova, no litoral sul, como a Tribuna mostrou na primeira reportagem desta série.
“Um país que questiona vacina, onde boa parte do povo não acredita em vacinação, que não acredita em estudo, você quer o quê? Imagina se vai se incomodar com um prédio feito para ver o mar. Estão nem aí. A construtora vende e tchau. A imobiliária quer lucrar, quer vender, aí bota pé na areia. Quando essa questão vem pra mim, eu digo: ‘é melhor mudar esse termo. O que pode ser pé na areia, já digo que é pé na água’”, afirmou à Tribuna.
PLANO DIRETOR,
PODER ECONÔMICO
VERSUS AMBIENTALISTAS
A propósito da preocupação do professor Gabriel Le Campion, em fevereiro deste ano, por exemplo, o Ministério Público do Estado de Alagoas (MP/AL) recomendou à Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb) da capital alagoana que suspendesse e anulasse as licenças ambientais e urbanísticas dos prédios conhecidos como “espigões”, nos bairros da Guaxuma, Garça Torta e Riacho Doce, todos no Litoral Norte de Maceió.
À época, o MP fixou o prazo de 10 dias, a contar a partir de 20 de fevereiro, para que a Prefeitura de Maceió se manifestasse formalmente sobre a recomendação. A recomendação orientava também que o poder público não expedisse novas licenças prévias e de instalação até o novo Plano Diretor do Município de Maceió seja aprovado. O documento deve estabelecer o uso e ocupação do solo na capital.

Paralelo a isso, alguns meses depois, uma outra polêmica iria surgir para suscitar a discussão do Plano Diretor da cidade com uma audiência pública para analisar o entorno de onde se pretende construir o megaempreendimento de cinco megatorres de 15 andares na Lagoa da Anta, no bairro de Jatiúca, em Maceió, em plena orla turística da cidade, conforme reportagem da Tribuna publicada no dia 29 de março deste ano, sobre o conjunto de “espigões”. Essa possibilidade tem gerado discussões prós e contra no que concerne aos impactos ambientais e à mobilidade urbana no entorno do empreendimento milionário. O projeto, alardeado como promessa de modificar o cenário urbanístico da região, tem despertado preocupações entre moradores, ambientalistas e autoridades públicas. Em função disso, até o momento, já foram realizadas duas Audiências Públicas, uma na Assembleia Legislativa de Alagoas (ALE) e a outra, mais recente, na Câmara Municipal de Maceió.
“Se esse empreendimento não levar em conta os impactos ambientais e impactos de vizinhança, esse pedaço de Maceió vai virar uma espécie de Faixa de Gaza, empurrando os moradores para trás e beneficiando somente os endinheirados que vão morar nessas torres”.
A afirmação à época da reportagem da Tribuna foi do professor e administrador de empresas José Queiroz de Oliveira, que também preside a Associação dos Moradores do Stella Maris, (Astema), que representa mais de 20 mil moradores do Corredor Vera Arruda, encravado no bairro de Jatiúca. O projeto é da Record Construtora, que já fechou acordo com o Grupo Lundgren, dono do Hotel Jatiúca, localizado na Lagoa da Anta.
E como se não bastasse a crítica ao empreendimento imobiliário que se pretende construir na Lagoa da Anta, a Jatiúca - da forma como está – as críticas eram também aos “espigões”, prédios de muitos andares, que têm tomado conta da orla de Maceió, principalmente no bairro e orla de Guaxuma, construídos quase aos “pés” do mar.
“AVISEI SOBRE EROSÃO NA JATIÚCA HÁ 30 ANOS”
Para Le Campion, o aumento do nível do mar tem modificado áreas próximas a fozes de rios, como a Tribuna mostrou na primeira reportagem desta Série no Povoado de Barra Nova, no município de Marechal Deodoro. Esses locais são os principais responsáveis pelo transporte de sedimentos até as praias, que ajuda a mantê-las estáveis. Outro fator de agravamento citado pelo especialista é o aumento da força dos ventos, que intensifica a energia das ondas e acelera os processos erosivos. Questionado pela Tribuna se com tantas variáveis de agravamento de elevação dos oceanos, e se especialistas como ele são consultados por esses agentes como construtoras, poder público e outros personagens, ele é lacônico: “Não, esqueça!”, diz. “A construtora vende e tchau. A imobiliária quer lucrar. Por isso, é melhor mudar esse termo. Não mais pé na areia, é na água mesmo!”, reitera. Ele ressalta à Tribuna sobre um outro fenômeno que tem afetado locais como a orla da Jatiúca, em Maceió. É a erosão eólica. “Eu disse há 30 anos a meus alunos em uma aula prática que fiz ali ao longo da praia que daria problema em 20 ou 30 anos. O problema veio com 10. Hoje tem uma contenção violenta naquela região”, relata o especialista.

“Durante o ano todo, o vento tá soprando e de pouquinho em pouquinho. O que é pior é eles (os trabalhadores garimpeiros de areias da prefeitura) tirando areia. Eu disse ‘Não botem areia na caçamba, botem na praia. Devolve essa areia para a praia”.
“E com estrovengas eles cortam e arrancam a vegetação de praia a salsa que seguram a areia e já formou um monte de duna de amontoado de areia”, explica. “Aquela areia, se não tiver essa vegetação, ela já teria entrado na pista”, completa.
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