Cidades
A 'segunda chance' alcança seu objetivo: a sonhada ressocialização
Grande intuito dos projetos desenvolvidos nos presídios brasileiros é colocado em prática com a volta ao trabalho em sociedade
Na quinta e última reportagem da série sobre ressocialização de presos, a Tribuna chega, enfim, ao grande intuito dos projetos desenvolvidos nos presídios brasileiros e, em especial, alagoanos: a ressocialização.
Na ressignificação da vida depois das grades, a Tribuna traz ao leitor exemplos de duas personagens, com depoimentos de ex-apenadas como Lucélia Maria da Silva Moraes, condenada por 12 anos de reclusão por tráfico de drogas. Traz também a fala de Lidiane Olímpio da Silva, por formação de quadrilha, também por tráfico, e condenada a 14 anos e 9 meses. Apesar de sofrerem discriminação da sociedade e até da família, depois da condenação, elas conseguiram a sonhada “segunda chance” e ressignificaram suas vidas.
“MEU MAIOR ORGULHO É TER MINHA CARTEIRA ASSINADA”, DIZ EX-REEDUCANDA
Quem vê o semblante sereno da trabalhadora da área de serviços gerais Lucélia da Silva Moraes, 37 anos, não consegue imaginar a vida que ela deixou para trás. Antes de chegar à maioridade, Lucélia enveredou pelo caminho das drogas que a levaram para a prisão por tráfico, por qual foi condenada por 12 anos. “Entrei nessa vida terrível novinha, aos 14 anos”, conta Lucélia.
“Fui presa duas vezes pelo mesmo motivo. Uma peguei cinco anos de prisão e a outra vez peguei seis anos”, relata.
E depois de sair da prisão há 14 anos e lá fazer os cursos que o presídio a ofertou para mudar de vida e buscar a “segunda chance” na vida, Lucélia conseguiu finalmente ressignificar sua vida ao ser contratada com carteira assinada e tudo que tem direito. “Antes de ser contratada neste emprego aqui da Defensoria Pública, sofri muita discriminação, tanto da família, como nos trabalhos que consegui anteriormente a este. As pessoas julgam muito, sabe!”, diz Lucélia, que trabalha há três anos com carteira assinada na Defensoria Pública do Estado de Alagoas.
“Aqui, graças a Deus, fui muito acolhida e abraçada por todos, do maior ao menor funcionário”, ressalta a funcionária que faz limpeza e copa.
“Lembro que antigamente, logo depois de sair da prisão, eu mandava currículo e fui descartada por causa do meu histórico. Mas graças a Deus hoje em dia isso mudou muito, as empresas estão pegando mais as pessoas que saem da prisão, graças aos convênios”, completa a ex-presidiária.
“Meu maior orgulho hoje é ter minha carteirinha assinada, ter meu salário honestamente e cuidar da minha família”, relata a esposa e mãe de seis crianças, ao não esconder a emoção, flagrada com os olhos marejados durante a entrevista.
O “CORRE” FEZ TENTAÇÃO PARA LUCÉLIA VOLTAR AO INFERNO
Lucélia lembra que assim que saiu da prisão, antes mesmo de sua família, o tráfico de drogas a tentou novamente e a turma do “corre” (gíria usada no mundo do tráfico de drogas) foi a primeira a se aproximar e dar “força” para ela voltar àquele mundo que a tinha levado à prisão.
“Eles chegaram e diziam assim: ‘olha, se você quiser, tem um ‘corre’ muito bom para você conseguir dinheiro e recomeçar sua vida’”, diz à Tribuna a ex-presidiária.
“Vi muita gente morrer por causa do tráfico. Entra muito dinheiro fácil e é um querendo matar o outro. Neste mundo, a vida está sempre em risco. Lembro que a gente evitava dormir, passava noite de sono bebendo e consumindo droga para não dar vacilo, para ficar acordada e não morrer”, conta.
“Na minha segunda queda, lembro que apanhei de um policial e aí minha ficha caiu. No presídio eu estava grávida e era spray de pimenta todo dia. E lá eu disse que quando saísse daquele lugar infernal, nunca mais queria saber daquela vida novamente”, diz Lucélia.
LIDIANA, O OUTRO EXEMPLO DE VIDA
Outra personagem que deu outro rumo a sua vida depois da experiência em presídio foi Lidiana Olímpio da Silva. Hoje ela é trabalhadora contratada na copa da Assembleia Legislativa de Alagoas, onde serve cafezinho.
“Entrei nessa vida por causa do meu ex-esposo, por formação de quadrilha ligada ao tráfico. Peguei uma pena de 14 anos e nove meses. Mas consegui trabalhar mesmo detida por causa dos convênios no sistema prisional, o que me salvou! Passei um ano com tornozeleira no regime semiaberto em outro trabalho”, conta. O homem que a fez entrar na vida de ilegalidade e do crime, o esposo à época, morreu, assassinado.
“Minha maior alegria foi que soube que estava totalmente livre quando já estava trabalhando aqui na Assembleia com apenas três dias de serviço”, diz Lidiana, que está no emprego há apenas pouco mais de um mês.
“Trabalho como copeira, faço sucos, sirvo água e me sinto muito bem acolhida com o pessoal daqui e devo isso aos convênios do presídio, que abriram as portas de emprego, me sinto sim ressocializada”, conta.
“Tenho orgulho de mostrar a meus três netos que o que vale nesta vida são bons exemplos e o que é ruim já passou e serviu de lição”, ressalta Lidiana.
“É muito bom ser ressocializada, ser aceita pelas pessoas”, completa a ex-reeducanda.
ESTATÍSTICAS SÃO MUITO PRECÁRIAS EM ALAGOAS
A Tribuna tentou apurar com algumas instituições dados e estatísticas sobre pessoas ressocializadas em Alagoas ao longo dos anos, mas as empresas, por várias razões, não se preocuparam em organizar esses números. O único dado levantado foi fornecido pela Secretaria de Estado da Ressocialização e Inclusão Social (Seris), mesmo assim, incipiente. De acordo com a Seris, entre os anos de 2023 e 2024, 13 ex-reeducandos estão empregados.
Segundo dados da Agência Senado, de um modo geral no Brasil, a volta ao convívio social — no chamado ‘saidão’, no regime semiaberto ou aberto ou então em liberdade —, o transgressor encontra o preconceito. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 57% da população brasileira em 2015 concordava com a frase “bandido bom é bandido morto”.
“Quando o sujeito sai [da prisão], mesmo já tendo cumprido a pena, ele muitas vezes não é aceito pela família nem pela comunidade e muito menos pelo mercado de trabalho. O preconceito é muito grande. As pessoas acham que, por ter cometido o crime uma vez, ele vai ser eternamente criminoso”, diz o psicólogo e professor do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB) Mário Ângelo Silva.
Se por um lado a reinserção necessita do perdão da sociedade, como assinala o coordenador-geral de alternativas penais do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Talles Andrade de Souza, por outro é preciso considerar o efeito provocado no imaginário dos cidadãos pela ideia de conviver com autores de crimes.
“Nós precisamos acreditar que todos os sujeitos têm condição de rever suas trajetórias”, propõe Andrade de Souza.
O sociólogo Lúcio de Brito Castelo Branco contrapõe:
— Você daria emprego a um bandido acusado de estupro, latrocínio?
A opinião do sociólogo, vista com antipatia por pessoas que creem na ressocialização, é mais parecida com a do senso comum.
— Quem tem preconceito em relação à sociedade é o bandido. Com essa história romântica e de alta periculosidade dos chamados direitos humanos que defendem o banditismo, o crime, convencionou-se dizer que a sociedade é preconceituosa, que a pobreza é culpada do crime. Isso é um absurdo — opina.
O professor Silva, da UnB, admite que a vulnerabilidade social não é justificativa para a criminalidade. Por outro lado, vê no combate à pobreza um ingrediente para a diminuição da criminalidade.
— É preciso investir em políticas sociais para que o cidadão possa ter uma vida normal, sem precisar transgredir. Pobre tem muita dificuldade de acesso à educação, à saúde e ao trabalho — frisa o psicólogo.
De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), 75% dos encarcerados estudaram somente até o ensino fundamental.
A pesquisa aponta que apenas 12% das pessoas presas cometeram crimes hediondos. A maioria, 66%, foi condenada por tráfico (28%), roubo (25%) ou furto (13%). Ainda assim, o pequeno traficante de drogas é chamado pelo mesmo qualificador atribuído a assassinos e estupradores: bandido.
— O que se vê nas prisões é um acúmulo de pessoas com perfis muito diferenciados, desde o ladrão de um xampu no supermercado até o assaltante de banco. Essa convivência lá dentro faz com que haja resistência. É preciso separar o joio do trigo — analisa Silva.
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