Cidades

Empresas abraçam projeto e evitam que presídios se tornem depósitos de gente

Projeto consiste em um complexo de empresas privadas ao redor do Presídio de Segurança Máxima, que tem um universo de cerca de 5 mil presos e absorve cerca de 20% de mão de obra carcerária

Por Wellington Santos / Tribuna Independente 09/11/2024 10h05
Empresas abraçam projeto e evitam que presídios se tornem depósitos de gente
Reeducando 'Roberto Airan' está no regime fechado, faz estágio na empresa de colchões BonSono e vê a possibilidade de ressignificar a vida com estudos para abrir portas no mercado de trabalho - Foto: Adailson Calheiros

Nesta quarta reportagem da série sobre ressocialização de presos, a Tribuna traz à baila para além do Projeto Livros que Libertam (assunto das três reportagens anteriores), outra ação que é bem mais antiga e tem intuito de ressocializar os presos alagoanos e ofertar a chamada “segunda chance”. Com isso, ao longo do tempo, vislumbraram-se e efetivaram-se perspectivas para uma pessoa condenada por algum crime ressignificar sua vida através do labor.

Um desses projetos está localizado ao redor do Complexo do Presídio de Segurança Máxima, em Maceió, e se dá no Núcleo Industrial Jarbas Oiticica, no bairro Cidade Universitária, criado em 2010 pelo desembargador Tutmés Airan, à época então secretário de Estado de Ressocialização do Governo de Alagoas. O projeto consiste em um complexo de empresas privadas ao redor do presídio, que tem um universo de cerca de 5 mil presos e absorve cerca de 20% de mão de obra carcerária, isso sem contar as empresas públicas, o que dá em torno de 600 empregos diretos.

A grande maioria é do regime fechado e outra parte do regime semiaberto. Os reeducandos saem de manhã do Núcleo Ressocializador, entram nas empresas e trabalham até às 18 horas e depois retornam ao presídio. Nesse sistema, para cada 3 dias trabalhados, eles reduzem em 1 dia a pena estabelecida.

“PENA TAMBÉM DEVASTA A FAMÍLIA”, DIZ EMPRESÁRIO

O projeto começou com cinco empresas e hoje o Núcleo Industrial Jarbas Oiticica funciona com 15 empresas.

“O que me chama mais atenção nessa ação de absorver reeducandos é a família ser abraçada, porque quando qualquer pessoa é condenada a cumprir uma pena, a família vai junto neste processo, e isso é devastador para a família”, diz Carlos Júnior, proprietário da Fábrica BonSono, uma das que integram o projeto de ressocialização há 12 anos. Ele também preside a Associação dos Empresários do Núcleo Industrial Jarbas Oiticica.

“Existe reeducando que fez uma faculdade à distância e em breve já vai estagiar aqui na empresa no setor de contabilidade”, conta Carlos Júnior.

“Se a gente enquanto empresário não abrir essa oportunidade, contribui para tornar os presídios um depósito de gente sem perspectivas”, completa Júnior.

“Teve gente que foi reeducando, estagiou aqui na empresa e já montou o próprio negócio”, completa o empresário.

"Teve gente aqui que foi reeducando, estagiou aqui na empresa e já montou o próprio negócio" - Carlos Júnior, proprietário da empresa BonSono (Foto: Adailson Calheiros)

Em 2023, por exemplo, o investimento do Governo de Alagoas, por meio da Secretaria da Ressocialização e Inclusão Social (Seris), em ações para proporcionar ao reeducando o convívio em sociedade pelo trabalho levou gestores da pasta a uma audiência pública sobre o Acesso ao Trabalho e Desenvolvimento de Unidades Produtivas no âmbito do Sistema Prisional de Alagoas, realizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).

Um dos levantamentos apresentados pelos gestores da Seris mostrou o aumento do percentual de reeducandos trabalhando. Em cinco anos, o percentual subiu 36,6%, de 1.018 para 1.391, nos anos de 2018 e 2023, respectivamente.

Na oportunidade foram apresentados balanços de projetos desenvolvidos, das parcerias, das empresas conveniadas e dos trabalhos desenvolvidos no sistema prisional e no Núcleo Industrial Bernardo Oiticica (Nibo), que utiliza mão de obra de reeducandos, selecionados após uma triagem multidisciplinar.

Outro investimento da Seris é no artesanato na chamada Fábrica da Esperança, onde 25 reeducandos com talentos para o artesanato produzem seus trabalhos. Essa produção é comercializada em pontos turísticos do Estado com intuito de potencializar a capacidade dos reeducandos com produção de filé, bordados e renda.

AIRAN, UM CASO DE SUCESSO RESSIGNIFICANDO A VIDA

Esse projeto ressocializador que envolve empresas deu oportunidade a gente como Roberto Airan de Souza Bernardino (nome fictício a pedido do personagem), ele tem 32 anos. Roberto chegou à BonSono depois de uma entrevista em que se interessou para trabalhar e reduzir sua pena. “Passo o dia trabalhando aqui e volto para dormir no presídio”, conta Roberto.

Fábrica de colchões BonSono é uma das empresas do Núcleo Industrial Jarbas Oiticica (Foto: Adailson Calheiros)

Ele chegou ao presídio depois se envolver em um homicídio. “Me envolvi com amizades que não foram boas, mas reconheço que foi escolha minha, na época e fui condenado a 24 anos de prisão”, relembra. Mas com adesão ao projeto, Roberto pode conseguir reduzir sua pena em até 9 anos. No regime fechado, ele já tem 3 anos de empresa e está há cinco no presídio.

“Descobri com esse projeto que posso ter a possibilidade de voltar à sociedade, estudando e trabalhando”. Roberto é solteiro, não tem filhos e jura que ao sair de cadeia vai honrar seu pai e sua mãe. “Sei que a escolha para estar aqui foi minha, mas estou tendo a chance de ressignificar a minha vida e quero dar um abraço muito forte nos meus pais, minhas referências”, diz o ex-aluno de análises de sistemas antes de cometer o delito e ser condenado.

“Aqui na cadeia fiz um curso Educação à Distância em Gestão Portuária e sei que tem muita vaga no mercado nessa área de trabalho quando eu sair daqui”, acredita o reeducando da BonSono.

Roberto tem foco no setor de Gestão Portuária quando sair da cadeia, mas atua como ajudante de produção de colchões na empresa.

Presos em plena produção na Fábrica da Esperança, no presídio masculino: artesanato é forma de ganhar renda (Foto: Adailson Calheiros)

A BonSono é uma fábrica que produz colchões, espumas e boxes, tem no seu quadro 196 funcionários celetistas. Fora esses, a fábrica absorveu 49 reeducandos, sendo 41 deles no regime fechado e oito no semiaberto. A mão de obra carcerária tem direito a um salário mínimo.

Já os reeducandos do regime semiaberto, em geral, são aproveitados além de empresas privadas nas públicas, como as de saneamento e abastecimento de água, Departamento de Estradas de Rodagem (DER) e no Palácio República dos Palmares.

Mas, para além do lucro, com exemplos como esses vindos de uma parte do empresariado alagoano, constata-se que as fábricas que compõem o projeto, como a BonSono, não fabricam só produtos e visam somente ao lucro, elas têm “fabricado” também esperança e cidadania.