Cidades
Fugindo da rotina
Cultivo de plantas e hortaliças contribui para o alívio das tensões e sobrecarga de trabalho
Fugir da rotina é um termo muito utilizado nos tempos atuais, onde o imediatismo e a execução de múltiplas tarefas imperam. O que pouca gente sabe é que fugir da rotina é um aliado da mente e do corpo trazendo prazer e elevando a autoestima.
Prova disso é o servidor público Maximiliano Henriques, de 47 anos. Para ele fugir da rotina compensa. Desde setembro do ano passado ele investiu tempo e dedicação em uma horta orgânica no quintal de casa. A partir daí relata ganhos para a mente, o corpo e para a família.
“Tudo começou quando nos fundos da minha casa ganhamos uma metragem a mais no terreno, de 70 centímetros por 15 metros. Então eu disse a minha esposa, já que essa parte é muita estreita, vamos partir para uma coisa que a gente consiga além de economizar, ter um produto nosso, sem agrotóxico. Então, eu aterrei essa parte e comecei a cultivar”, diz.
Entre beterraba e pimentas, tomates, alface e rúcula, ele vai aliviando a tensão do dia a dia e passando cada vez mais tempo com a família.
“Eu trabalho com tecnologia há mais de 20 anos. Trabalhar com tecnologia é uma coisa muito estressante porque você não tem hora para acabar. Sou funcionário da Prefeitura e vivo de plantão. Se der um problema sábado, domingo eu tenho que estar lá porque trabalho com infraestrutura. E até o dia a dia mesmo, essa horta é uma válvula de escape. Venho para cá e perco a noção do tempo. Faço de tudo para não trabalhar aos fins de semana para me dedicar a horta e isso mudou a qualidade de vida da minha família, minha e a forma como a gente se alimenta”.
Em cerca de sete meses ele trabalhou em diversas culturas, algumas teve sucesso, em outras tentativas a coisa não funcionou muito bem. Os ensinamentos, segundo ele, vêm de vídeos na internet.
“Eu sou um xereta. Sempre aprendendo na internet como cultivar cada um, porque cada cultivo tem sua particularidade. Têm hortaliças que dão o ano todo, outras que tem o seu tempo, outras que precisam arrancar pela raiz que é o caso do coentro. É a segunda vez que tento a cultura da cenoura, mas não deu certo. Na verdade, falta espaço e sol. A cenoura precisa de muito sol e é muito suscetível a pragas. Os orgânicos têm um problema muito grande: pragas. Eu aplico o remédio biológico, uso casca de ovo para espantar mariposa. E tudo isso eu vi na internet”, conta.
Família também tem sentido os efeitosSegundo ele, as filhas de 14 e 12 anos ajudam na limpeza das plantas e na poda. A filha mais nova é dona de um pequeno cultivo de morangos, que de acordo com Maximiliano não deu certo.
Ele diz que a família inteira colhe os frutos da mudança proporcionada pela horta orgânica.
“Principalmente o hábito alimentar mudou bastante, porque como você tem o prazer a facilidade de ter um produto no quintal da sua casa eu não tenho mais esse problema de ter que ir em supermercado comprar de estoque, deixar na geladeira e comer um produto velho. Ou muitas vezes acabar e não ter coragem de ir comprar. Eu venho no quintal da minha casa e colho milha cebolinha, meu coentro, meu couve... Ou seja, as hortaliças principais eu tenho aqui e não se estraga. Porque quando sobra eu dou aos vizinhos, à família”, afirma.
Maximiliano mostra orgulhoso os cultivos de hortelã e citronela que também são usados por toda a família. “Tenho um repelente com água, álcool e citronela que minhas filhas usam. Minha filha quando está querendo gripar usamos a hortelã”.
“Essas hortaliças precisam muito de sol. Minha filha fica toda chorosa quando tenho que podar, mas é necessário. A hortaliça não tem segredo: é água na dosagem certa e adubação correta. A adubação é feita com coisa orgânica. Na minha casa nada vai para o lixo. Casca de banana, borra de café, casca de ovo, nada vai para o lixo. Tudo eu guardo trituro e coloco na compostagem, outras eu já coloco direto na adubação”, explica.
Rotinas agitadas são causa de adoecimentoO psicólogo Carlos Gonçalves explica que a sobrecarga de trabalho e o excesso de cobranças são gatilhos para as doenças psicossomáticas.
“Esgotamento físico e mental. É aquela questão de quem é obcecado pelo trabalho, que não quer fugir da rotina. A fase adulta é a de maior produção, a gente acha que tem que ocupar todos os espaços, que tem que estudar, a gente quer ser reconhecido. E essa cobrança tanto própria como da sociedade, essa imposição que a sociedade faz, nós também fazemos internamente. Mas é preciso partir para esse silêncio, para questionar a necessidade de fazer essas coisas. Por fazer as coisas no automático é que a gente adoece. Se transforma em transtorno de ansiedade, aí vem a depressão, hoje mais do que nunca desencadeia a Síndrome do Pânico. É preciso parar porque mexe com tudo. Cada vez mais em clínica recebo casos de ansiedade que desencadeia depressão e síndrome do pânico. Quando vai investigar a vida da pessoa encontra excesso de trabalho, excesso de cobrança, tanto cobrança da família como dele mesmo que não consegue se adequar aos padrões exigidos”, pontua.
Gonçalves salienta que pelo fato de as rotinas se tornarem cada vez mais agitadas e repletas de afazeres, tem faltado tempo para refletir sobre as necessidades individuais.
“É o silêncio que a gente está perdendo. A gente não tem mais isso, esse silêncio interno. A gente está no piloto automático. A rotina está tão no piloto automático que o meu cérebro, o meu entendimento acha que é normal, mas não é. Aí vem o adoecimento. O corpo responde a essa sobrecarga emocional, a todos esses elementos. Vão repercutir no nosso organismo”, aponta.
Para o psicólogo, os problemas já começam desde a infância. “Nós estamos vivendo uma era de muita agilidade e ansiedade. Ou seja, uma criança hoje em dia não tem mais apenas a aula, pode estar no judô ou na natação, no inglês e assim vai essa necessidade contemporânea. E a gente acaba adquirindo esses mecanismos de ansiedade. Vamos nos tornando adolescentes, adultos sempre buscando preencher alguns vazios. Porque nós temos nossos vazios e, quando a gente não consegue perceber esses vazios, a gente acaba adoecendo, somatizando”, esclarece.
Hobby doméstico vira paixãoA servidora pública Rosane Cavalcante, de 43 anos, é do tipo que não fica parada. Em casa ela realiza atividades prediletas como pintura, artesanato e jardinagem. O que para muitos pode parecer um trabalho, para ela é uma diversão.
Rosane diz que realizar as atividades em casa ajuda a aliviar o estresse e a lidar com a rotina puxada de trabalho.
“Me ajuda muito. Tira o pensamento das preocupações. Sempre estou muito ocupada, é uma verdadeira terapia. E quando a pintura fica legal, dá vontade de pintar mais. Quando as fruteiras estão produzindo, é estimulante para cuidar mais”.
As plantas têm sido o “xodó” de Rosane. Ela se dedica ao cultivo de plantas frutíferas em casa. Com tanta coisa, o dia fica repleto de atividades, mas todas extremamente prazerosas para ela.
“Minha casa é grande então comecei a plantar. Tenho fruteiras enxertadas. Tenho graviola, carambola, manga rosa, limão, coco, banana, sapoti, pinha, tangerina e caju. Tudo na minha casa. Então sempre temos uma frutinha. Hoje mesmo eu colhi caju. Eu cuido das fruteiras, das pragas. Enfim, não falta o que fazer”.
A paixão pelas plantas é dividida com as artes.
Os primeiros passos artísticos foram incentivados pela tia de Rosane, que é artista plástica.
“Sempre gostei de tudo arrumado, de jardim, sempre gostei de artigos de casa. Sempre fui metida a decoradora [risos]. Teve um tempo que até parede pintei, fiz textura... Para completar essa minha afinidade por gostar de tudo organizado e também por pinturas, minha tia, uma pessoa que tenho muito contato, uma grande artista, me ensinou muita coisa. Tendo contato com essa tia, fiquei apaixonada por pátina, foi assim que despertei para a arte”, conta.
Se dedicar às artes acabou virando uma verdadeira paixão para a servidora pública. Que explora a criatividade em todos os cômodos da casa, móveis e outras peças de decoração.
“Comecei a observar as peças que minha tia fazia, e fui fazendo também. Sem contar que a gente começa a criar. Brincar com as cores. É muito bom. Eu adoro o rústico. Então, faço restauração quando as peças em casa estão precisando e por aí vai”.
A possibilidade de criar peças, de se ocupar é para ela fundamental. “Ultimamente tenho cuidado mais das plantas do que da pintura. Embora, esteja organizando um chá de fraldas. Aí estou fazendo umas lembranças e vou ter que pintar uma cesta também”, explica.
Especialista aponta os ganhos de fugir da rotinaCarlos Gonçalves ressalta que para que as atividades se tornem realmente terapêuticas, isto é, ajudem a aliviar a carga emocional, é preciso que sejam opostas ao que o indivíduo realiza como rotina de trabalho.
[caption id="attachment_95574" align="aligncenter" width="550"] Carlos Gonçalves ressalta a importância de sair da zona de conforto e buscar atividades que sirvam como válvula de escape para a rotina (Foto: Sandro Lima)[/caption]“Não adianta um médico que atende a semana inteira, chegar num sábado e fazer um trabalho voluntário para atender comunidades carentes. Não é isso. É sair de fato e de direito daquilo que se faz no dia a dia”, salienta.
“Para desacelerar é salutar buscar fazer algo que tire da tua rotina. De repente, se é um médico com uma vida atribulada com cirurgias, atendimentos e num ambiente estressante. Ou então, como jornalistas lidando com várias notícias ao mesmo tempo, então se você não busca fazer alguma coisa diferente disso você somatiza. É buscar alguma coisa diferente. Mesmo precisando estar atento à profissão, é necessário se desligar. Fazer um esporte, uma cultura, canalizar para outras coisas. Isso traz um benefício muito grande para o organismo.”
E dá sugestões para o que pode ser encarado como alternativas. “Fazer um curso de teatro, aulas de pintura, curso de violão, fazer algo que faça com o que o cérebro coordene de outra forma. É como se o cérebro sempre trabalhasse do lado esquerdo e você fizesse ele trabalhar pelo lado direito. Na terapia a gente pede para que as pessoas ao ir para casa tentem ir por outro caminho, para desconstruir aquilo que está formado no cérebro para estar saudável. É muito bom, muito prazeroso fazer algo assim. Nosso cérebro agradece”, diz.
‘Estão cuidando do corpo e da mente’, diz psicólogoPara o psicólogo é necessário encontrar o equilíbrio entre o corpo e a emoção. A indicação é buscar modificar a rotina em pequenos detalhes, seja num trajeto diferente ao ingresso em uma nova graduação, por exemplo. Para que o cérebro não se acostume a viver as mesmas experiências.
“Eles estão buscando o equilíbrio, buscando o equilíbrio entre a emoção e o corpo. Cuidando muito deles mesmos, cuidando do corpo e da mente. Quando a pessoa trabalha de manhã e atarde, mas a noite faz algo totalmente diferente, faz com que o cérebro comece a pensar, comece a trabalhar de forma diferente. Uma coisa que diversas pesquisas apontam é que pessoas que têm uma segunda graduação, ou exercem outras atividades estão retrabalhando seu cérebro. Isto é, tinham uma linha de pensamento e passa a trabalhar seu pensamento com outra coisa, ajuda com a cognição, ajuda na questão do Alzheimer lá na frente”.
Segundo Gonçalves, as pessoas precisam se preparar para mudanças repentinas na rotina, como aposentadoria, um problema de saúde. As pessoas precisam refletir como seria a vida sem a relação direta com o trabalho.
“Um exemplo muito comum é que muitas pessoas que se aposentam entram em depressão, apresentam transtornos, porque não estão preparadas para o novo. O cérebro não fez uma programação de vida. O que eu quero depois disso? Depois do trabalho? A pessoa só faz isso, só trabalha, chega em casa não encara filhos, esposa, a vida é uma rotina porque a pessoa acha que só sabe fazer aquilo. Não foi trabalhado nem o corpo nem a mente neste sentido. As pessoas que pensam nisso, saem na frente, retrabalham o cérebro, estão pensando sobre o pensamento. Mas o processo de mudança é um processo difícil, porque as pessoas ficam na zona de conforto e dá trabalho sair. Pensam que está bom, que já pode morrer, jovens até, e acaba virando a rotina. Mas nós temos capacidade de fazer várias coisas, mas sem estressar. É fazer algo que dê prazer, essa é a diferença”, finaliza.
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