Saúde
Policial penal com câncer no cérebro é abandonado pela saúde pública
Com tipo mais agressivo de tumor cerebral, paciente não consegue fazer tratamento quimioterápico como requer protocolo
Um vídeo postado na sexta-feira (7) nas redes sociais provocou revolta e indignação entre internautas. Trata-se do drama vivido pelo policial penal José Márcio da Costa, 57 anos, diagnosticado com um câncer cerebral, que vem lutando há seis meses para receber medicação quimioterápica na saúde pública estadual, mas sem sucesso.
Após tentar todos os recursos burocráticos indicados e não receber o tratamento, o agente penal decidiu denunciar o descaso das autoridades da saúde estadual com a vida de alagoanos, “porque não se trata apenas do meu caso, mas de várias outras pessoas que também precisam de tratamento para lutar pela vida”, diz no vídeo.
Policial penal do Estado há 18 anos, José Márcio descobriu, nos primeiros meses deste ano, um câncer no cérebro denominado Glioblastoma Multiforme (glioma de alto grau, IDH selvagem), o mais agressivo tipo de tumor cerebral primário.
Após realizar cirurgia no Hospital Metropolitano, em 26 de abril para a retirada do extenso tumor na região temporoparietal, foram indicadas pelos médicos a realização de 30 sessões de radioterapia, paralelamente à quimioterapia, com o medicamento Temodal (Temozolamida), por 42 dias – que é o protocolo para tentar controlar a recidiva do tumor. Mas o tratamento não vem ocorrendo como deveria, por falta de acesso ao medicamento. Os dois tratamentos deveriam ter sido iniciados logo após a recuperação cirúrgica, o que não aconteceu.
Na luta pela vida, Márcio e a esposa Jéssica Oliveira, tentam, no Hospital Metropolitano - que ficou definido como local de liberação do remédio -, desde que foi iniciado o tratamento de radioterapia no Hospital Universitário, dia 3 de outubro, o quimioterápico Temodal, que deveria ter começado simultaneamente à radioterapia. Desde então o Hospital Metropolitano só conseguiu liberar três comprimidos.
Por não ter iniciado junto com a radioterapia, a quimio agora terá se prolongar por um período mais longo e com dosagem maior. O paciente já fez 19 sessões de “radio”, mas só tomou a medicação por dois dias.
Antes do início da radioterapia, uma ressonância magnética já mostrou uma recidiva residual do tumor, indicando a urgência dos dois tratamentos.
“Eu tenho enfrentado uma verdadeira “via crucis”, em busca de um direito, para um tratamento de um câncer tão grave. Existe a Lei dos 60 Dias, prazo máximo para que o paciente oncológico possa ter acesso ao medicamento quimioterápico pelo SUS, mas nada disso é cumprido aqui na rede estadual de saúde: todos os dias que a gente ia buscar diziam para vir amanhã, venha amanhã, e esse amanhã nunca chegava”, reclama o paciente.
Remédio pela metade
Segundo José Márcio, na terça-feira passada telefonaram do hospital solicitando que fosse buscar o quimioterápico, o que reacendeu suas esperanças na luta contra a doença. Mas, para sua surpresa, o medicamento chegou incompleto, pela metade. “Eu iniciei o tratamento na terça, e na quarta-feira fui obrigado a suspendê-lo, fui prejudicado, seria melhor nem ter iniciado a quimioterapia. Além do atraso enorme ainda veio incompleta”, disse.
E desabafou: Sirvo a este estado há 18 anos, com dedicação total e exclusiva, e agora que necessito de apoio médico, numa situação dessas, recebo em troca esse descaso com a saúde pública”, completou o policial penal alagoano.
Até a edição desta matéria, no início da noite de sexta-feira (7), José Márcio e a esposa faziam plantão no Hospital Metropolitano à espera da liberação de pelo menos mais dois comprimidos para a sexta e a segunda-feira.
Secretário sabe da falta de medicamentos, afirmam servidores
Sensibilizados e até constrangidos com o caso do agente penal José Márcio, funcionários e técnicos do Hospital Metropolitano, que pediram para não serem identificados, disseram que a situação relativa à falta de medicamentos já foi, por diversas vezes, relatada aos dirigentes da Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), mas nenhuma providência efetiva foi tomada.
“O secretário (Gustavo Pontes) é um gestor muito fraco. Não tem condições de dirigir uma secretaria de estado. A falta de medicamento para quimioterapia é apenas a ponta do iceberg de outras situações de má administração que ainda não chegaram a público”, disse um técnico, sob compromisso de não ser identificado.
Um outro, sob as mesmas condições, mostrou profunda revolta. “Os paciente e familiares muitas vezes nos veem como responsáveis pela falta do quimioterápico, quando na verdade o que queremos é ajudar a todos. Enquanto isso, o secretário passa longe das queixas dos pacientes e segue sua vida como se nada tivesse acontecendo. E aí a gente pergunta: se fosse um irmão ou filho dele, a medicação continuaria faltando?”
A direção do Hospital Metropolitano já teria alertado várias vezes o secretário Gustavo Pontes sobre a falta de medicamentos e materiais no hospital, mas, segundo esses servidores, as soluções são por demais demoradas e sem prioridades definidas.
“Esse tipo de descaso com as pessoas que mais precisam da saúde pública já está rendendo desgastes para o governo do estado. Parlamentares da oposição, procurados pelas pessoas desesperadas por não encontrar o atendimento devido na rede pública, já se municiam para a campanha eleitoral e vão cobrar com juros essa omissão e inoperância na gestão da saúde pública de Alagoas”, disse outro técnico.
Enquanto o secretário tropeça no desprezo pelos pacientes do SUS, José Márcio se diz disposto a tentar de tudo para salvar sua vida. O próximo passo dele pode ser a judicialização do caso.
Pacientes oncológicos têm direito a tratamento até 60 dias após diagnóstico
Pacientes oncológicos têm direito ao início do tratamento em até 60 dias após o diagnóstico, seja no SUS ou via plano de saúde, conforme a Lei dos 60 Dias (Lei nº 12.732/2012). Além disso, têm direito ao acesso a exames em até 30 dias e ao acesso à informação, tratamento humanizado e suporte psicológico previstos no Estatuto da Pessoa com Câncer (Lei nº 14.238/2021).
Direitos relacionados ao tratamento
Prazo para início do tratamento: Pacientes têm direito ao início do tratamento (incluindo exames, quimioterapia, radioterapia etc.) em até 60 dias após o diagnóstico.
Prazo para exames: O prazo máximo para a realização de exames (como tomografias, ultrassonografias) é de 30 dias.
Acesso ao tratamento pelo SUS: A Constituição Federal garante a saúde como um direito de todos, o que inclui tratamento gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Acesso ao tratamento por plano de saúde: Planos de saúde também são obrigados a cumprir os prazos para início de tratamento e exames, conforme a lei.
A obtenção do diagnóstico precoce, por meio da realização de exames preventivos, é um dos direitos do paciente com câncer. A Lei Nº 14.758, que institui a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer, tem como principais objetivos: reduzir a incidência da doença; garantir o acesso adequado ao cuidado integral; favorecer a melhora da qualidade de vida dos pacientes; diminuir a incapacidade e a mortalidade em decorrência da doença.
O direito ao atendimento integral e humanizado engloba diversas especialidades médicas (fisioterapia, nutrição, serviço social, entre outras), selecionadas conforme as necessidades de cada paciente. Assegura, também, o tratamento adequado da dor e de outros sintomas prejudiciais ao bem-estar e à qualidade de vida. Além disso, quando necessário, garante o oferecimento de cuidados paliativos, visando o alívio do sofrimento.
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