Saúde

Metanol destrói o nervo óptico e pode causar cegueira permanente

Médico oftalmologista alerta que sintomas de intoxicação pela substância são inespecíficos e podem ser confundidos com outras doenças, até mesmo com a própria 'ressaca' do álcool etílico

Por Valdete Calheiros - colaboradora / Tribuna Independente 09/10/2025 07h38
Metanol destrói o nervo óptico e pode causar cegueira permanente
Daniel Jucá diz que entre seis e 24 horas podem surgir os sintomas visuais associados ao metanol - Foto: Edilson Omena

Entre todos os sintomas registrados nos casos de intoxicação por metanol em bebidas alcóolicas destiladas, um em específico está preocupando a população: os danos na visão.

O médico oftalmologista, Daniel Pinheiro Jucá, salientou que os sintomas de intoxicação por metanol são inespecíficos, isso quer dizer que eles podem ser confundidos com outras doenças e até mesmo com a própria “ressaca” do álcool etílico presente nas bebidas alcoólicas legalizadas.
Conforme o médico, a cegueira será permanente ou temporária a depender da quantidade de metanol ingerida e do tempo de início do tratamento específico.

Daniel Jucá explicou que os sintomas visuais podem nos ajudar a fazer um diagnóstico mais precoce o que é fundamental para salvar a vida e a visão do paciente. “Os sintomas mais frequentes são perda da nitidez das imagens (visão embaçada), fotofobia (desconforto com a luminosidade), discromatopsia (alteração da percepção das cores e até visão em preto e branco), escotomas (pontos pretos e “névoas” na visão) e até a temida amaurose que é o escurecimento total da visão. Estes sintomas visuais geralmente aparecem entre seis e 24 horas após a ingestão de bebidas alcoólicas de procedência duvidosa”, detalhou.

O oftalmologista salientou que os estudos clássicos e mesmo os mais recentes do assunto variam muito na incidência de sintomas visuais devido a diversos vieses nestes estudos. Alguns estudos, completou, chegam a citar que estão presentes em 29% a 72% dos casos.

De acordo com as explicações do médico, as células neurorretinianas são altamente especializadas e com pouca ou nenhuma capacidade de regeneração, portanto os casos tendem a ser graves e com danos severos levando a cegueira irreversível devido ao diagnóstico tardio e a falta de antídotos nas unidades de pronto atendimento.

O metanol é um álcool usado em solventes e outros produtos químicos, sendo extremamente perigoso quando ingerido. Ele pode atacar o fígado, cérebro e o nervo óptico, levando a cegueira, coma e em casos extremos a morte. O metanol tem a aparência e o sabor do álcool, e os primeiros efeitos são semelhantes.

Neste momento em que há uma alta nas notificações, é importante redobrar a atenção porque os sinais se associam aos de uma ressaca comum. São eles dor abdominal, visão adulterada, confusão mental e náusea.

Diante desses sinais, o paciente deve procurar o atendimento médico no serviço de emergência mais próximo a sua casa para investigação, diagnóstico e tratamento adequado.

A orientação é que, ao chegar à unidade de saúde, a pessoa com sintomas informe que consumiu bebida alcoólica e em qual contexto. O ideal é que o paciente relate, por exemplo, se esteve em uma festa antes de procurar atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS), que tipo de bebida ingeriu, se haviam rótulos nas embalagens e qual foi o horário da ingestão.

Um estudo publicado em 2022 por pesquisadores poloneses segundo o qual entre 30% e 40% dos sobreviventes de intoxicações graves por metanol desenvolvem algum grau de perda de visão. Se o atendimento for rápido, parte da visão pode ser preservada.

Entenda

Visão borrada, fotofobia, manchas escuras no campo visual e uma névoa que vai se espalhando até apagar completamente a capacidade de enxergar.

São esses alguns sinais de perigo para quem consome, sem saber, bebidas alcoólicas adulteradas com metanol. Entre os efeitos dessa substância altamente tóxica no organismo está o ataque direto ao nervo óptico, estrutura essencial para a visão.

Estudos apontam que a ingestão de apenas 10 mililitro de metanol diluído em um litro de bebida é suficiente para causar lesões neuro-oftalmológicas, incluindo cegueira permanente. O consumo de 30 mililitro pode levar à morte.

O risco de perda da visão está relacionado à forma como o organismo processa essa substância. Quando o metanol é ingerido, ele é metabolizado pelo fígado e transformado em formaldeído e ácido fórmico, extremamente tóxicos. Esse último interfere diretamente na produção de energia das mitocôndrias, estruturas celulares fundamentais para o funcionamento das células nervosas do nervo óptico.

Sem energia suficiente, essas células não funcionam corretamente e podem entrar em colapso, causando inchaço e pressão dentro do nervo.

Os sintomas visuais associados à intoxicação por metanol não aparecem imediatamente. Eles podem surgir entre seis e 24 horas após a ingestão e, muitas vezes, começam com sinais confundidos com uma simples ressaca: tontura, fraqueza, náusea e dor de cabeça.

Além de provocar danos irreversíveis ao nervo óptico, o ácido fórmico também pode afetar outras áreas do sistema nervoso central e causar acidose metabólica grave (acúmulo de ácido no organismo), levando a perda de consciência, coma e até morte.

O médico oftalmologista Daniel Jucá explicou que o metanol é um álcool tóxico para o organismo devido aos metabólitos gerados no fígado na tentativa de neutralizá-lo.

O principal deles, completou, é o ácido fórmico que vai atuar nas mitocôndrias impedindo a produção de energia das células pela via aeróbia (que depende do oxigênio).

“As mitocôndrias são como usinas de energia das células e sem energia elas não têm como manter suas funções mais básicas levando a morte celular. Ademais como a via aeróbia se encontra bloqueada a célula passa a produzir energia via anaeróbia produzindo Ácido Láctico que é outra substância nociva as células quando em grande quantidade, dito isto, é natural pensarmos que as células mais ricas em mitocôndrias e consequentemente mais dependentes de alta demanda de energia irão sofrer mais com esses efeitos e é justamente isso que ocorre com os neurônios do nervo óptico e com as células da retina. Elas entram em disfunção e morrem em seguida causando os distúrbios visuais”, detalhou Daniel Jucá.

Tratamento

Consiste essencialmente na administração endovenosa do Antídoto específico que é o Fomepizol ou na ausência deste do Álcool Absoluto. A Hemodiálise pode ser necessária em associação. Existem casos peculiares na literatura médica onde, na ausência desses antídotos, um Whisky de procedência foi administrado por via oral em pequenas doses a cada 4horas e houve boa evolução do paciente inclusive com melhora importante, mas não total da acuidade visual.

Casos

Segundo dados oficiais mais recentes do governo federal, até o momento foram registrados 217 casos sendo 17 confirmados e outros 200 sob investigação. A maioria se concentra em grandes cidades do país como São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. Entretanto é prudente verificar a procedência das bebidas destiladas antes de consumi-las.