Saúde

Espera por transplante pode chegar a sete anos

Servidor público trata de uma hepatite já faz cinco anos e ainda aguarda por um fígado novo

Por Valdete Calheiros - colaboradora / Tribuna Independente 11/07/2024 07h55 - Atualizado em 11/07/2024 11h51
Espera por transplante pode chegar a sete anos
Jackson Filipe narra drama após ser diagnosticado com uma hepatite grave e precisar de novo fígado - Foto: Edilson Omena

No povoado de Tuquanduba, no município de Marechal Deodoro, no litoral Norte alagoano, reside a esperança de receber um fígado. Essa esperança atende pelo nome de Jackson Filipe da Silva Santos, 32 anos de idade. Servidor público estadual, o rapaz trabalha em uma escola daquele município. Ele é um dos quatro alagoanos que espera na fila por um transplante de fígado.

As pessoas que esperam pela córnea aguardam, em média, 15 meses na fila. A esperança de recebe um fígado soma 10 meses, aproximadamente. Ter a vida ligada a um fio de esperança de receber um rim pode custar longos 82 meses ou praticamente sete anos.

“Há cinco anos venho tratando uma hepatite autoimune. O diagnóstico veio como um choque. Até então, naquele momento eu desconhecia sobre o assunto. Nunca tinha ouvido falar. E claro, eu tinha esperança de ficar curado. Foram 23 dias de internação até eu receber o diagnóstico completo”, recordou o paciente que faz acompanhamento com hepatologista no Hospital Universitário.

Segundo Jackson Filipe, em maio do ano passado, ao realizar alguns exames de rotina foi, mais uma vez, surpreendido pela doença que evoluiu para um quadro de ascite [acumulo de líquido dentro do abdômen geralmente decorrente do quadro de hipertensão podendo ou não estar relacionado à cirrose hepática, além de outras doenças cardíacas ou renais], junto com cirrose hepática.

“Desde aquele momento, os médicos me falaram sobre a possibilidade de fazer o transplante de fígado. No entanto, a doença foi controlada com as medicações. Porém, no último mês de abril, aos refazer os exames, não teve outro jeito, passei a integrar a fila do transplante, desde o dia 10 de junho”, lembrou, emocionado.

De lá para cá, Jackson Filipe segue sob as orientações médicas tomando as medicações. O rapaz passa por dias difíceis, enfrentando sintomas de indisposição, fraqueza e falta de apetite. Nesses momentos, recorre ao apoio médico e psicológico da equipe que o acompanha.

“Quem precisa de um órgão para continuar vivendo já passa a conhecer um sentimento de gratidão pelo doador antes mesmo de a doação se concretizar. É um gesto nobre. No pior momento de dor para a família, doar um órgão do seu parente tão amado que se foi é dar uma oportunidade para outra pessoa seguir a vida. Realizar sonhos”, discorreu.

Na avaliação de Jackson Filipe, a sociedade precisa falar mais sobre o assunto para não julgar, não associar cirrose hepática ao alcoolismo.

A realização de transplantes precisa de profissionais capacitados e de conscientização da sociedade (Foto: Ascom Sesau)

Hospital do Coração está habilitado por Ministério para transplantes

O Hospital do Coração está habilitado pelo Ministério da Saúde a realizar transplantes no Estado e os profissionais estão sendo contratados para realizar os procedimentos, o que deve ocorrer em breve. Entretanto, a Santa Casa, o Hospital Vida e o Chama continuam habilitados para realizar estes procedimentos.

Para que um transplante seja realizado, a Central de Transplantes explicou que o primeiro passo é obter a autorização dos familiares para a doação de órgãos. Em seguida, é necessário que haja a compatibilidade entre o órgão doado e os pacientes receptores. Havendo o preenchimento destes dois pré-requisitos, o transplante é autorizado, desde que o paciente que irá receber o novo órgão esteja em boas condições de saúde.

O índice de famílias alagoanas que não autorizaram a doação de órgãos dos parentes que estavam em morte cerebral foi de 57% em 2023, conforme apontam dados da Central de Transplante de Alagoas.

A coordenadora da Central de Transplante de Alagoas, Daniela Ramos, explicou que boa parte da taxa de recusa ocorre por motivos e tabus sociais e da falta de conscientização sobre a morte encefálica, que é um processo irreversível. Ela contou que a recusa acontece pelo desconhecimento da causa e da vontade do doador ainda em vida.

“Há também o fato de algumas famílias terem medo de que o corpo seja modificado e deformado. Mas é preciso ressaltar que se trata de uma cirurgia eletiva como outra qualquer. Há também uma Lei que garante a recomposição do corpo para que seja entregue aos familiares visando realizar o sepultamento. Questões religiosas também são causas das recusas, embora nenhuma religião oficialmente seja contra doação de órgãos”, salientou Daniela Ramos.

A coordenadora da Central de Transplantes de Alagoas, Daniela Ramos, frisou que a doação de órgãos do potencial doador, juridicamente, só pode ser autorizada pela família.

“O primeiro passo para se tornar um doador é a decisão de continuar salvando vidas, mesmo após a morte, e de conscientizar seus familiares da sua escolha,”, acrescentou.

Família tem que autorizar procedimento

Somente quando a família autoriza a doação é dada a largada para um processo que necessita da agilidade dos profissionais. Quando os órgãos são captados, é preciso correr contra o tempo para que cheguem ao receptor. Isso porque, cada órgão tem um tempo de validade. O coração, por exemplo, tem quatro horas, o fígado oito horas, os rins 24 horas e a córnea dura um pouco mais, 15 dias.

“Com a autorização precisamos colher a sorologia do doador para saber se há alguma contra indicação, a tipagem sanguínea, o HLA para ver qual o receptor que irá receber o órgão doado. Também é analisado o RT-PCR para indicar se há Covid-19, pois é contra indicado para transplantes. Após resultados positivos de todos os exames, o órgão é inserido no sistema que determina, seguindo os critérios estabelecidos, qual será o receptor compatível”, esclareceu a coordenadora da Central de Transplante, Daniela Ramos.

A coordenadora salientou que, só após o diagnóstico de morte encefálica, prescrito na resolução 2.173, expedida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em 2017, os médicos procuram a família e pedem a autorização para a doação dos órgãos.

“Nós possuímos uma equipe especializada, a Organização de Procura de Órgãos, que faz esse trabalho, e acolhe a família durante todo o processo. Mas, precisamos ressaltar que a doação de órgãos ocorre quando há confirmação de morte encefálica e a confirmação precisa seguir alguns procedimentos, que é realizado em três etapas”, explicou.

Daniela Ramos, coordenadora da Central de Transplantes (Foto: Ascom Sesau)

Alagoas aumenta em 100% número de doações de órgãos

A súplica de Jackson Filipe pode encontrar resposta nos números que o Estado vem somando em relação às doações de órgãos. Alagoas aumentou em 100% o número de doações de órgãos nos seis primeiros meses deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. De janeiro a junho de 2024, foram 10 doações de múltiplos órgãos, enquanto que de janeiro a junho de 2023 foram cinco doações. Os números foram fornecidos pela Central de Transplante de Alagoas, instituição vinculada à Secretaria de Estado da Saúde (Sesau).

Apesar de o número de doações ter sido duplicado, a fila de espera no Estado é de quase 600 pessoas aguardando, com fé e esperança, pela atitude altruísta dos familiares das pessoas que tiveram o diagnóstico de morte encefálica confirmado, seguindo todos os rígidos protocolos que a situação requer. São exatamente 536 vidas na fila do transplante à espera por algum órgão. Do total, 502 pessoas esperam por córneas, 30 pelo rim e as outras quatro pelo fígado.

Nos seis primeiros meses deste ano, foram realizados 29 transplantes de córneas, três de fígado e outros três de rim. No primeiro semestre do ano passado foram realizados 27 transplantes de córnea e quatro de fígado. Em todo o ano passado, foram feitos 86 transplantes de córneas, sete de fígado e três de rim.
O índice de famílias alagoanas que não autorizaram a doação de órgãos dos parentes que estavam em morte cerebral foi de 57% em 2023.