Saúde

Com sequelas da poliomielite, alagoanas defendem vacinação

Queda da cobertura vacinal tem provocado reintrodução de doenças erradicadas no país e causado preocupação em especialistas

Por Evellyn Pimentel 01/10/2022 09h48 - Atualizado em 02/10/2022 11h12
Com sequelas da poliomielite, alagoanas defendem vacinação
Adriana desenvolveu limitações que a obrigaram a usar muletas na infância e cadeira de rodas na vida adulta - Foto: Adailson Calheiros

Com apenas onze meses de idade, a professora Adriana Correia teve poliomielite que a deixou com sequelas até hoje. Ela conta que era década de 1970 e pouco se sabia sobre a doença e ela não havia sido vacinada. Os sintomas iniciais de dor e febre evoluíram para a paralisia de membros. Atualmente, a cobertura vacinal no estado é de apenas 72% quando o ideal seria 95% o que chama a atenção e reforça a necessidade de alertar sobre a importância da vacinação como forma de salvar vidas e evitar sequelas.

Alta cobertura de vacinação contra Pólio pode evitar reintrodução da doença  (Foto: Edilson Omena)


“Minha mãe conta que nessa época eu já andava. Mas no início da década de 70 a criança não podia tomar vacina se estivesse gripada, tendo febre. Foi o que aconteceu comigo, não pude tomar vacina porque estava doente. Depois o médico que começou a me atender disse a minha mãe que já eram os sintomas da paralisia”, detalha a professora.

Adriana desenvolveu algumas limitações que a obrigaram a usar aparelhos e muletas para a locomoção durante toda a infância até a vida adulta. Ela afirma que sempre teve uma vida independente, mas que a família sempre a apoiou e investiu nos estudos.

“Minha mãe apesar de severa sempre lutou para que eu estudasse, tanto que terminei os estudos com a idade ideal. Com dezoito anos já estava na faculdade. Então assim para minha mãe, a educação vinha primeiro em vários momentos. Assim, quando eu era criança, adolescente que o meu aparelho quebrou ou então a minha muleta quebrava, mas a minha mãe não me deixava faltar a escola, ela não deixava de jeito nenhum, ela tirava de onde não tinha dinheiro, deixava de fazer outra coisa, chamava um táxi e me levava pra escola. Nunca me deixou sem estudar e eu agradeço muito por isso porque tudo que eu tenho hoje assim que eu conquistei independência tudo foi devido a minha educação. Educação que a minha mãe me proporcionou. Então eu nunca deixei de estudar. Eu fiz faculdade, fiz pós, fiz mestrado”, conta.

Foi aos 30 anos que Adriana passou a utilizar cadeira de rodas após uma fratura. Neste período, Adriana estava grávida e optou em não realizar o procedimento para evitar complicações para a gestação.

“Então, quando eu fiquei grávida, tive algumas complicações, uma ameaça de aborto. E aí teve um dia que eu caí em casa e terminei quebrando a perna direita que era a perna que eu me apoiava para andar e passei a usar a cadeira de rodas porque precisava fazer uma cirurgia na perna e eu não quis fazer, preferi ficar com a perna imobilizada durante toda a gravidez pela ameaça de aborto que eu tive. Então acabei não conseguindo curtir a gravidez no sentido de decorar quarto, comprar enxoval, tive pessoas que fizeram isso para mim. Depois que eu tive meu filho, voltei a fazer fisioterapia, mas o medo continuou, foi aumentando e acabei não realizando”, detalha.

“Sou completamente a favor das vacinas; elas salvam vidas”

A professora considera as vacinas como uma ferramenta indispensável para a saúde das crianças. Ela conta que vacinou os filhos com as imunizações rotina e outras extras tamanha a importância que dá ao assunto.

“Eu acho importantíssimo essa questão de vacinas justamente por tudo isso que a pessoa enfrenta, as sequelas, os preconceitos, as dificuldades. Quando meu filho nasceu, eu fiz questão de vacinar com todas as vacinas que o SUS [Sistema Único de Saúde] dá direito e as que não são também para proteger contra os vírus, doenças, que podem causar doenças. Sou completamente a favor das vacinas. Porque mesmo que a doença não mate, pode provocar um dano, uma sequela para o resto da vida da criança. É importante que os pais se atentem para isso, para a importância de vacinar seus filhos, de proteger, porque a gente quer que eles tenham saúde, cuidar dele, que ele cresça saudável”, argumenta.

Para ela, o ato de vacinar o filho é uma demonstração de cuidado e preocupação com o futuro. “Já são tantas outras questões que as pessoas não conseguem ter acesso. E uma criança que é acometida com o vírus da pólio precisa fazer tratamento, se não atrofia, se não perde movimentos. É muito mais simples e prático que as pessoas vacinem seus filhos porque essas doenças vão requerer tratamentos próteses que acabam custando muito mais caro”, enfatiza.

PARALISIA TOTAL


Regina Célia teve paralisia com seis meses de idade. A paralisia afetou todo o corpo dela.

“Eu fiquei totalmente paralítica. Com as fisioterapias e a ajuda médica fui me recuperando aos poucos e ao fim de tudo, perdi as forças da perna esquerda, eu me movimento, mas não tenho forças. Mas os demais membros, a cabeça, estão normais. Eu só não tenho força na perna esquerda e, devido a forçar muito o outro lado, precisei fazer uma cirurgia no pé direito para corrigir”, detalha.

Para ela a vacina salva vidas. “Pra mim é muito importante, pois ajuda as crianças a não ter a paralisia infantil, conhecida como poliomielite, que foi o que aconteceu comigo”, expõe Regina Célia.

Cobertura vacinal está em queda em Alagoas

Segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), a cobertura vacinal vem caindo ano a ano. Vacinas que protegem de doenças como a meningite viral, sarampo e poliomielite não alcançam a meta de cobertura.

O panorama da cobertura vacinal conta a meningite em menor de 1 ano foi de 75,8% em 2021, enquanto o recomendado era 95%. Já contra o sarampo, a cobertura da vacina tríplice viral, passou de 105% em 2019 para 75,65% em 2021.

O cenário para a prevenção contra a poliomielite é ainda mais grave, apenas 72% das crianças foram imunizadas. Segundo a Organização Pan-americana de Saúde (Opas), o Brasil está entre os 12 países com alto risco de surto de poliomielite, também conhecida como paralisia infantil e que teve seu último caso registrado no Brasil em 1989. Segundo a entidade, a cobertura vacinal caiu abaixo de 80% em quase toda a América do Sul, e a pólio pode se espalhar rapidamente entre comunidades com cobertura vacinal insuficiente.

Em Maceió, a cobertura vacinal até agosto deste ano de tríplice viral é de 70%. Em relação a meningocócica que protege contra a meningite o percentual é 62%. Já contra a poliomielite a cobertura acumulada é de 76%.

Por que a imunização segue caindo em todo o país?

Na avaliação da enfermeira da Gerência de Imunização da Secretaria Municipal de Saúde, Camila Peixoto, diversos fatores têm contribuído para a baixa cobertura de imunização no país. Os principais são a disseminação de notícias falsas e, curiosamente, os resultados obtidos com o Programa Nacional de Imunização (PNI). Isto é, como durante muito tempo não houve registro de alguns tipos de doença, se criou uma falsa sensação de que não haveria circulação do vírus. Entretanto, ela ressalta que esse comportamento acabou gerando a reintrodução do Sarampo por exemplo.

“A queda das coberturas vacinais pode ser explicada, entre outros fatores, pelo fato de as pessoas não terem mais convívio com certas doenças que foram erradicadas devido a vacinação. Isso cria uma falsa sensação de segurança e acaba acontecendo a reintrodução do Sarampo entre 2017 e 2018 e acaba que o Brasil está com um surto, e os órgãos consideram que um país está livre de surto se não registras casos num intervalo de tempo de 90 dias, e desde então o país não conseguiu passar por isso, continua registrando casos”, destaca.

Segundo Camila, existe um risco atual de reintrodução da Poliomielite no país, o vírus causa a paralisia infantil. “A gente continua nessa luta para que outras doenças não retornem, temos agora o alto risco de reintrodução da Pólio, por isso foi lançada a campanha agora pelo Ministério da Saúde, junto com a campanha da Influenza para conseguir subir essa cobertura”.

Outro fator, segundo a enfermeira é a disseminação de notícias falsas sobre eficácia de vacinas e falsos riscos de imunização.

“Sabemos que as fake news são outro fator muito forte e que vem influenciando a cobertura vacinal. E isso é muito triste porque o Programa Nacional de Imunização é algo consolidado e tão positivo há tanto tempo, referência internacionalmente, é um dos mais completos do mundo do ponto de vista de oferta de imunizantes. Nosso calendário é um dos mais completos e a gente acaba vendo que a população chega nesse momento de insegurança, que não existe, mesmo com tantos chamamentos, informando, explicando, ainda existem as pessoas que resistem, que não vão devido a notícias falsas que circulam e deixam a população em polvorosa”, detalha.

Atualmente, o Ministério da Saúde liberou a vacinação de rotina concomitante à vacina da Covid-19.

“Tivemos um impacto nas coberturas também devido a vacinação de Covid-19 que exigia um tempo entre uma imunização e outra, mas hoje o Ministério da Saúde já tem o entendimento de que não há prejuízos e que a vacina da Covid-19 pode ser administrada com as demais vacinas do calendário nacional e isso é positivo porque muita gente acabava não se vacinando devido a necessidade de intervalos”, diz.