Saúde

Novo código de ética médico abre brecha para consultas a distância

Retirada de artigo não libera automaticamente o atendimento online, porque texto manteve parte que estabelece a necessidade de regulamentação própria para a atividade

Por Zero Hora 24/04/2019 09h28
Novo código de ética médico abre brecha para consultas a distância
Reprodução - Foto: Assessoria
Responsável por regular a conduta de médicos, a nova versão do Código de Ética desses profissionais retirou um artigo que vedava ao médico "consultar, diagnosticar ou prescrever por qualquer meio de comunicação de massa", como a internet. A retirada do trecho, no entanto, não libera automaticamente as consultas online, porque o código manteve outro artigo que estabelece que o atendimento médico a distância obedecerá regulamentação própria do Conselho Federal de Medicina (CFM). De qualquer forma, isso pode ter aberto espaço para ampliação da telemedicina, tema que virou alvo de polêmica no país e de uma consulta pública. O trecho citado constava da última versão do documento, de 2009. A nova versão do código está prevista para passar a valer em 30 de abril. O conselheiro José Fernando Vinagre, que coordenou o processo de revisão do código, disse à reportagem que a retirada do artigo ocorreu devido às possibilidades atuais de que esse tipo de consulta seja realizada. — Já temos uma resolução que regulamenta a telemedicina, e está em consulta pública uma mudança dessa resolução. Ela está sendo elaborada para se adaptar à movimentação mais moderna da telemedicina — afirma. O tema virou alvo de polêmica entre médicos desde fevereiro, quando o CFM apresentou uma resolução que passava a permitir consultas, diagnósticos e cirurgias a distância. O texto, que chegou a ser publicado no Diário Oficial da União, previa a possibilidade de consultas pela internet após o primeiro atendimento presencial ou em casos de áreas remotas. No entanto, críticas de conselhos regionais de medicina sobre a definição de quais seriam essas áreas, além do temor de banalizar as consultas online e afastar médicos e pacientes acabaram fazendo com que a norma fosse revogada. Agora, o conselho diz que está coletando sugestões para que uma nova versão possa ser elaborada. Ainda não há previsão de quando o novo texto será apresentado, mas membros do conselho já admitem deixá-lo para o próximo ano. — Precisamos trabalhar a resolução de tal forma que respeite a lei. O médico pode usar um aplicativo para fazer acompanhamento do paciente, mas nunca deixar a consulta presencial. Todo o zelo que estamos tendo é para que a relação entre médico e paciente seja preservada — afirma o conselheiro Emmanuel Fortes. Outras alterações no código Prontuário na Justiça Além da brecha para ampliação da telemedicina, a nova versão do código traz outras mudanças. Entre elas, está trecho que autoriza o médico, quando houver autorização da Justiça, a encaminhar cópias do prontuário diretamente ao juiz que fez o pedido, sem autorização do paciente. Uma versão anterior do código já estabelecia a entrega, mas previa consentimento do paciente. De acordo com o CFM, a mudança ocorre devido a um impasse em ações judiciais para acesso ao documento, que contém o registro do atendimento e medicamentos ministrados ao paciente. — Sempre nos posicionamos contrários à entrega desse documento a delegados, promotores e juízes, porque isso invadiria a privacidade e o sigilo do paciente. O que se preconizava anteriormente era que o juiz nomeasse um perito ao local que fizesse a análise de prontuário, mas houve uma decisão judicial que nos impôs a necessidade de entrega do prontuário ao juiz — diz Vinagre. A decisão ocorreu há cerca de dois anos e levou o conselho a emitir uma nota técnica sobre o tema aos conselhos regionais de medicina. — A partir daí, já passamos a entregar o prontuário ao juiz — afirma. Agora, a situação passa a ser incorporada também no código para evitar dúvidas. Pesquisa e acesso a prontuários O novo código inclui ainda algumas mudanças na parte de pesquisa. Uma delas é a permissão do acesso dos médicos a prontuários em estudos retrospectivos, desde que com autorização de comissão de ética do hospital. Também cria normas de proteção a participantes vulneráveis em pesquisas, como crianças, adolescentes e pessoas com doenças mentais. Neste caso, além da concordância do representante legal, a pesquisa passa a exigir que haja consentimento expresso do próprio participante, na medida da sua compreensão. Uso de placebos O documento também mantém o veto ao uso de placebos de forma isolada, mas abre espaço para uso combinado com outros medicamentos – como em teste de novas drogas em grupos de controle, em que um grupo recebe o novo medicamento, e o outro, placebo com medicamentos atuais. Uso de mídias sociais O documento ainda incluiu artigo que diz que médicos devem respeitar normas específicas do conselho ao usar mídias sociais. Segundo Vinagre, a inclusão ocorre diante do aumento do uso dessas ferramentas, o que tem levado o conselho a atualizar com maior frequência as normas para divulgação do trabalho nessas plataformas nos últimos anos: — Deixamos para que seja regulada em resolução porque hoje isso é muito dinâmico. Já se tem a possibilidade de chamar um atendimento por aplicativo igual se usa para chamar um carro. O documento passou por três anos de discussão. Apesar das mudanças, alguns pontos, como o sigilo do atendimento e a necessidade de respeitar a vontade do paciente, permanecem como pilares do código. Consciência do médico O texto mantém ainda o direito de o médico não realizar atendimentos que contrariem sua consciência – situação que gera debates frequentes em casos de aborto autorizados por lei, por exemplo. A exceção continua para situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando a recusa possa trazer danos ao paciente.