Saúde
Chega a Alagoas droga revolucionária cubana para evitar amputações
Estado é um dos campeões em mutilações de membros por causa de pé diabético e úlceras varicosas; testes já começaram e terão 42 pacientes voluntários; Tribuna Independente revela, com exclusividade, como se dará processo coordenado pela Fiocruz
Era o último fim de semana de julho de 2016 quando, na ocasião, a Tribuna Independente trazia à baila a seus leitores uma estatística preocupante em Alagoas. A notícia ruim dava conta à época de que, segundo dados colhidos pelo DataSus em 2010, o Estado realizara cerca de mil cirurgias mutiladoras (amputações) anuais, o que tornava o Alagoas o campeão no Brasil neste tipo de estatística. A causa maior desta tragédia? As feridas geradas por pé diabético e úlceras varicosas.
Ouvido à época pela Tribuna, o angiologista e cirurgião vascular Guilherme Pitta — que coordena uma equipe multidisciplinar há mais de ano com pesquisas sobre pé diabético — disse que tal número de amputações representava mais de 1% da população com lesões causadas pelo pé diabético e 0,3% com as úlceras varicosas, também tendo por base os dados do DataSUS. “Isso pode parecer pouco em termos percentuais, mas é uma tragédia”, afirmou o médico, na ocasião.
Em contato com a Tribuna esta semana, Pitta atualizou a triste estatística. “Pelos dados mais recentes do DataSUS, em 2015, Alagoas, Piauí e Sergipe lideram esse ranking dos que mais amputam per capita. Noventa por cento das amputações maiores e menores são decorrentes do diabetes”, completa o médico.
Passados pouco mais de dois anos daquela reportagem, eis que surge uma luz no fim do túnel para diminuir a triste estatística de amputações. Pitta revelou esta semana, com exclusividade à Tribuna, que Alagoas — e mais alguns poucos Estados — já estão em testes com um fármaco (droga) produzido e desenvolvido em Cuba, cujo antídoto, se tudo der certo, promete diminuir sensivelmente as úlceras que geram os males dos pés diabéticos e, consequentemente, a necessidade de amputação.
“O tratamento é revolucionário e já foi adotado por mais 20 países, mas, por exigência da Anvisa {Agência Nacional de Vigilância Sanitária}, precisa ser melhor testado no Brasil”, ressalta Pitta.
O nome do medicamento revolucionário para o tratamento é o “Fator de Crescimento Epidérmico Recombinante Humano”.
Envolvidos na pesquisa do pé diabético em Alagoas está uma equipe multidisciplinar liderada por Pitta, nutricionistas, fisioterapeutas, enfermeiros e 42 pacientes diabéticos que serão selecionados com úlceras nos pés que são coordenados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vinculada ao Ministério da Saúde, a mais destacada instituição de ciência e tecnologia em saúde da América Latina.
“Em Cuba os testes foram muito bons e eficazes, mas a Anvisa considera o número de pacientes que se submeteram aos testes insuficientes para creditar e certificar que o fármaco tenha eficácia”, informou a enfermeira Simone Barros, uma das que participam das pesquisas pelo Hospital Universitário.
“Ele ainda não tem nome comercial porque só deverá tê-lo após a aprovação da Anvisa depois de todos os testes”, completa a enfermeira.
A droga é patenteada pelo Centro de Imunogenética de Cuba.
Por enquanto, prevenção ainda é o melhor remédio
As úlceras varicosas, em sua grande maioria, surgem como consequência do agravamento de moléstias vasculares venosas. Podem iniciar de forma espontânea, desencadeadas por picadas de insetos, apresentando pruridos. Surgem então pequenas lesões, principalmente nas regiões próximas ao tornozelo, que se agravam gerando úlceras que frequentemente cronificam pela falta de cuidados. O seu tratamento, mesmo quando realizado de modo adequado, costuma ser prolongado e requer acompanhamento médico, curativos diários, dieta saudável e muito repouso.
De acordo com o médico Guilherme Pitta, uma das principais causas para o aumento dessas estatísticas é a falta de prevenção da doença.
“O estilo de vida desfavorável com dieta inadequada, sedentarismo, obesidade, tabagismo, entre outros fatores, assumem um importante papel no desenvolvimento da doença”, informa.
Em relação ao comprometimento dos pés - alerta Pitta - é preciso dar atenção a determinados sintomas, o que pode significar um importante passo no diagnóstico precoce desta desastrosa complicação. Entre os sintomas estão a sensação de formigamento, choques ou anestesia nos pés, condições que podem indicar um nível significativo de comprometimento dos nervos periféricos, sendo esta o principal fator de risco do pé diabético.
Uma das principais consequências desta enfermidade, o pé diabético, é que pode levar a um grave comprometimento do membro, podendo chegar até a amputação. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada minuto, três pessoas são amputadas no mundo em decorrência da doença.
O pé diabético ocorre devido à ação destrutiva do excesso de glicose (açúcar) no sangue. Essas alterações predispõem o surgimento de feridas, retardo no processo de cicatrização, deformidades no pé e o desenvolvimento de infecção com bactérias agressivas. Nestas situações, a pessoa pode se dar conta do problema, contudo, já se depara diante de um estágio bem avançado, requerendo uma atuação médica mais agressiva.
ÚLCERAS
Segundo a OMS, o risco de amputação no cenário do pé diabético aumenta de 15 a 40 vezes. Da população das pessoas com diabetes, pelo menos 25% delas apresentarão sérios problemas funcionais. O percentual de úlceras diabéticas chega a 15%. A simples presença da ferida, dobra a chance de óbito dentro de 10 anos e a amputação maior, acima do tornozelo, em pacientes complexos, leva ao óbito em cinco anos, em quase 75% dos casos. O fato é que morre-se mais gente de complicações do pé diabético, do que de câncer de mama, câncer de próstata, câncer de cólon, linfoma e Aids.
Especialistas informam sobre critérios
Segundo Ana Amâncio, fisioterapeuta e uma das integrantes do grupo multidisciplinar, “além de Alagoas, são mais 11 centros no Brasil para testar essa nova droga”.
“No Brasil serão 300 pacientes. Já em Alagoas, selecionamos um que se enquadrou nos critérios, mas teremos mais quarenta e um voluntários”, completa Ana.
A fisioterapeuta diz que os critérios para ser voluntário aos testes são: ter mais de 18 até 60 anos e que tenham úlcera de pé diabético, com diabetes mellitus tipo 2 por pelo menos seis meses
“O objetivo do estudo é avaliar a eficácia por oito semanas e depois de dez a doze meses acompanhar, monitorar e vê se ela cicatrizará os pés desses pacientes”, informa Ana.
MÉTODO
O fármaco (Fator de Crescimento Epidérmico Recombinante Humano) é injetado no pé e na ferida do paciente através da aplicação venosa e, a partir daí, o paciente é acompanhado por oito semanas de tratamento até o fim do estudo que durará 18 meses.
“Estamos muito esperançosos que este remédio surta o mesmo efeito aqui em Alagoas como ocorreram nos pacientes dos outros países”, destaca Ana.
Reportagem adiantou projeto pioneiro há dois anos
Intitulada “O Universo dos Sem Pedaços”, a reportagem dos dias 30 e 31 de julho de 2016 informava ao leitores da Tribuna Independente o belo projeto da estudante de enfermagem do Cesmac Poliana de Barros. Seu ofício é tratar de feridas (ou lesões), como normalmente ela chama. Algumas que, qualquer leigo menos familiarizado com a enfermagem — e que a olho nu se depare com aquelas ‘crateras’ que enfeiam o corpo humano —, diria que ali não há remédio. O caso é (seria) irreversível. Para ela, não. Tudo tem tratamento.
Para se ter uma ideia do problema, a Tribuna revelou até casos de pessoas que eram portadoras de feridas com mais de 40 anos e que tinham vergonha de sair de casa. As principais causas dessas feridas? Pé diabético e úlceras varicosas.
Na reportagem, a Tribuna revelou ainda que Poliana criara e mantinha um projeto de inclusão social para ajudar a tratar as lesões de pessoas que não têm condições de pagar uma consulta e muito menos de tratar os ferimentos no corpo e na pele com os curativos necessários para a cicatrização. A grande maioria dos pacientes mora na periferia de Maceió e até no interior do Estado.
Os pacientes que têm condições de pagar e uma parceria com uma clínica garantem a manutenção do programa.
A matéria e sua repercussão renderam à Tribuna Independente a melhor reportagem no jornalismo impresso do Prêmio Braskem de 2016.
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