Política

Defensor denuncia complô para prejudicar vítimas da Braskem

Com relatório internacional, ele quer mostrar risco geológico e também o que população está sofrendo

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / Tribuna Independente 21/10/2025 08h04
Defensor denuncia complô para prejudicar vítimas da Braskem
Defensor Ricardo Melro diz que vai juntar documentos e rebater os argumentos da dupla Braskem e União que prejudicam vítimas - Foto: Edilson Omena

O defensor público estadual Ricardo Melro usou as mídias sociais, no último final de semana, para denunciar um complô entre a União e a Braskem, com o objetivo de prejudicar as vítimas do afundamento do solo em Maceió, principalmente os moradores dos Flexais, na tramitação das ações que tramitam na Justiça Federal, em Alagoas.

Questionado pela reportagem da Tribuna Independente sobre a postagem dizendo que a União se juntou com a Braskem contra a realocação dos moradores dos Flexais; se, no caso, quem estaria representando a União, ele respondeu:

“A AGU. Advocacia da União. Equivale a procurador do estado, só que no governo federal. A União está no processo porque o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) participaram do acordo e eles são órgãos federais”.

Na postagem, o defensor reafirma que estão sendo realizados trâmites judiciais para impedir a realocação dos moradores dos Flexais, área afetada pelo afundamento do solo em Maceió. Segundo ele, a Braskem, junto à União, busca encerrar esse processo antes que seja julgado na primeira instância.

Melro afirmou que o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) já havia reconhecido que a parte do processo relacionada à realocação dos moradores deve permanecer no 1º grau, que garante a produção completa de provas, mas que a União recorreu tentando barrar o andamento da ação.

“Vamos rebater os argumentos da dupla Braskem e União, juntando inclusive o relatório internacional, demonstrando o risco geológico concreto, o risco que a população está sofrendo”, destacou Melro.

No vídeo, o defensor lembrou que, em uma reunião na Defensoria Pública do Estado (DPE), a ex-secretária adjunta de Projetos e Ações Prioritárias de Maceió, Gardênia Nascimento, reconheceu que não há possibilidade de requalificação nos Flexais, sendo a realocação dos moradores a medida prioritária.

De acordo com Gardênia, é necessário revisar a opção pela requalificação com os novos dados técnicos. Um laudo técnico da DPE, realizado neste ano e assinado por especialistas no assunto, mostrou falhas na metodologia utilizada pela Defesa Civil Municipal, reforçando a manutenção do atual mapa de risco.

Segundo os especialistas, o impacto causado pelo afundamento solo, provocado pela mineração predatória da Braskem, vai da região dos Flexais, passando por Bebedouro e Mutange, indo em direção ao Bom Parto, pegando parte da Lagoa Mundaú, até o bairro da Levada, onde fica o Mercado da Produção.

Na ação movida pelo DPE, o defensor Ricardo Melro defende a atualização do mapa de risco traçado pela Defesa Civil de Maceió, com base nos estudos feitos pelos especialistas, além da realocação dos moradores dessa região, com indenizações e pagamentos justos dos danos morais.

Gardênia Nascimento admitiu que não há possibilidade de requalificação nos Flexais de Cima e de Baixo (Foto: Reprodução)

Consultora do acordo da Braskem defende realocação nos Flexais

Em depoimento à Defensoria Pública do Estado (DPE), na presença do defensor Ricardo Melro, a ex-secretária adjunta de projetos e ações prioritárias de Maceió, Gardênia Nascimento, fez autocritica da sua posição com relação ao acordo celebrado com a Braskem e admitiu que não há possibilidade de requalificação nos Flexais, como defende a empresa Diagonal, contratada pela mineradora.

De acordo com o depoimento de Gardênia, “a requalificação mostrou-se insuficiente e questionável, sendo a alternativa viável a realocação dos moradores”. Segundo ela, “além de envolver um grande investimento, a medida não supriria o medo e a insegurança que afligem a comunidade dos Flexais, que sofre com o isolamento social”.

Em relatórios emitidos tanto pelo Ministério Público Federal (MPF) quanto pela empresa Diagonal, as pesquisas indicavam que cerca de 76% da população dos Flexais gostaria de sair do local. Dessa forma, a realocação surge como medida prioritária, devendo-se considerar a solução híbrida, ou seja, deslocamento para quem deseja sair e permanência apenas para quem deseja expressamente ficar.

“A discussão levou a concluir que não se pode falar em requalificação de uma área que claramente apresenta risco”, afirmou Gardênia, em seu depoimento à Defensoria. Nele, ela afirma ainda que “a realocação surge como medida prioritária, devendo-se considerar a solução híbrida e a vontade expressa das vítimas”.

AVAL DA EMPRESA

O Projeto de Requalificação dos Flexais foi criado a partir do Termo de Acordo assinado pelo Município de Maceió, Ministério Público Federal, Ministério Público do Estado de Alagoas, Defensoria Pública da União e Braskem.

O acordo, homologado em 26 de outubro de 2022, prevê medidas socioeconômicas para tentar reverter a situação de ilhamento da região, pagamento de indenização para famílias, comerciantes e empresários e, ainda, transferência de verba ao Município para a realização de ações adicionais.

As autoridades signatárias do Termo de Acordo e especialistas realizaram, desde 2021, visitas técnicas nos Flexais, reuniões, pesquisas e entrevistas com moradores da região, reuniões com autoridades e audiências públicas. A partir deste diálogo, foi identificada a necessidade de realizar as ações do Projeto Flexais.

No entanto, apesar das obras já realizadas e entregues - a exemplo da Unidade de Saúde Básica - a maioria dos moradores exigem a realocação. No bairro, há várias faixas e pichações com essa reivindicação: “Realocação Já”.

Flexais: requalificação mostrou-se insuficiente e questionável (Foto: Edilson Omena)

Atitude deve encorajar outros técnicos da mineradora

Para o defensor Ricardo Melro, a atitude da consultora deve encorajar outros técnicos a reavaliarem o acordo assinado com a Braskem, envolvendo a comunidade dos Flexais.

“A doutora Gardênia foi muito digna em analisar a situação após três anos desse acordo e reconhecer que não foi o caminho adequado, ter optado pela requalificação. Acho que a reavaliação que ela fez agora, defendendo a realocação, ajudará demais na demanda”, destacou Melro.

Segundo ele, Gardênia participou diretamente dessa discussão pelo município de Maceió, cuja prefeitura atuou no acordo como parte. “Essa mulher precisa ser aplaudida. Isso encoraja outros a reavaliarem a realidade dos Flexais após esses anos do acordo”, enfatizou Melro.

“Por isso, falei com ela ontem. Vi que ela estava preocupada com a repercussão dessa ata, mas não tinha como evitar que, cedo ou tarde, esse depoimento dela viesse à tona”, afirmou o defensor, acrescentando: “Tudo relacionado à Braskem tem que ser tratado às claras”.

ATA DO DEPOIMENTO

Na ata, a depoente é qualificada como Maria Gardênia Nascimento Santos, arquiteta urbanista do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), ex-secretária adjunta de projetos e ações prioritárias de Maceió.

Na sala, além da depoente e do defensor Ricardo Melro, a assessora jurídica da DPE Ana Lais Nunes Cavalcante, escrevente da respectiva ata, com data de 1º de setembro de 2025, embora o depoimento dela tenha sido dado em 28 de agosto.

A ata com o depoimento da consultora Gardênia tem sete páginas e passa a ser um documento importante na causa dos moradores dos Flexais. Por ter atuado no acordo da Braskem com a prefeitura e os órgãos envolvidos no Caso Braskem, o depoimento dela pode ser usado na ação que a DPE move na Justiça em defesa dos interesses da comunidade.

De acordo como a própria consultora assinala, em seu depoimento, a maioria das famílias residentes na região quer ser realocada e indenizada pela mineradora.
“O projeto de requalificação mostrou-se insuficiente e questionável, dada a persistência do risco e o medo social e econômico. O isolamento socioeconômico só seria sanado com maiores investimentos em outras ações, além daquelas 23 listadas no projeto, e associado à total eliminação do risco de colapso das minas nos Flexais”, relatou Gardênia, conforme a ata assinada por ela.

“A realocação surge como medida prioritária, devendo-se considerar a solução híbrida e a vontade expressa das vítimas. É urgente a abertura dos dados oficiais (monitoramentos diários e relatórios técnicos) para transparência e pesquisa científica”, acrescentou. Para a consultora, “a questão dos Flexais exige repensar os rumos, com centralidade nas vítimas, direito de participação e consideração integral dos impactos sociais, culturais, econômicos e psicológicos”.