Política

Uso das terras do Grupo João Lyra esbarra na Justiça

Movimentos pela reforma agrária estão sendo despejados apesar de acordo de 2015 com Governo do Estado e Poder Judiciário

Por Emanuelle Vanderlei - colaboradora / Tribuna Independente 04/09/2025 07h45 - Atualizado em 04/09/2025 08h09
Uso das terras do Grupo João Lyra esbarra na Justiça
Trabalhadores sem-terra reivindicam uma solução para reforma agrária nas terras do Grupo João Lyra - Foto: Cortesia

Começou ontem, na Praça da Faculdade em Maceió, mais uma edição da Feira da Reforma Agrária, organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Na abertura, com a presença de lideranças dos movimentos sociais, políticos de esquerda e população em geral, a coordenadora do movimento Debora Nunes chamou atenção para a grave crise que o movimento está passando no Estado.

“Em Alagoas nós temos efetivamente a iminência, possivelmente, da tentativa do maior despejo de famílias acampadas da reforma agrária da nossa história. Nós temos um conjunto de mais de 5 mil famílias que vivem hoje há mais de 10 anos nas terras do grupo João Lyra, seja na usina Lajinha, seja na usina Guaxuma. E essas famílias estão com uma ordem de reintegração de posse, estão com uma ordem de despejo”, disse Débora.

Na avaliação dela, é preciso que haja um esforço de todas as partes para conciliar verdadeiramente a situação. “Isso não pode ser tratado apenas como uma questão dos sem-terra. Isso tem que ser tratado inclusive como uma questão de urgência social. São homens, são mulheres, são crianças, são idosos, são gestantes que estão aí na iminência de serem despejados, inclusive negando o direito de poder viver, ainda que provisoriamente, num barraco de lona, de produzir o seu alimento nessas terras. Então nós precisamos que o Estado brasileiro compreenda e busque, sim, saídas para a família, para o grupo, mas que a saída não pode ser apenas para um lado. A saída precisa ser, sobretudo, atender à necessidade dos mais vulneráveis, dos mais necessitados que são os trabalhadores e as trabalhadoras sem-terra”, disse ela.

A situação dos sem-terra na massa falida do falecido usineiro João Lyra não é nova, mas nesse momento envolve a acusação por parte dos movimentos de que há um acordo sendo quebrado.

O movimento alega que as usinas Laginha, Guaxuma e Uruba foram ocupadas por eles em 2014, mas que em 2016 foi feito um acordo intermediado pelo Tribunal de Justiça de Alagoas, os movimentos sociais, administradores da massa e governo do Estado.

Margarida da Silva, da direção nacional do MST, relata o que teria acontecido à época. “Nós desocuparíamos a Uruba e eles passariam parte das terras da usina Guaxuma, e toda a Laginha seria dos movimentos sociais para assentar as famílias que estão lá acampadas. Esse foi o acordo, até então, tinha essas tratativas, Governo do Estado, Iteral, encontros de conta, mas o que acontece? Nesses últimos dois anos, nós já fomos surpreendidos com algumas notificações de reintegração de posse. Só que como existia um acordo, não conseguiram avançar com essa questão. Há 15 dias, todos os acampamentos onde estão os oito movimentos que lutam pela reforma agrária na região de União dos Palmares, Branquinha e Murici, receberam notificação de reintegração de posse. Então, nós estamos com despejo eminente de quase cinco mil famílias acampadas dos movimentos que lutam pela terra e pela reforma agrária”, relatou.

Segundo Margarida, há uma tentativa de negociar via Governo Federal, através do Ministério de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), para oficializar a aquisição das terras pelos movimentos que lá atuam há mais de dez anos, mas na prática o que se tem é a perspectiva de despejo.

Em um mandado de desocupação recebido pelos movimentos no dia 18 de agosto e apresentado à nossa reportagem, a decisão prevê inclusive uso de força, caso as famílias não saiam no prazo de 30 dias. “AUTORIZAMOS o uso de força policial caso não haja desocupação voluntária, bem como a remoção de benfeitorias e equipamentos instalados na área”, diz a decisão.

Em contato com nossa reportagem, a Comissão de Juízes responsáveis pelo processo enviou uma nota de esclarecimento sobre o processo. Eles negam que tenha acontecido acordo.

“Não há acordo entre a Massa Falida e os Movimentos Sociais que ocupam as terras. Foi celebrado um termo de transação condicionada em 2015, sob a presidência do Desembargador Tutmés, mas os termos da transação não foram cumpridos pelos movimentos e por isso houve a perda dos efeitos”, diz a nota. Na avaliação dos magistrados, ainda não nota, esse acordo não seria possível dentro da legalidade. “A rigor, o acordo que eles apontam viola a Lei 11.101, que proíbe doação de bem pertencente à massa falida. Com isso e considerando que, a despeito de reuniões realizadas com o Incra e com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, ainda não foi apresentada proposta de indenização para assentamento pela União Federal, determinamos a desocupação de todas as áreas invadidas”.

Explicando o trâmite legal, a nota dos juízes repassa ao Governo Federal a responsabilidade. “Pela Constituição Federal, compete à União, por meio do Incra, promover o assentamento dessas famílias. A rigor, o Incra desapropria ou compra as terras. Então, o direito à ocupação regular está adstrito à indenização paga pelo Incra. Na semana passada nós intimamos o Incra mais uma vez para apresentar proposta de assentamento, mas até então não houve retorno”.