Política
Licenciamento flexível vai exigir rigor nas concessões
Medida aprovada no Senado é vista como um risco à segurança ambiental no país

O Senado aprovou na última quinta-feira (22), o Projeto de Lei nº 2159/2021, que altera as regras para licenciamento ambiental no Brasil. A nova legislação prevê a adoção de modalidades mais ágeis, como a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), além da dispensa de licenciamento para atividades de baixo impacto, buscando desburocratizar processos e acelerar investimentos.
Em meio a essas mudanças, o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) repercutiu, em contato com a reportagem da Tribuna Independente, destacando os desafios e estratégias do órgão para garantir que a flexibilização não comprometa a proteção dos biomas sensíveis presentes no estado, como a Mata Atlântica e as áreas de mangue.
Sobre os possíveis riscos ambientais da flexibilização do licenciamento, especialmente em ecossistemas frágeis, o IMA reconhece a sensibilidade dessas áreas. “Biomas como a Mata Atlântica e os manguezais demandam atenção especial em qualquer processo de licenciamento. Embora o projeto proponha modalidades mais ágeis, o IMA manterá critérios técnicos rigorosos para empreendimentos localizados em áreas ambientalmente frágeis, a fim de evitar qualquer risco de flexibilização indevida”, afirmou o Instituto através de sua assessoria.
Para evitar que empreendimentos com potencial de impacto ambiental médio escapem de análises detalhadas, o IMA explicou que aguarda a finalização dos trâmites legislativos para definir estratégias alinhadas com a Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema). “O licenciamento simplificado só será aplicado quando todos os critérios legais forem atendidos — incluindo porte, potencial poluidor, localização e tipologia. Empreendimentos em áreas sensíveis passarão por análise mais detalhada, com base em critérios técnicos rigorosos”, detalhou.
O Instituto também sinalizou que haverá revisão constante das normas estaduais para adequação à nova legislação federal, sem prejuízo à proteção ambiental local. “O processo seguirá os princípios do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), com responsabilidade técnica e em consonância com a Abema, preservando a autonomia estadual e a proteção dos ecossistemas alagoanos”, acrescentou.
IMPACTOS E COMUNIDADES
Sobre a dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias de pequeno porte, o IMA garantiu que medidas serão adotadas para evitar impactos ambientais acumulativos, especialmente em áreas de uso intensivo do solo. Além disso, ressaltou o compromisso com a proteção de comunidades tradicionais, Unidades de Conservação e Áreas de Preservação Permanente (APPs).
“Mesmo em casos de licenciamento simplificado, o instituto atuará com rigor técnico sempre que houver risco ou proximidade com essas áreas, assegurando que a simplificação não comprometa a análise ambiental necessária”, enfatizou.
DESAFIOS PARA AL
A aprovação do PL nº 2159/2021 representa um avanço na modernização do licenciamento ambiental no país, mas também levanta preocupações sobre o equilíbrio entre desenvolvimento econômico e conservação ambiental. Para o IMA, o desafio está em aplicar a legislação federal de forma que respeite as particularidades dos ecossistemas alagoanos, garantindo o desenvolvimento sustentável do estado. Com a nova lei, o papel dos órgãos estaduais de meio ambiente, como o IMA, se torna ainda mais fundamental na fiscalização e definição de critérios técnicos rigorosos para evitar impactos negativos ao meio ambiente.
O PROJETO
Entre os pontos mais criticados estão: dispensa de licenciamento ambiental para atividades do setor agropecuário, que poderiam ser autorizadas mediante simples autodeclarações, sem fiscalização prévia; ampliação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que atualmente se aplica apenas a empreendimentos de baixo impacto, mas passaria a abranger também os de porte médio, como indústrias e minerações; desvinculação entre outorgas e licenciamento, o que permitiria autorizações mesmo sem o aval para uso de recursos hídricos; e criação da Licença Ambiental Especial, que prevê tramitação mais ágil para projetos considerados estratégicos pelo governo, sob análise de um conselho político, sem etapas técnicas intermediárias.
Lei abre brechas para empreendimentos de alto impacto socioambiental
O professor Diogo Galvão, do Instituto de Geografia, Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), vê com extrema preocupação a aprovação da nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental, aprovada pelo Senado em maio. Para ele, os riscos ambientais não são apenas potenciais, mas “significativos e concretos”.
Segundo Galvão, ao analisar os mecanismos previstos na legislação, é possível identificar ao menos três grandes fatores de risco. O primeiro é a criação da Licença Ambiental Especial (LAE), destinada a projetos considerados “estratégicos” pelo Executivo. “Ela abre brecha para a instalação de empreendimentos de alto impacto socioambiental com análise superficial”, alerta. “Isso pode incluir, por exemplo, projetos de exploração de petróleo na foz do Amazonas, na margem equatorial.”
O segundo ponto crítico, na visão do professor, é a possibilidade de dispensar estudos prévios, como o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), com base apenas na avaliação subjetiva dos órgãos licenciadores. “O conceito de ‘significativa degradação’ ao meio ambiente não é objetivamente definido na lei, o que abre margem para interpretações flexíveis e politizadas”, critica.
Mas, segundo ele, o mecanismo mais perigoso é o Licenciamento por Adesão e Compromisso (LAC), no qual o empreendedor declara estar em conformidade com os critérios legais sem passar por análise prévia detalhada. “Ele apenas assina uma declaração e depois elabora um relatório básico com informações sobre localização, porte e operação. A flexibilização de estudos e a troca de posições técnicas por decisões políticas no julgamento do grau de impacto traz uma ameaça real de aumento do desmatamento e degradação de ecossistemas”, pontua.
Galvão também destaca que a dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias de pequeno porte ignora os chamados efeitos sinérgicos e cumulativos. “Mesmo que cada atividade isoladamente cause pouco impacto, juntas elas podem causar um grande dano. Isso provoca fragmentação de habitats, redução da cobertura vegetal nativa, esgotamento hídrico e erosão do solo, gerando perda da biodiversidade e desequilíbrio ambiental.”
Ele menciona como exemplo a situação do Cerrado, bioma onde a fronteira agrícola mais avança e que abriga os principais aquíferos do país. “Agora imagine vários ‘pequenos’ empreendimentos se instalando sem qualquer controle de uso da água. Isso colapsará o sistema hidrológico.” Sobre a Mata Atlântica, cuja vegetação original já foi reduzida a apenas cerca de 12%, Galvão é categórico: “qualquer dispensa de licenciamento compromete a meta de restauração e a resiliência climática.”
Consultor alerta para ausência de estrutura nos órgãos
Para o analista ambiental Alder Flores, o texto aprovado pelo Senado aponta para alguns avanços significativos, mas requer atenção redobrada por parte dos órgãos ambientais e das instâncias de governo.
“Em tese, o risco de aumento do desmatamento ou da degradação dos ecossistemas não está diretamente relacionado à nova legislação, porque o descontrole ambiental já vinha ocorrendo, mesmo com a legislação anterior em vigor. O problema central, na verdade, é a falta de estrutura dos órgãos ambientais no Brasil”, avaliou, em entrevista à Tribuna.
Ele destacou que, em muitos casos, os órgãos responsáveis pela fiscalização, como o Ibama, o IMA e as secretarias municipais de meio ambiente, possuem um número insuficiente de fiscais em relação à dimensão do território nacional. “Mesmo em cidades pequenas, como Maceió, o efetivo é reduzido. Por isso, é fundamental investir na estrutura e no corpo técnico desses órgãos para garantir a fiscalização efetiva das atividades potencialmente impactantes ao meio ambiente”, disse.
Outro ponto considerado importante é a adoção da chamada licença por adesão e compromisso, um modelo simplificado de licenciamento que se baseia na autodeclaração do empreendedor. “Esse tipo de licença é válido para atividades de pequeno ou médio porte e baixo ou médio potencial poluidor. O objetivo é reduzir a burocracia e acelerar processos, que muitas vezes demoram anos para serem concluídos, prejudicando o empreendedor”, afirmou.
No entanto, ele ressalta que o conceito de atividade agropecuária extensiva ou semi-intensiva de pequeno porte, liberada da exigência de licenciamento em alguns casos, deve ser avaliado com cautela.
“É preciso entender claramente o que é pequeno porte, pois mesmo um imóvel rural de dimensões modestas pode conter vegetação nativa cuja supressão traria impactos ambientais relevantes. Portanto, o critério técnico deve prevalecer”.
Para o especialista, a isenção de licenciamento para determinadas atividades é um avanço, desde que haja critérios técnicos bem definidos e fiscalização ativa. “Não faz sentido exigir licença ambiental para um salão de beleza ou consultório médico, mas atividades como construção de hotéis ou condomínios residenciais devem, ao menos, apresentar documentação básica que comprove o atendimento às normas sanitárias e ambientais. Aqui em Alagoas, por exemplo, já há isenção para alguns empreendimentos residenciais, desde que atendam a critérios mínimos como coleta de esgoto e destinação adequada de resíduos”.
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