Política

STJ derruba tese de racismo reverso

Homem negro se tornou réu pela Justiça alagoana após denúncia do MP estadual sobre injúria racial contra europeu branco

Por Emanuelle Vanderlei - colaboradora / Tribuna Independente 06/02/2025 07h45 - Atualizado em 06/02/2025 08h17
STJ derruba tese de racismo reverso
Pedro Gomes ressaltou que uma de suas teses foi tentar extinguir o processo antes de ganhar repercussão nacional - Foto: Divulgação

Em decisão unânime da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi encerrado o processo iniciado por uma denúncia do Ministério Público Estadual de Alagoas (MP/AL) sobre uma suposta injúria racial de um homem negro contra um homem branco de origem europeia. O caso que ganhou repercussão nacional em 2023, trazia a tese que existe “racismo reverso”, o que foi derrubado por todos os ministros do STJ reconhecendo que não é cabível a apuração do crime de injúria racial quando a vítima for uma pessoa branca, e quando a ofensa tiver como causa exclusiva a cor da sua pele.

O caso está encerrado, porque para que chegasse a outra instância precisaria que o Ministério Público Federal (MPF) recorresse, o que o segundo Pedro Gomes, advogado do Instituto Negro de Alagoas (INEG/AL) que fez a defesa do acusado, não deve acontecer. “O próprio Ministério Público Federal, na sessão de julgamento, foi a favor do trancamento da ação. Então a gente entende que não há qualquer possibilidade de recurso, tendo em vista que o Tribunal de Justiça não pode recorrer porque ele não tem o registro passivo também”.

Pedro explica que a defesa tentou extinguir o processo antes que ele ganhasse repercussão, mas não conseguiu. “A gente entendeu que seria um caso emblemático desde o início, porque a gente pensou, a gente tem que encerrar com isso o mais rápido possível para que isso nos torne moda. Para que outras pessoas não se sintam no direito de procurar utilizar a lei de injúria racial que foi feita para proteger os grupos socialmente minoritários para atingi-los novamente. Então, a gente trabalhou já desde então nesse sentido de encerrar o mais rápido possível essa discussão”.

Mesmo assim, o caso foi à frente. “O Ministério Público, na promotoria de Coruripe, após analisar, decidiu propor uma denúncia no caso, de forma que nos deixou estarrecidos. E nos deixou ainda mais estarrecidos o fato do juiz aceitar a denúncia, transformar isso numa ação penal”. O rapaz não chegou a ser preso, mas o habeas corpus que trancaria o processo e encerraria a situação foi negado.

O advogado relata que o acusado e sua família já haviam sido prejudicados por um erro da justiça no passado, tendo sido preso injustamente e inocentado, e por isso sofreram impacto ainda mais negativo em suas vidas durante o processo.

“Esse processo ele gerou um desgaste, um sofrimento gigantesco. Primeiro porque tem várias variáveis, ele há muitos anos, chegou a ser preso injustamente e foi inocentado de um processo criminal, foi completamente inocentado por um erro judiciário e quando veio essa injustiça, ele e, digamos assim, recebeu, como se voltasse tudo de novo. E apesar de ele nunca ter tido qualquer possibilidade de ser preso, a gente sempre deixava isso muito claro para ele que ele não teria essa possibilidade, mas o sistema judiciário se adequando ao ponto de prejudicar um homem negro para uma para uma lei que foi criada para protegê-lo, é causa de sofrimento muito grande”.

O que se tornou um drama familiar, foi tratado por eles como um empenho dado a uma causa coletiva. “Ele e a família têm essa noção de que foi por uma boa causa, foi por uma foi por um bem maior do que até a mim, ele e qualquer outra pessoa. Ele entendeu então como um sacrifício pelo bem maior. Ele viu como um sofrimento que a gente sabia que no final ia ter o final feliz, como teve, e que isso ia gerar um benefício ainda maior para toda a população, principalmente a população negra brasileira”, ressaltou o advogado.

A avaliação de Pedro Gomes e seu cliente é que há importância de terem enfrentado todo o processo.

“Esse foi o primeiro caso que subiu até o STJ. Foi uma coisa que a gente não esperava, mas que é aquela coisa que a gente diz que os males, às vezes vem para o bem. Infelizmente, isso tomou uma proporção que a gente não esperava. Hoje, por ter uma jurisprudência do STJ muito bem abalizada, o voto do ministro Fernando foi um voto brilhante. Por ter essa jurisprudência, a partir de agora, todo mundo que queira denunciar uma pessoa por ter praticado injúria racial contra uma pessoa branca em função de sua cor, exclusivamente de sua cor, a tendência é de que tenha o mesmo destino, que a ação não prospere, que que a partir do momento em que os juízes, os promotores estejam totalmente conectados com a jurisprudência do STJ, que essa ação nunca tenha prosperidade, que o mesmo receba e que, mesmo que isso aconteça novamente, que chega ao absurdo de voltar ao STJ”, finaliza.

Movimento Negro contesta que a ação tenha sido levada adiante

Para Marluce Remígio, coordenadora do Movimento Negro Unificado em Alagoas (MNU/AL), há um problema ainda enraizado nas instituições de Alagoas, que fica evidente com a denúncia do Ministério Público Estadual que apontou um “racismo reverso”.

“É o racismo estrutural que está impregnado nas instituições do Brasil todo e também aqui no Nordeste, e aqui em Alagoas mais ainda. Como é que que você leva adiante uma questão dessa? Pessoas da justiça levarem uma questão dessa, que na realidade eles já sabiam que isso não ia para frente. Eles estavam sabendo disso. Mas é o fato realmente do racismo estrutural, de querer punir realmente um homem negro. A justiça tocar isso para frente, é realmente prova do racismo estrutural que temos no nosso país, no nosso estado”, questiona.

A mobilização do caso, como lembra Marluce, foi iniciada pelo do Instituto Negro de Alagoas (INEG/AL) e teve o envolvimento do movimento negro em todo o país.

“Esse caso é um exemplo para o Brasil todo. Ano passado, quando estivemos no Congresso do Movimento Negro Unificado Nacional em Brasília, foi relatado justamente esse crime uma carta foi elaborada com todos os participantes lá em Brasília, para a gente fazer esse movimento em todo no Brasil”, recorda.
Marluce Remígio corrobora com a avaliação do advogado do INEG, Pedro Gomes, sobre o impacto coletivo desse resultado.

“É uma vitória, uma vitória imensa. Porque por unanimidade, a 6ª turma Superior Tribunal de Justiça anulou a aplicação do crime. Eles entenderam que não é cabível a apuração do crime de injúria racial quando a ofensa tiver como causa exclusiva por sua pele”.