Política

Em ato histórico, ALE restitui mandatos de deputados cassados

Defesa da democracia e agradecimentos pelo gesto do deputado Ronaldo Medeiros foram destaques na sessão pública

Por Emanuelle Vanderlei - colaboradora / Tribuna Independente 15/06/2024 09h40
Em ato histórico, ALE restitui mandatos de deputados cassados
Deputado Ronaldo Medeiros foi o propositor da sessão e prestou homenagem aos familiares de deputados estaduais que tiveram os seus mandatos cassados entre os anos de 1948 e 1969 - Foto: Adailson Calheiros

Em sessão pública realizada na última sexta-feira (14), a Assembleia Legislativa do Estado (ALE), restituiu, simbolicamente, os mandatos dos deputados que foram cassados pelo regime militar entre os anos de 1948 e 1969. Proposta pelo deputado Ronaldo Medeiros (PT), a sessão teve a presença de Roberto Mendes, um dos homenageados que ainda está vivo, de familiares de todos os outros, e de personalidades políticas e históricas do Estado.

O parlamentar explicou, durante a sessão, que a iniciativa busca reforçar a democracia e trazer reparação às vítimas cassadas.

“Alguns, além do mandato cassado, tiveram as vidas tiradas. Nós temos aqui famílias que perderam seus pais, seus maridos. Aquele momento foi um atentado à democracia, falta de respeito à vontade popular, à soberania popular. A Assembleia Legislativa aqui de Alagoas dá um grande exemplo, um grande passo, reafirmando que a democracia é o melhor caminho. Só quem pode cassar é quem outorga, quem dá o mandato, no caso o povo. Então, esse resultado é importante”, avalia.

A iniciativa do deputado foi provocada pela comissão da verdade em Alagoas, com figuras como o historiador Geraldo Majella e do sindicalista Thyago Miranda, neto de um dos homenageados, Jayme Miranda. Medeiros apresentou, conseguiu aprovação na ALE, e promoveu a sessão.

Os parlamentares que tiveram os seus mandatos, simbolicamente, restituídos são, ao todo, dezesseis: André Papini Gois (PCB), cassado em 1948; José Maria Cavalcante (PCB), cassado em 1948; Moacir Rodrigues de Andrade (PCB), cassado em 1948; Claudio Albuquerque Lima (PDC), cassado em 1964; Sebastião Barbosa de Araújo (PSP), cassado em 1964; Jayme Amorim de Miranda (PSP), cassado em 1964; Cyro Casado Rocha (PTB), cassado em 1964; Claudenor Albuquerque Lima, (PSP), cassado em 1964; Luiz Gonzaga Moreira Coutinho (MDB), cassado em 1969; Dincy Torres (MDB), cassado em 1969; Elisio da Silva Maia (MDB), cassado em 1969; Moacir Lopes de Andrade (MDB), cassado em 1969; Luiz Gonzaga Malta Gaia, cassado em 1969; Eraldo Malta Brandão (ARENA), cassado em 1969; Pedro Timóteo (PSP), cassado em 1969; e Roberto Tavares Mendes (MDB), cassado em 1966.

“Escutando algumas histórias, a gente fica triste, que são histórias tristes, tenebrosas até. Mas esse resgate vem aliviar um pouco essa dor, mostrando que a história é reparada aqui na Assembleia Legislativa. As pessoas contam suas histórias, filhos, esposas que contam como foi aquele período, e quando eles contam, eles voltam a sentir a dor daquele crime que foi. Você imagine sem mandado judicial, sem direito à defesa, alguém ser preso, torturado, ter seus direitos políticos caçados. Então é importante esse momento”, destacou.

Defendendo a democracia, ele espera que essa memória contribua para ajudar a conscientizar as pessoas. “É um resgate da história, principalmente para as pessoas que não vivenciaram, que às vezes pedem a ditadura, apoia atos de ditadores aqui no Brasil, de pessoas que são da extrema direita, mas que não sabem o que é. Numa ditadura você só tem uma opinião. Para assistir um filme o exército tem que liberar. Ouvir uma música tinha que primeiro passar pela censura, tudo era censurado, e hoje o Brasil dá um exemplo de democracia mesmo com alguns querendo que volte naqueles tempos obscuros da história do Brasil”.

Um dos protagonistas desta história é Roberto Mendes. Ele que é o único deputado cassado naquele período que permanece vivo, esteve presente e reconheceu a importância do gesto.

“É um momento histórico. Juridicamente já tinham sido tomadas essas medidas através da justiça, eu fui absolvido, fui indenizado 10 ou 12 anos depois da cassação pela injustiça praticada. A gente sabe que muitos usaram da ditadura e se aproveitaram para se vingar de algum problema ou de perseguição, e isso causou um mal muito grande no país. Então, esse encontro aqui é importante, não só porque a gente reencontra os amigos todos, mas pela importância do fato do deputado Ronaldo ter apresentado esse projeto, que é o reconhecimento da Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas para com os deputados da época que foram punidos injustamente”, relatou.

Sobre a época, Roberto Mendes lembra emocionado do sofrimento que passou. “Eu era deputado, era muito jovem. Inclusive participava do futebol de Alagoas, jogava pelo CSA, era deputado e jogava futebol. Fiquei sem poder reassumir, que eu era funcionário do Tribunal de Contas. Não podia ter vínculo nenhum com os municípios, com os estados e com o Governo Federal. Então, foi um momento difícil na minha vida. Tive que ir embora, fui morar em Ituiutaba, no Triângulo Mineiro, onde montei uma indústria de sabão com os amigos que me ajudaram para poder sobreviver e ajudar a minha família”.

Famílias reconhecem a medida como reparação às injustiças

A dor causada pela ditadura militar é vivida pelos familiares até hoje. Olga Miranda, filha de Jayme Miranda, um dos deputados que recebeu seu mandato de volta, garante que ainda busca um desfecho para o desaparecimento do seu pai.

“Em 1964, quando houve o golpe, nós tivemos que fugir para o Rio de Janeiro, meu pai viveu clandestinamente, traduzindo os jornais, porque ele falava inglês, francês e outras línguas, até que em 1975, no Rio de Janeiro, ele foi sequestrado e levado para São Paulo, e a nossa família sofreu muito nessa busca constante sobre as circunstâncias, o paradeiro e a autoria desse desaparecimento. Hoje, completando 60 anos da ditadura militar, ainda não temos as circunstâncias e o autor do desaparecimento de Jayme Miranda e diversos brasileiros que ainda se encontram nessa condição. Então, essa busca, ela não terminou, nós continuamos junto com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha e outras pessoas que se reuniram em São Paulo para discutir essas questões, de como poderíamos dar continuidade aos trabalhos da Comissão da Verdade. A fim de que possamos finalizar essa página da nossa história”, relata.

Olga afirma que a família reconhece o gesto da Assembleia Legislativa do Estado (ALE), como um passo importante.

“A nossa família se sente muito emocionada pelo deputado Ronaldo ter feito esse projeto, que é uma reparação social em relação às injustiças que Jayme Miranda sofreu, ele que foi jornalista, advogado, militante do Partido Comunista. E aqui no Estado de Alagoas sofreu muita repressão, não só ele, como os familiares. E aqui nessa casa, na Assembleia Legislativa, ele foi cassado junto com os seus companheiros. E isso é um resgate da história. E nós não podemos deixar que nossa história seja contada pelo poder hegemônico repressor, e sim pelo povo, pela sociedade, que realmente se preocupou em construir um mundo melhor, mais pacífico, mais solidário, mais igualitário.”.

O desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas, Tutmés Airan, filho do deputado cassado Cláudio Albuquerque Lima, reconhece a sessão como um ato justo.

Desembargador Tutmés Airan é filho do deputado Cláudio Albuquerque Lima, que foi cassado no período militar (Foto: Adailson Calheiros)

“Esse ato faz justiça, porque ele é um pedido de desculpa e, ao mesmo tempo, o reconhecimento de um equívoco. Um equívoco importantíssimo. As pessoas foram punidas, as pessoas tiveram seus mandatos cassados, seus direitos políticos suspensos. Alguns foram perseguidos e até mortos por um detalhe: pensar diferente. Então, a sociedade brasileira tem que aprender a conviver com as diferenças, sobretudo, as diferenças políticas”, diz.