Política

Hotel Atlântico foi alvo de perseguição na ditadura

Sob administração da família Miranda, empreendimento era visto como comunista

Por Emanuelle Vanderlei - colaboradora / Tribuna Independente 24/04/2024 08h09 - Atualizado em 24/04/2024 16h02
Hotel Atlântico foi alvo  de perseguição na ditadura
Em demolição, Hotel Atlântico tinha imagem de Jayme Miranda - Foto: Edilson Omena

Para as gerações mais novas, o prédio do Hotel Atlântico, que que desabou no último domingo (21), no bairro de Jaraguá, eram apenas ruínas. Há décadas não havia atividade nenhuma por lá, e o prédio vinha se deteriorando. Mas o imaginário popular de muitas gerações, ele foi cenário de fases fundamentais na história da cidade. Uma dessas fases, a partir do momento em que foi comprado pelo comerciante Manoel Simplício Miranda até o final da década de 80, é lembrada pelo historiador Geraldo Majella em relação à época de chumbo.

“O hotel Atlântico é um símbolo da cidade, é o símbolo de uma época, e é o símbolo de um imaginário, esse imaginário de que ali era uma espécie de Bunker dos comunistas. Essa fantasia que se criou, era lenda e passou a ser uma quase que uma história”, lembra, em contato com a reportagem da Tribuna Independente.

Reforçando que a maior parte da família Miranda não era comunista, Majella explica que por ter alguns membros ligados à militância do partido acabou sendo alvo. “Era uma família que simbolizava a perseguição aos comunistas. Isso pode ser dito dos Miranda, de um modo geral, sobretudo essa geração dos filhos do seu Miranda e de alguns dos seus descendentes, eles simbolizaram a perseguição atroz aos comunistas em Alagoas. É honesto intelectualmente dizer que esse núcleo familiar foi bastante perseguido, porque foram identificados como pertencente ao partido comunista, que não é verdade, eram apenas dois filhos, você tinha dois que eram militantes do partido comunista. Os outros oito não eram comunistas eram irmãos de dois comunistas e filhos de um casal que também não era comunista”.

A ser comprado por Manoel Simplício de Miranda, um comerciante ligado à maçonaria, e Dona Hermé Amorim, o Hotel Atlântico vive anos de muito destaque na capital alagoana. “Passou a ser referência em hotelaria da cidade. A hotelaria da cidade naquela época, década de 50, era muito modesta. Tinha alguns hotéis até imponentes, mas o hotel passou a ser referência porque estava na orla, e também porque tinha um prédio, do ponto de vista arquitetônico, muito bonito”, lembra o historiador.

Manoel Miranda e Hermé Amorim, donos do Hotel Atlântico (Foto: Divulgação)

Empreendimento não tinha elo comunista

Com 10 filhos, o casal Manoel Simplício de Miranda e Hermé Amorim, acabou sendo envolvido pela repressão por conta de dois deles. “Jayme e Nilson eram jornalistas e do Partido Comunista. Durante anos 50 e 60, a família Miranda, os irmãos, foram bastante perseguidos aqui em Alagoas”, diz o historiador Geraldo Majella.

Ele vê como equivocada a interpretação que transformou o Hotel Atlântico num símbolo que representava o Partido Comunista. “Porque não era verdade, foi uma criação da elite alagoana, da ditadura, da polícia, uma forma de perseguir o Jayme e o Nilson e transferir isso para a família. Uma forma de perseguição brutal à família Miranda”.

Ele reafirma que não havia atuação do Partido dentro do hotel.

“É uma lenda toda essa história que se propagou, e que transformou o hotel atlântico como se o hotel atlântico fossem uma base do Partido Comunista ou uma base de subversão. A família foi bastante perseguida, e com o golpe de 64 o Jaime foi preso. O Wilton Miranda, filho do seu do sr. Manoel, irmão do Jaime e do Nilson também foi preso. Mas ele não era comunista”, recorda Majella.

O que se pode dizer que tem de verdade nisso tudo, é que a cada perseguição da família, acabava o hotel sendo o refúgio. “Foi refúgio do Jayme, do Haroldo, em vários momentos na vida dele, acabava sendo o hotel o Refúgio da família. Nilson, quando veio com a anistia, em 1979. Ele tinha um quarto lá no hotel, passou a morar no hotel. Ele não tinha casa em Maceió”, complementa.

Essa associação, aponta o historiador, teria atrapalhado muito o negócio.

“Imagina você estar no hotel e invade a polícia, faz revista em todos os quartos, e de quando e quando a polícia estava indo lá, dizendo que lá tinha um esquema de radiotransmissão com a Tchecoslováquia, com a Rússia, etc. Então, todo esse tipo de mentira, de perseguição horrorosa foi cometida contra o sr. Miranda e os seus filhos. Então ficou uma marca de que os Mirandas eram comunistas, mas não era”.

Configuração do turismo na capital afetou a continuidade do negócio

Apesar de todas as acusações que pesaram contra o empreendimento da família Miranda, o Hotel Atlântico se manteve até o final da década de 80, como conta o historiador Geraldo Majella.

“Eles [família Miranda] passaram esse sacrifício todo, mas conseguiram se manter. Mesmo depois que o seu Manoel faleceu, o hotel continua com um entorno político aqui no estado. Por exemplo, em 1982 a campanha do Nilson Miranda para deputado estadual foi lançada dentro do Hotel Atlântico, como o Partido Comunista estava ilegal, foi pelo MDB”.

As sequelas da ditadura ficaram para família. “Em função de traumas com a prisão e o desaparecimento do Jayme Miranda em 1975, sr. Miranda passou a ter sérios problemas de saúde. A diabetes dele complicou bastante, ele acabou tendo a prejudicada à vista. Acabou ficando cego, e morreu pelos anos 80”.

Sobre o prédio, depois de comprado por Manoel Miranda permaneceu durante todo o tempo sobre a administração da família. “Sr. Miranda primeiro, depois o Haroldo, e o Wilton. Os filhos administraram até quando não houve mais condições de se manter”.

O fim da era, segundo Majella, só aconteceu quando a própria configuração do turismo em Maceió foi mudando.

“A praia da Avenida ficou uma praia sem nenhum atrativo turístico, o eixo do turismo mudou para Pajuçara, Ponta Verde e Jatiúca. Então, a praia da Avenida deixou de ser a praia preferida da cidade”.