Política

Diretor da Braskem admite culpa da empresa

Marcelo Arantes consegue habeas corpus, mas decide responder perguntas e assumir responsabilidade pela tragédia

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / com Agência Senado 11/04/2024 08h04 - Atualizado em 11/04/2024 11h56
Diretor da Braskem admite culpa da empresa
Arantes foi destacado para atuar em Maceió na comunicação da empresa junto às comunidades locais - Foto: Pedro França / Agência Senado

Em depoimento à CPI da Braskem, ontem pela manhã, o vice-presidente da empresa, Marcelo Arantes, admitiu publicamente, pela primeira vez, que a mineradora “é responsável” pelo afundamento do solo de pelo menos cinco bairros de Maceió: Pinheiro, Bebedouro, Mutante, Bom Parto e Farol.

“A Braskem tem, sim, contribuição e é responsável pelo evento ocorrido em Maceió, isso já ficou claro. Não é à toa que todos os esforços da companhia têm sido colocados para reparar, mitigar, compensar todo dano causado da subsidência na região”, afirmou Marcelo Arantes, no depoimento aos senadores da CPI.

Marcelo Arantes é vice-presidente Global de Pessoas, Comunicação, Marketing e Relações com a Imprensa da Braskem. Ele foi destacado pela empresa para atuar em Maceió na comunicação da empresa junto a comunidades locais.

A declaração dele, reconhecendo a culpa da Braskem pela tragédia em Maceió, foi dada em resposta ao questionamento feito pelo senador Dr. Hiran (PP-RR). Antes de fazer a pergunta, o senador lembrou que a empresa sempre evitou reconhecer a responsabilidade sobre o caso e questionou: “Se a culpa não é da Braskem, essa culpa seria de quem?”.

Não teve como Arantes se esquivar da pergunta. Por isso, o executivo admitiu a culpa, mesmo assim ainda tentou tergiversar. Ele lembrou que, como parte desse reconhecimento, foi negociado com as vítimas um plano de pagamento de compensação financeira, iniciado em 2019 para ressarcir moradores e comerciantes da região afetada.

HABEAS CORPUS

Antes de comparecer à CPI para prestar depoimento, Arantes solicitou e conseguiu um habeas corpus, concedido pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), para só responder o que quisesse e ficar em silêncio caso a pergunta feita pudesse incriminá-lo.

Na semana passada, a assessoria de comunicação da Braskem se negou a dar detalhes do depoimento de Arantes à CPI, como também se negou a responder se o executivo estava com receio de ser preso, caso cometesse alguma atitude considerada desrespeitosa ou uma afronta à Comissão.

Responsável pela área de Pessoas, Comunicação, Marketing e Relações com a Imprensa da petroquímica, Marcelo Arantes trabalha na empresa há 14 anos. Ele começou a atuar no caso Braskem a partir de maio de 2019, quando a companhia interrompeu as atividades de extração de sal-gema, na capital alagoana. Os primeiros tremores no solo próximo às 35 minas de exploração foram registrados em março de 2018. No ano seguinte, as minas foram desativadas e seguem desativadas até hoje, por decisão judicial.

REPERCUSSÃO

Aos senadores, o vice-presidente declarou que, após o encerramento das atividades de extração de sal-gema na região, a prioridade da Braskem foi garantir a segurança das pessoas nas áreas afetadas. Segundo ele, a empresa ofereceu toda a estrutura necessária para a realocação dos moradores.

“A Braskem tem a sua culpa nesse processo e nós assumimos a responsabilidade por isso”, afirmou, declarando que a mineradora seguiu normas técnicas estabelecidas para realizar as atividades de exploração e era acompanhada pela agência reguladora do setor.

Segundo Arantes, a Braskem não só é responsável pelo evento acontecido em Maceió, mas como vem tentando arcar com os prejuízos. “Isso já ficou claro. Não é à toa que todos esforços da companhia têm sido colocados para reparar, mitigar e compensar todo o dano causado de subsidência na região”, destacou.

TEMAS TÉCNICOS

No início da reunião, o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), anunciou que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli havia concedido habeas corpus para Marcelo Arantes, permitindo que o depoente ficasse em silêncio em questões que pudessem incriminá-lo.

O senador criticou a decisão e anunciou que tomou medidas para que “fosse derrubado” o habeas corpus. Na oitiva, no entanto, o representante da Braskem não ficou em silêncio durante os questionamentos, mas afirmou que não seria capaz de debater questões técnicas.

O relator, senador Rogério Carvalho (PT-SE), afirmou que o diretor da empresa falou “inverdades” em seu depoimento e que, apesar de ele representar a Braskem, não tinha “competência” para responder perguntas técnicas.

“Diante do que aconteceu em 2018 e diante da maior mobilização de retirada de pessoas de uma cidade, qualquer diretor deveria estar por dentro do que está acontecendo e o que aconteceu com essa mina. Me perdoem, mas aqui há uma clara tentativa de não responder aos questionamentos que essa CPI está fazendo”, argumentou o relator.

Prioridade sempre foi a segurança das pessoas, diz representante (Foto: pedro frança / agência senado)

Executivo se esquivou de algumas perguntas durante depoimento à CPI

Marcelo Arantes afirmou desconhecer temas como: o faturamento e a margem de lucro da operação da Braskem em Maceió e em Camaçari (BA); as razões de ausência de um geólogo no acompanhamento das ações da empresa; supostos cortes de investimentos entre 2015 e 2017; a suposta prática de “lavra ambiciosa” (que não seguiu o plano preestabelecido, de acordo com resolução da Agência Nacional de Mineração); e eventos de instabilidade geológica em anos anteriores.

O executivo se esquivou de algumas perguntas, justificando desconhecer as informações por se tratarem de fatos anteriores à sua entrada na Braskem. Na opinião do senador Rodrigo Cunha (Podemos), a ausência de parte das respostas na oitiva demonstrou a “falta de compromisso da empresa” com o tema e uma postura “omissa” da companhia.

Apesar disso, tanto Rodrigo Cunha quanto o relator, Rogério Carvalho, destacaram que pela primeira vez um representante da Braskem admitiu a culpa da mineradora pelos danos causados na cidade de Maceió. Cerca de 15 mil imóveis foram interditados e derrubados, afetando a vida de mais de 60 mil moradores e comerciantes.

REQUERIMENTOS

Questionado por Omar Aziz, Arantes respondeu que o vice-presidente de Operações da Braskem, Marcelo Cerqueira, seria o representante mais adequado para responder temas técnicos. O presidente da CPI e o relator apresentaram requerimentos para a convocação, que foram aprovados de forma simbólica.

“Vamos convocar o Sr. Marcelo [Cerqueira] para ele vir aqui tecnicamente para nos dizer quantas pessoas trabalhavam [nas minas], qual era a qualificação desse pessoal, porque se trata de uma questão técnica, não é uma questão de marketing, de coisa parecida”, revelou Aziz.

REALOCAÇÃO

Segundo Arantes, após paralisar as atividades de extração em Maceió, a Braskem contratou institutos nacionais e internacionais para realizarem novos estudos e indicarem as soluções para a realocação das pessoas dos bairros Pinheiro, Mutange, Bom Parto, Farol e Bebedouro.

“Nossa prioridade foi sempre a segurança das pessoas. De dezembro de 2019 a dezembro de 2022, foram realocados aproximadamente 40 mil moradores da região dos cerca de 14,5 mil imóveis que estão dentro das áreas de desocupação definidas pela Defesa Civil em 2020. Sabemos do impacto social causado na vida das pessoas que moravam nesses bairros, que são tradicionais na cidade de Maceió”, disse A empresa realizou, de acordo com ele, mais de 19 mil propostas de compensação, além de acordos com autoridades municipais, estaduais e federais. “Atualmente, 99,8% das pessoas já receberam a proposta e 95% já receberam a indenização; R$ 15,5 bilhões foram provisionados pela empresa, R$ 9,5 bilhões já foram desembolsados, sendo R$ 4,5 bilhões pagos em indenizações a moradores e comerciantes”, destacou.

O depoimento de Marcelo Arantes foi sugerido pelo senador Otto Alencar (PSD-BA). A oitiva teve como objetivo esclarecer a atuação papel da Braskem no caso do afundamento do solo em bairros de Maceió.

Senador Rodrigo Cunha considera depoimento “emblemático”

Para o senador alagoano Rodrigo Cunha (Podemos), o depoimento do vice-presidente da Braskem, Marcelo Arantes, foi considerado como “emblemático” na luta dos moradores das áreas afetadas pela mineração em Maceió. Cunha quer explicações da Polícia Federal sobre a operação, realizada no final do ano passado, que teve como alvo diretores da Braskem.

“É um dia emblemático porque a Braskem nunca admitiu sua culpa e usou de todos os artifícios para se isentar de suas responsabilidades. É mais um passo que a CPI dá para garantir reparação justa às milhares de famílias vítimas e a Maceió. Além disso, a fala pública de Marcelo Arantes atesta que a Braskem é ciente de sua atuação criminosa contra o meio ambiente, e totalmente irresponsável e dolosa contra a população da capital alagoana. Seguiremos lutando por justiça”, afirmou o senador.

O senador Rodrigo Cunha aguarda aprovação de requerimento de sua autoria, convidando o delegado da Polícia Federal Marcelo Pessoa de Aquino França Filho, responsável pela operação “Lágrimas de Sal”.

A operação, deflagrada em dezembro de 2023, buscou apreender documentos da empresa e teve como alvo o diretor industrial da Braskem: Álvaro Cesar Oliveira de Almeida; os gerentes de produção: Marco Aurélio Cabral Campelo, Paulo Márcio Tibana e Galileu Moraes além dos responsáveis técnicos: Paulo Roberto Cabral de Melo e Alex Cardoso da Silva.

OPERAÇÃO

De acordo com as apurações feitas pela PF até então, foram identificados indícios de apresentação de “dados falsos e omissão de informações relevantes aos órgãos públicos responsáveis pela fiscalização da atividade, permitindo assim a continuidade dos trabalhos, mesmo quando já presentes problemas de estabilidade das cavidades de sal e sinais de subsidência do solo acima das minas”.

Quando a operação foi deflagrada, no final de 2023, a PF divulgou que os investigados poderiam responder, na medida de suas responsabilidades, por crimes de poluição qualificada, usurpação de recursos da União, apresentação de estudos ambientais falsos ou enganosos, inclusive por omissão, entre outros delitos.

Cerca de 60 policiais federais participaram da operação, cumprindo 14 mandados judiciais de busca e apreensão, em endereços ligados aos investigados nas cidades de Maceió, no Rio de Janeiro e em Aracaju, capital de Sergipe. Os mandados foram expedidos pela Justiça Federal no estado de Alagoas.

O nome da Operação Lágrimas de Sal foi uma referência ao sofrimento causado pelas vítimas da mineração de sal-gema, cuja exploração começou em 1976, embora as primeiras autorizações para pesquisas de lavras foram concedidas dez anos antes, em 1966, quando o prefeito de Maceió era Divaldo Suruagy, nomeado pela Ditadura Militar.

Em nota, à época, a Braskem informou que estava acompanhando a operação e que tinha se colocado à disposição das autoridades, garantido ainda que todas as informações seriam prestadas no transcorrer do processo.