Política
Mandatos cassados na ditadura serão resgatados em ato histórico
Medida é considerada como uma reparação histórica e famílias consideram a iniciativa como reconfortante
Depois de 60 anos do golpe militar no Brasil, iniciado em 31 de março de 1964, ainda há iniciativas para tentar resgatar a memória e reparar os efeitos que aquele período causou.
Em Alagoas, o deputado estadual Ronaldo Medeiros (PT) recebeu uma proposta da Comissão Estadual da Memória e Verdade Jayme Miranda e transformou em Projeto de Resolução, aprovado recentemente na Assembleia Legislativa do Estado (ALE), e que restitui simbolicamente os mandatos dos deputados estaduais do estado de Alagoas, cassados entre os anos de 1948 e 1951 (no governo autoritário de Eurico Gaspar Dutra) até 1969, já no andamento da ditadura militar.
Serão homenageados, de acordo com a lei aprovada, os deputados André Papini Gois (PCB), cassado em 1948; José Maria Cavalcante (PCB), cassado em 1948; Moacir Rodrigues de Andrade (PCB), cassado em 1948; Cláudio Albuquerque Lima (PDC), cassado em 1964; Sebastião Barbosa de Araújo (PSP), cassado em 1964; Jayme Amorim de Miranda (PSP), cassado em 1964; Cyro Casado Rocha (PTB), cassado em 1964; Claudenor Albuquerque Lima, (PSP), cassado em 1964; Luiz Gonzaga Moreira Coutinho (MDB), cassado em 1969; Diney Torres (MDB), cassado em 1969; Elísio da Silva Maia (MDB), cassado em 1969; Moacir Lopes de Andrade (MDB), cassado em 1969; Luiz Gonzaga Malta Gaia, cassado em 1969; Eraldo Malta Brandão (ARENA), cassado em 1969; Pedro Timóteo (PSP). cassado em 1969; Roberto Tavares Mendes (MDB), cassado em 1966. De todos esses, permanecem vivos Moacir Andrade e Roberto Tavares, segundo relatou à Tribuna Independente, o historiador Geraldo Majella, que também faz parte do comitê, e é o responsável pela pesquisa e por organizar a lista das pessoas que tiveram mandatos cassados aqui em Alagoas.
A medida de reparação histórica é de uma representação fundamental para as famílias.
À reportagem da Tribuna Independente, a família de Jayme Miranda, por exemplo, tem atuado nessa luta desde a época da ditadura, e destaca o efeito positivo que foi causado após a aprovação da lei. Thyago Miranda, neto do homenageado, relata que é reconfortante esse contexto histórico de devolução dos mandatos políticos.
“Eu conversei com minha tia Olga [Miranda] sobre a iniciativa, e ela entrou em contato logo depois da notícia, do restabelecimento dos mandatos de forma simbólica. Ela disse que ficou muito emocionada porque são 49 anos sem respostas e qualquer mínimo de justiça que apareça por parte do poder público. É muito reconfortante para a família em geral. Ela disse que ficou muito emocionada, porque ela vinha dessa luta desde o início, eu me integrei depois, mas ela que sempre travou essa luta junto com outros familiares. No grupo ‘Tortura Nunca Mais’, pelas diversas legislações e avanços que foram tendo no decorrer do tempo, na criação da Comissão de Mortos e Desaparecidos em 95, a emissão do atestado de óbito, que antes eles não tinham, a questão da comissão de anistia, e essa é mais uma mais uma vitória para quem transita nesse meio”, contextualiza.
QUEM FOI
Jayme Amorim de Miranda militou no Partido Comunista Brasileiro (PCB) desde a juventude. Na década de 1950, foi preso duas vezes, no Pará e em Pernambuco, por atuar na organização dos movimentos sociais. Posteriormente, foi novamente detido, em Maceió, por seu trabalho junto aos sindicatos. Nesse período, destacou-se pelo auxílio que prestava como advogado para a libertação de outros presos. No final de março de 1964, coordenou um comício em defesa da legalidade constitucional.
Logo após o golpe militar foi preso e permaneceu detido por um ano, quando foi posto em liberdade condicional. Não cumpriu as exigências do livramento condicional e passou a viver na clandestinidade. Militante histórico do Partido Comunista Brasileiro (PCB), o jornalista e advogado Jayme Amorim de Miranda foi morto por agentes do Estado brasileiro em uma ação conjunta das forças de repressão, conhecida como “Operação Radar”, cujo objetivo era aniquilar os principais dirigentes do PCB.
Documentos produzidos pelos órgãos de repressão sugerem que a prisão de Jayme seria um importante passo para a desarticulação do Partido Comunista.
Em entrevista concedida à revista Veja, no dia 18 de novembro de 1992, o ex-agente do DOI-CODI/SP, Marival Chaves, afirmou que Jayme Amorim de Miranda foi: “(...) preso na Operação Radar, numa das incursões do DOI de São Paulo ao Rio de Janeiro. Foi transferido para Itapevi. Seu irmão, Nilson Miranda, que era secretário-geral do PCB de Porto Alegre, estava preso no Ipiranga. Um não sabia do outro. O Nilson sobreviveu.” O paradeiro dos restos mortais de Jayme Amorim de Miranda permanece desconhecido até a presente data.
Neto de deputado destaca maturidade da ALE na aprovação da lei
O advogado Eraldo Malta Brandão Neto, que leva o nome do avô homenageado, elogia a iniciativa que foi aprovada na Assembleia Legislativa do Estado e devolve os mandatos cassados no período dos governos autoritários no país.
“É com muita alegria que recebemos, na qualidade de familiares do deputado Eraldo Malta Brandão, essa notícia, esse ato simbólico promovido pela Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas, no sentido de devolver, ainda que simbolicamente, todo o mandato que outrora fora cassado na época da ditadura. Então, vê-se a maturidade do Parlamento Estadual, o reconhecimento do Parlamento Estadual, no sentido de homenagear sempre a democracia”.
Neto descreve que a família sempre fez referência a esse período nos ambientes de convívio.
“Como neto mais velho, apesar de ainda jovem e não ter acompanhado em vida a ditadura militar, eu cresci em meio a essas discussões. Lembro-me da casa da minha avó, nas discussões com meu pai sobre política. Lembro o terror que foi o AI-5 [ato institucional n°5] e essas cassações indevidas e antidemocráticas perpetradas na época da ditadura. Meu avô ficou impedido de votar e ser votado, perdeu o mandato de deputado estadual cassado, foi aposentado compulsoriamente como promotor de justiça, e não poderia participar de nenhum ato político. Não poderia votar, não poderia subir em cima de um palanque, não poderia orientar aqueles que comungavam com suas ideias. Então era de fato um verdadeiro terror perpetrado pela união na época da ditadura. Todos os familiares sem exceção foram impactados com isso”, lembrou.
Nas palavras de seu neto, “Eraldo Malta Brandão foi um político alagoano, radicado no Sertão de Alagoas, nas cidades de Mata Grande, Inhapi e Canapi, conhecido como o ‘Triângulo das Bermudas’, sendo este, sem sombra de dúvidas, o maior expoente político da família Malta, Brandão e Alcântara na história da Alagoas”.
O parlamentar iniciou a sua vida com formação em Direito, atuou como advogado, atuou como deputado estadual, delegado, prefeito de Mata Grande, deputado estadual por três mandatos, até ser cassado na ditadura. Também ocupou o cargo de promotor público. Após o cumprimento de todos os atos da ditadura, retornou ao Estado na qualidade de procurador de Estado e, por fim, faleceu como auditor do Tribunal de Contas, aos 53 anos.
“Governo autoritário não é o caminho”
Propositor da medida aprovada na Assembleia Legislativa do Estado (ALE) para devolver, simbolicamente, os mandatos cassados no período de governos autoritários, o deputado Ronaldo Medeiros (PT), explica que a iniciativa tem validade histórica.
“Essa medida é uma reparação histórica, já que a gente não podemos corrigir o que aconteceu no passado. Tantas pessoas que foram afastadas, que foram agredidas, não é só o mandato que você perde, você perde a liberdade. Um ato de cassar o mandato numa ditadura, você está indo contra a vontade popular, foram as pessoas que elegeram. A ditadura nunca será um caminho.
Pessoas foram mortas, pessoas desaparecidas, pessoas que tiveram cassado no mandato, juízes afastados, desembargadores afastados também. Não foi somente no Legislativo. Essa medida alcançou outros poderes também. Então, eu creio que é uma sinalização que a Assembleia Legislativa está dando de que não se pode compactuar com ditaduras”. dizendo que ditadura nunca mais, que a gente não pode conviver mais”, contextualiza o parlamentar.
Fazendo referência à última tentativa de golpe no país, em janeiro de 2023, Ronaldo Medeiros entende que ações como essa são necessárias.
“Alguns tentaram fazer uma regressão histórica e voltar àquele período sombrio, mas a resposta que a Assembleia está dando, diz que gente não quer isso, a gente quer democracia. Está imperfeita, mas ainda é o regime que dá oportunidade de o povo corrigir, escolher. Se não votou corretamente, ou se quem a pessoa confiou não gostou, dá a oportunidade de você tirar depois, de você fazer, de você se corrigir. E na ditadura você não tem essa oportunidade de falar, você não tem a oportunidade de divergir, você não tem a oportunidade de criticar, você só tem aí uma versão”, finaliza.
CONTRIBUIÇÃO DO COMITÊ
O Comitê Memória, Verdade e Justiça de Alagoas foi criado em 2019, para cobrar encaminhamento às resoluções da Comissão da Verdade. De acordo com Thyago Miranda, um dos membros, o trabalho do comitê tem sido lutar para que a Comissão da Verdade não seja esquecida.
“A Comissão da Verdade foi instituída em 2011, encerrou o trabalho em 2014 com a entrega do relatório para a Presidente da República, onde ela enumera o número de agentes que participaram de diversos crimes, o número de mortos, desaparecidos, o número de indígenas, o número de pessoas que foram demitidos sumariamente. Então, a Comissão Nacional da Verdade, ela apresenta esse relatório completo e apresenta 29 resoluções que o Poder Público deveria encaminhar, entre essas resoluções uma delas é a restituição simbólica dos mandatos”.
A busca de respostas do poder público, segundo Miranda, é um trabalho em defesa da história. “A gente pressiona, cobra os parlamentares para que adotem essas resoluções, que entre outras é manter acesa a memória, sobretudo com a construção de memoriais tanto virtuais como físicos, homenagens, seja no nome de ruas, escolas, uma forma de manter vigente essa memória”.
SEM AVANÇOS NA CÂMARA
O Comitê Memória, Verdade e Justiça de Alagoas tem sido inquieto na busca de reparação histórica. De acordo com Thyago Miranda, já houve contatos com a Câmara de Vereadores de Maceió para que a mesma medida seja aprovada no parlamento e adotada, no entanto, não houve resposta.
O comitê chegou a procurar o vereador Dr. Valmir, do PT, e entregar a relação de parlamentares cassados dentro da Câmara de Vereadores, além do próprio Sandoval Caju, prefeito de Maceió, mas até agora não foi encaminhado.
Os vereadores de Maceió que foram cassados são Nilson Amorim de Miranda, Jorge Lamenha Lins (Marreco), Hamilton Morais e Claudenor Sampaio. Também foram identificados pela comissão representantes do interior. Benigna Silva Fortes, de Pilar; Luz Tenório Coelho, de Feliz Deserto e José Pedrosa Irmão, de Anadia. Já os deputados federais são Henrique Cordeiro Oest, Abrahão Fidelis de Moura, Aloísio Ubaldo Nono, Oseas Cardoso e Gerardo Magela Mello Mourão.
Historiador relata controle dos militares ordenados aos poderes Legislativo e Judiciário
No contexto político e histórico, Geraldo Majella avalia que a restituição dos mandatos cassados na ditadura militar é um gesto importante da Assembleia Legislativa do Estado.
“Reconhece-se que foi arbitrariamente invadida nos seus poderes e levada à condição de um poder subalterno aos militares. E isso é tão evidente que não só a Assembleia Legislativa de Alagoas, mas como o Parlamento Nacional, assim como o Judiciário, foram submetidos às ordens e à ordem. Ao arbítrio da ditadura, desde o dia, desde a manhã do dia 1º de abril de 1964 até a posse do presidente da transição, o José Sarney. Os militares mantiveram o controle do que foi possível manter no Judiciário, no Legislativo, e no Ministério Público. Portanto, a Assembleia, ao aprovar uma lei como essa, devolvendo simbolicamente os mandatos aos seus respectivos parlamentares, mesmo que eles não estejam mais entre nós, os seus familiares, as suas representações políticas receberão, e a sociedade tomará conhecimento de que os deputados receberam, simbolicamente, 60 anos depois os seus mandatos tiveram reconhecimento que os seus mandatos foram retirados arbitrariamente”, analisa.
As razões do regime militar eram sempre questionáveis, na leitura do historiador.
“Uma ditadura cria os seus próprios critérios ao arrepio da lei para estabelecer normas que ela própria dita, de como deve funcionar uma instituição como o Parlamento Estadual ou o Congresso Nacional ou o próprio Poder Judiciário. Então, esse arbítrio que nós vivemos durante 20 anos de ditadura, causou muitos males à sociedade e a muitas famílias em especial. Evidentemente que esses parlamentares todos ficaram frustrados de não concluir os seus mandatos, de não exercer a sua a sua função para a qual foram eleitos”, explica.
A sessão que acontecerá no Legislativo, na visão do historiador, será um momento dedicado a essas pessoas. “É uma grande homenagem a ser prestada a essas vítimas da ditadura, que foram os parlamentares estaduais, e a própria família deles que terão a oportunidade de se reencontrar, simbolicamente, com o mandato que foi conferido pelo voto popular”.
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