Política
Em 25 de março, primeira Constituição brasileira completa 200 anos
Alagoas cumpriu papel de resistência contra o império e contestou versão outorgada em paralelo à estrutura unilateral do vigente Poder Moderador entre 1824 e 1840
A primeira Constituição do Brasil completa 200 anos nesta segunda-feira (25). Bem diferente da Constituição que conhecemos hoje, vigente desde 1988, a primeira versão da lei mais importante do país foi uma imposição do imperador D. Pedro I, e não previa direitos básicos à população. No contexto histórico em que foi outorgada, em 25 de março de 1824, Alagoas foi cenário de muita contestação com revoluções, insurgências e lutas contra o império.
Trabalho escravo, por exemplo, que hoje é crime e ilegal, apesar de não ter deixado de existir, é alvo de muita fiscalização e repressão, naquele momento estava previsto justamente na Constituição. Educação pública, que atualmente é outro consenso, muito presente nos discursos de todas as vertentes políticas, em orçamento de todos os governos, até por obrigação legal, naquele tempo não existia. Era responsabilidade exclusiva da família educar, sem responsabilidade do Estado. Ou seja, só tinha direito quem poderia pagar.
Na avaliação do historiador Fabiano Duarte, professor da especialização em história de Alagoas do Instituto Federal de Alagoas (Ifal), o ponto mais positivo do texto foi sobre a demarcação de território brasileiro. “Tinha uma estrutura unitária que garantiu do ponto de vista jurídico e administrativo a unidade do território”, comentou em entrevista à reportagem da Tribuna Independente.
Fora essa parte, ele entende a lei como bastante negativa. “Essa constituição na verdade tinha como propósito, do ponto de vista jurídico, algumas questões. Entre elas as principais seriam garantir os privilégios dos latifundiários, já que o Brasil era um país agrário, vivia do agronegócio exportador com mão de obra escrava. Então, a estrutura dela era para isso, garantir a propriedade da terra da forma como ela se dava, garantir a escravatura e, por fim, garantir os privilégios de uma rica camada de comerciantes portugueses e de origem portuguesa que enriqueceram ao longo de todo o período colonial, então a estrutura jurídica basicamente era essa”, complementa.
Um ponto que se destaca nessa lei, é a instalação do poder moderador. “Além dos Três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, ela tem um quarto poder. E esse quarto poder tem inclusive uma característica absolutista, onde Dom Pedro vai por exemplo com quarto poder moderador. Ele poderia desfazer o Congresso na hora que ele quisesse. Demitir todos os deputados senadores e convocar novas eleições. Ele poderia, por exemplo, destituir todo o Judiciário a hora que ele bem entendesse”, explica Duarte.
Ao longo dos anos que se seguiram, Alagoas sentiu bem o impacto disso com a troca constante de governador. “Podia chegar naturalmente e substituir o governador na hora que ele quisesse, o Imperador queria fazer isso e ele fazia. Aqui em Alagoas mesmo ele trocou de governador várias vezes, e era o poder moderador que dava essa possibilidade”, ressalta Fabiano. Entre 1824 e 1840, foram 15 governadores. Alguns deles ficaram anos, mas outros passaram meses, e teve quem ficou por apenas alguns dias.
A proposta inicial, derrubada pelo imperador, era bem diferente. O historiador explica à Tribuna Independente, que foi construída na Assembleia Constituinte realizada em 1823 e ficou conhecida como “Constituição da Mandioca”.
“O voto era censitário, estabeleceu-se como critério de votação a quantidade de terra e os alqueires de mandioca plantados. Então, era por isso que era apelidado de ‘Constituição da Mandioca’. Quando acontece o fechamento desta assembleia, essas estabilidades e esses conflitos que vêm ocorrendo nas províncias entre portugueses e entre brasileiros nativos culminaram em acirramento. Ele [Dom Pedro, Poder Moderado] fecha a Assembleia Constituinte e persegue os deputados, que eram fazendeiros, eram pessoas influentes, principalmente aqui do Nordeste”, contextualiza.
RESISTÊNCIA: ALAGOAS NA TRINCHEIRA
As medidas impopulares do imperador aumentaram a animosidade, com resgata o historiador Fabiano Duarte. “Dom Pedro vai ter que enfrentar várias rebeliões nas províncias por conta desse autoritarismo e dessa desconfiança com os portugueses. Depois que ele fecha a Assembleia Constituinte, prende os deputados, alguns deputados mais liberais, principalmente do Nordeste, Pernambuco, ele vai mandar para fora do Brasil, condenar ao exílio. E aí vai ter outra revolta, que na verdade é uma espécie de continuidade da Revolução Pernambucana em 1817 em 1824, porque assim se fala dos 200 anos da Constituição, mas são 200 anos também da Confederação do Equador. Foi uma Insurreição, e entre vários fatores que os pernambucanos se rebelam novamente, está exatamente a constituição, a imposição da Constituição e do poder moderador. Então os Pernambucanas novamente se levantam, e novamente vão tentar montar uma república no Nordeste”.
ESTÁ NA HISTÓRIA
Personagens históricos estão em Alagoas nesse momento. “Figuras importantes em 1817, como por exemplo a famosa Dona Ana Lins, que era a mulher do Vieira Dantas que tinha força no município de São Miguel dos Campos. Eram senhores, ricos poderosos, mas que tem uma perspectiva mais liberal e que vão apoiar a Revolução Pernambucana 17 e esse pessoal vai se aproximar novamente. Essa briga, que nesse primeiro momento é de portugueses versus brasileiros/alagoanos, vai se tornar depois a briga que liberais contra conservadores. Os lisos e os cabeludos aqui em Alagoas seria o desdobramento dessa briga, porque Dom Pedro II usa bastante o poder moderador”.
ALAGOANOS NO PODER MODERADOR
A realidade atual que o Estado de Alagoas vivencia, de muitas lideranças com influência política nacional, pode ser considerada uma espécie de herança. Desde aquela época havia nomes de destaque tanto na resistência quanto ao lado do imperador.
“O poder moderador tem o conselho do imperador, esse conselho era composto de ministros, pessoas de confiança do imperador que o auxiliavam, inclusive alguns alagoanos se destacaram. Foram ministros, foram conselheiros como Tavares Bastos e outras figuras importantes, o próprio Visconde de Sinimbu”, disse Fabiano Duarte.
Na opinião dele, o modo de fazer política do sucessor de Dom Pedro I o manteve no controle por mais tempo. “O Dom Pedro II vai ser mais esperto, ele foi educado e lapidado para lidar com essa elite brasileira, por isso que ele ficou muito tempo no poder. Então, por exemplo, ele vai ora compor o ministério com os fazendeiros liberais, ora ele vai compor o ministério com os conservadores, e assim ele vai governando durante quase meio século, 49 anos de governo”, finaliza.
Alagoas conviveu com clima de revolução que culminou em sua emancipação política
No contexto alusivo aos 200 anos da 1ª Constituição Brasileira, o historiador Douglas Apratto reforça que aqui em Alagoas havia um clima instalado desde a revolução que culminou na emancipação política do Estado.
“A Revolução Pernambucana de 1817 foi de grande valia para Alagoas obter a separação de Pernambuco, porque o ouvidor Batalha freou o núcleo revolucionário liderado por Manoel Vieira Dantas e sua esposa Ana Lins. Sete anos depois, outra revolução estoura igualmente em Pernambuco”, ressalta.
Apratto também se refere à Confederação do Equador, que teve seu estopim em 1824 e se posicionava contra o imperador. “Na verdade, os ideais dos dois movimentos eram muito parecidos. E havia uma grande insatisfação com o comportamento autoritário de D. Pedro I”. A constituição não agradou os liberais, e por isso havia resistência.
“No ano anterior, 1823, os membros do Governo de Nicolau Paes Sarmento e Antônio de Holanda Cavalcante, em Alagoas, foram presos. Foi composta uma Junta governativa temporária liderada pelo Padre Lourenço Wanderley. Alagoas estava em ebulição. Esse foi o ano da Constituinte que elaboraria a Constituição de 1824, e Dom Pedro atropelou outorgando uma Constituição que contrariava o desejo dos patriotas. Um caminho inesperado porque tinham esperança de melhorias democráticas e por reformas que beneficiassem o povo brasileiro”.
As retaliações que aconteceram depois da revolução pernambucana teriam funcionado para amedrontar parte dos nacionalistas que almejavam viver independentes de Portugal, mas nem todos desistiram. Segundo Douglas Apratto, “com a deflagração da Confederação do Equador, sete anos depois, os alagoanos recém-emancipados, em sua grande parte, não quiseram entrar em um novo e perigoso movimento contra a Coroa, mas havia muitos partidários como os Lins e os Dantas, que eram favoráveis a uma República independente”.
Apesar de a constituição ter se concretizado, o imperador não saiu ileso. “Nenhuma das grandes demandas liberais foram atendidas e a Confederação do Equador foi uma das várias revoltas que estouraram no país, alimentando a crise que resultou mais adiante na abdicação do Imperador em favor de seu filho Pedro”, evidenciou o historiador.
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