Política

“Braskem praticou venda casada”, diz Rodrigo Cunha

Senador alega que empresa se aproveitou do “desespero dos moradores para obter vantagens” nas reparações

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / com Agência Senado 22/03/2024 08h40 - Atualizado em 22/03/2024 13h40
“Braskem praticou venda casada”, diz Rodrigo Cunha
“O que foi proposto às famílias foi tudo, menos um acordo. Não há acordo por imposição e sem alternativa de negociação”, diz o senador - Foto: Divulgação

A CPI da Braskem pode exigir da mineradora que os acordos feitos com os moradores dos bairros que afundam sejam revistos. É o que defende o senador alagoano Rodrigo Cunha (Podemos). Para ele, os acordos foram nocivos e feitos na ‘bacia das almas’, quando os moradores estavam sendo pressionados a desocupar os imóveis por determinação da Defesa Civil Municipal, por conta das rachaduras e dos riscos de desmoronamento.

Por conta disso, o senador Rodrigo Cunha fez duras críticas aos “acordos” impostos pela Braskem às famílias vítimas da mineração. O posicionamento de Cunha foi feito na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Braskem. Rodrigo é o único senador alagoano titular da Comissão.

O parlamentar reiterou que com a negociação a mineradora adquiriu centenas de imóveis e se transformou em uma das maiores “latifundiárias urbanas do mundo”.

Para o senador, do jeito que os acordos foram firmados, “remetem à venda casada”. Ou seja, ou o morador aceitava a indenização por danos morais – fixada em R$ 40 mil por família, independentemente do número de integrantes no núcleo familiar – ou o imóvel não seria indenizado. Como ex-diretor do Procon de Alagoas, Cunha disse que “a empresa se aproveitou do desespero dos moradores para obter vantagens” nas indenizações e no pagamento de R$ 40 mil por danos morais.

IMPOSIÇÃO

“O que foi proposto às famílias foi tudo, menos um acordo. Não há acordo por imposição e sem alternativa de negociação. E neste caso as pessoas foram obrigadas a saírem de suas casas, sem opção. Ou saíam e recebiam o que a Braskem determinava, ou não tinham para onde ir, simples assim”, afirmou Cunha.

“Inclusive com elementos que remetem à ‘venda casada’, porque as pessoas foram obrigadas a aceitar o ‘combo’, ou não teriam o acordo homologado.

“A Braskem, em meu ver, aproveitou-se do desespero dos moradores para obter vantagens. Veja bem, o Termo de Acordo, homologado pela Justiça e que viabilizou a retirada das pessoas da região, também trouxe uma cláusula perigosa: a previsão de que a Braskem - após o pagamento da respectiva indenização - torna-se proprietária dos imóveis das vítimas. Esta é uma das maiores, não a única, contradições e injustiças deste crime ambiental gigantesco: a Braskem se transformou em uma das maiores latifundiárias urbanas do mundo”, criticou Rodrigo Cunha.

O senador alagoano defendeu a revisão do “acordo” firmado entre a Braskem e os moradores, na luta por aumentar os valores e compensações recebidas pelas famílias vítimas da tragédia ambiental.

Para os defensores públicos que atuam no caso e foram ouvidos pela CPI, os acordos indenizatórios individuais firmados com os moradores atingidos foram “os possíveis” para aquele momento, mas não estão imunes a uma reparação posterior. “Este posicionamento dos defensores é correto e combativo. Eu apoio esta revisão. Precisamos fazer justiça”, finalizou o parlamentar.

Defensor público Ricardo Melro critica prática de “acordo casado” pela Braskem (Foto: Agência Senado)

Ricardo Melro: dano moral fixado em R$ 40 mi foi prejudicial

Para o defensor público estadual Ricardo Melro, os acordos da Braskem com as vítimas, embora tenham sido homologados na Justiça, precisam ser revistos, porque são prejudiciais. Segundo ele, a vítima da mineração, que teve sua residência interditada e derrubada, pode até ter saído satisfeita com a indenização em relação ao dano material, que corresponde ao pagamento do valor do imóvel desapropriado, mas com certeza não gostou do valor pago pelo dano moral, fixado em R$ 40 mil.

O defensor afirmou ainda que passou a identificar, em 2021, a “face predatória” da Braskem quando a mineradora, segundo ele, começou a praticar uma proposta de “acordo casado” ao propor essa indenização moral tabelada em R$ 40 mil por residência, independentemente do número de pessoas residentes no imóvel. Ou seja, uma família com duas pessoas em casa, recebeu o mesmo valor da indenização por dano moral pago a uma família com dez pessoas residindo sob o mesmo teto.

“Na prática é uma proposta casada. A empresa dizia assim: ‘Ou você aceita isso ou não tem acordo nenhum. A gente não faz meio acordo. Aí vocês vão para a Justiça’. E na Justiça, como todos sabem, o processo é mais demorado”, exemplificou o defensor público. Ele disse ainda que nenhum acordo está imune à revisão posterior, visto que, todos eles foram feitos “para um olhar daquele momento”, com a urgência da desapropriação exigida e dentro daquelas possibilidades que se apresentavam.

Ricardo Melro, da Defensoria do Estado, e Diego Alves, da Defensoria da União, começaram a atuar no Caso Braskem em 2019, a partir do momento em que foi atestada, pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB) e pela Defesa Civil nacional, a causa do afundamento do solo e atribuída a responsabilidade à empresa Braskem.

A partir daquele momento, a Defensoria Pública da União, a Defensora Pública e o Ministério Público de Alagoas e o Ministério Público Federal passaram a atuar numa força tarefa para conseguir, com a urgência que o caso necessitava, algum bloqueio financeiro da empresa e assim conseguir um equilíbrio na negociação de um possível acordo benéfico para as vítimas, com uma desocupação digna.

Até o momento, cerca de 60 mil pessoas tiveram que deixar suas casas às pressas, à medida que o risco de desabamento se espalhava pelos bairros de Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol. Proprietários de cerca de 16 mil imóveis, que estão dentro dessa área de risco, firmaram acordo individual para serem atendidos pelo programa de compensação financeira com a Braskem.

DANO MORAL

Questionado pelo senador Rodrigo Cunha, sobre quais fatores foram levados em conta para calcular a indenização por dano moral, Diego Alves esclareceu que, no acordo coletivo, não foram fixados valores a título de dano moral, até por ser um fator individual e subjetivo.

“O que deixamos pactuado é que a indenização precisava ser adequada, precisava ser justa, precisava reparar integralmente as vítimas que foram forçadas a desocupar os imóveis. Então, não houve o aval da DPU nem das demais instituições públicas para fixar um valor de dano moral pelo núcleo familiar e tabelado”, esclareceu Diego, em seu depoimento à CPI, na última quarta-feira.

Concluída a sessão, em entrevista à imprensa, os senadores integrantes da Comissão foram unânimes em defender a reformulação dos acordos. Nesse ponto, nós concordamos com os defensores públicos, esses acordos precisam ser revistos”, afirmou o relator da Comissão, Rogério Carvalho, do PT sergipano.