Política

TRE de Alagoas já julgou 34 dos 37 processos de fraude à cota de gênero

Em algumas situações, em três municípios, vereadores perderam os mandatos por conta da prática

Por Emanuelle Vanderlei – colaboradora / Tribuna Independente 13/01/2024 08h37 - Atualizado em 14/01/2024 08h39
TRE de Alagoas já julgou 34 dos 37 processos de fraude à cota de gênero
Tribunal Regional Eleitoral ainda tem três processos para que os desembargadores deliberem sobre as ações que impactam diretamente nos mandatos de vereadores em Alagoas - Foto: TRE

Têm sido cada vez mais comuns em Alagoas as notícias de cassação de mandatos por conta de fraudes eleitorais nas cotas de gênero. Na última semana, quatro vereadores de Coruripe foram substituídos por conta de uma decisão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nesse sentido. No ano passado, situações similares aconteceram com vereadores nos municípios de Roteiro e São Miguel dos Campos. Todos esses casos são relativos ao último pleito eleitoral, em 2020.

Até hoje, considerando os casos que já tramitaram e os que ainda estão tramitando em 2ª instância no Tribunal Regional de Alagoas (TRE/AL), o número chega a 37. Entre esses, 34 já foram julgados. Alguns casos têm recurso e chegam ao TSE. Atualmente existem 15 processos daqui de Alagoas desse tipo.

O objetivo dessa regra, que está na lei eleitoral desde 2009, é tentar corrigir a distorção que existe em relação à representatividade feminina na política. Com os artifícios utilizados pelos partidos, ao longo dos anos isso não se concretizou, mas recentemente parece estar havendo mais punição.

À reportagem da Tribuna Independente, o desembargador eleitoral Rodrigo Malta Prata Lima destaca a importância da lei. “Não há como ignorar a importância da legislação sobre o tema para reversão de um quadro participativo baixo de participação feminina, pois trouxe não apenas a coercibilidade da medida, mas provocou uma ampla discussão dentro da sociedade, atraindo ainda mais a participação de mulheres a cargos eletivos e, portanto, com poder de tomar relevantes decisões de cunho político”.

Mas, Prata Lima reconhece que ainda há resistência de as legendas em compreender. “Em determinados casos, são situações nas quais partidos políticos não estão dando a efetiva oportunidade às mulheres que querem, de fato, disputar o certame eleitoral e acabam por fraudar a sua participação, colocando candidatas ‘laranjas’ para atingir o coeficiente legal de 30% e findando por privilegiar candidatos do sexo masculino”.

Isso gera, na avaliação o desembargador eleitoral, uma demanda para a justiça, que fica com a função de garantir a aplicabilidade da lei. “A prevenção desta prática ilícita insere-se dentro das medidas de cassação que vêm sendo aplicadas em todas as instâncias. A presença feminina nos espaços de poder deve ser festejada e não se tornar alvo de simulações irremediáveis aos interesses de determinada parcela social”.

Algumas medidas estão sendo adotadas para tentar agir de forma preventiva. “A Justiça Eleitoral de Alagoas tem trabalhado constantemente para conscientizar e ampliar a participação feminina nas eleições, seja por intermédio da Comissão de Participação Feminina, criada para fomentar ações internas e externas de conscientização da importância da mulher no processo eleitoral fomentando eventos e ações, online e presenciais, destacando a importância das candidaturas femininas, seja por intermédio da Ouvidoria da mulher, criada em 2021 para dar um canal direto da classe com o tribunal. Para além disso, a Assessoria de Comunicação do Tribunal desenvolve campanhas nas redes sociais para elucidar a importância da representatividade das candidaturas femininas”.

EVOLUÇÃO DA LEI E FISCALIZAÇAO

A advogada eleitoral Larissa Calheiros explica que isso foi evoluindo com o tempo. “Apesar de a Lei das Eleições datar do ano de 1997, ainda nesta época as questões atinentes à igualmente de gênero não possuíam discussões expressivas, tanto é verdade que a exigência do percentual mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo por partido na eleição [vigente até hoje] somente foi acrescentado à lei no ano de 2009”.

Calheiros aponta que há cobrança não apenas da justiça, mas dos próprios adversários. “As fraudes existem, não se pode negar, mas a justiça, as coligações, partidos e próprios candidatos adversários mantêm-se cada vez mais vigilantes com o descumprimento dessas exigências legais. O interesse em alcançar o sucesso no pleito eleitoral acaba tornando os próprios candidatos e agentes eleitorais fiscais uns dos outros e, portanto, da norma, o que acaba sendo positivo para o sistema eleitoral como um todo”.

Ela relata um processo em que atuou nesse combate. “Especificamente num contexto de um município alagoano, trabalhei em parceria com um grande escritório numa ação que objetivava cassar o mandato de candidatos apresentados em chapa partidária irregular no preenchimento das cotas de gênero. O desfecho processual foi pelo reconhecimento da fraude e pela violação ao referido requisito legal, sobretudo considerando fatos comprovados como [1] candidatas mulheres sem votação expressiva nas eleições, [2] candidatas mulheres que sequer possuíram gastos de campanha [movimentações financeiras] demonstrados nas prestações de contas e [3] candidatas mulheres que não realizaram atos de campanha. A reunião dos fatos, devidamente comprovados, foi suficiente para a justiça eleitoral entender que as candidatas eram ‘laranjas’ e que houve, em verdade, tentativa de fraudar a exigência legal quanto às cotas de gênero. Punição máxima, cassação do mandato”.

Confiante de que as coisas estão melhorando, Larissa Calheiros vê um cenário cada vez mais difícil para quem acredita que pode burlar as regras. “A realidade do Judiciário brasileiro é complexa, sobretudo no que diz respeito à morosidade da tramitação processual, no entanto, vem evoluindo com o passar do tempo e, o que é melhor, vem punindo, com a mais severas das penas [cassação do mandato], para aqueles que insistem em acreditar na impunibilidade”.