Política

Sandoval com S maiúsculo: o centenário do homem, do político que marcou época

Centenário de nascimento do ex-prefeito de Maceió Sandoval Cajú aconteceu na quinta-feira (16)

Por Wellington Santos / Tribuna Independente 18/11/2023 08h43 - Atualizado em 18/11/2023 16h51
Sandoval com S maiúsculo: o centenário do homem, do político que marcou época
Sandoval Cajú (de terno preto) com figuras políticas importantes na década de 1960 - Foto: Portal História de Alagoas / Arquivo

Na semana que passou, exatamente no dia 16 de novembro (quinta-feira), foi o centenário de nascimento de um dos mais importantes — e folclóricos — políticos que já passaram por terras alagoanas, especialmente a capital Maceió, onde foi prefeito na década de 1960.

O fato é que o astuto, de palavra fácil e muito espirituoso, Sandoval Ferreira Cajú em pouco tempo se tornou um dos maiores personagens do cotidiano do maceioense.

Se notabilizou, além da verve, pelo aspecto físico, pois era alto e de cabeleira cheia. Paraibano de muito talento, nascido em 16 de novembro de 1923 na pequena cidade de Bonito de Santa Fé, alto sertão da Paraíba. Passou uma temporada no Rio, voltou para João Pessoa impressionando a província com um límpido cartão de visita confeccionado em linho, com a seguinte inscrição: Sandoval Cajú, locutor da Rádio Relógio do Distrito Federal. Passou ainda pela Rádio Tabajara da Paraíba. Já em Alagoas, ingressou na Rádio Difusora onde fez o seu primeiro grande programa de auditório, Palito de Fósforo: o programa incendiário dos auditórios.

E a partir disso fez história. E a Tribuna traz à baila nesta reportagem um pequeno recorte desta vida e, ao mesmo tempo, uma singela homenagem.

PRAÇAS, VERVE E DEMOCRACIA, SUAS MARCAS REGISTRADAS

Trabalhando com desenvoltura o que atualmente é considerado como “marketing”, elegeu a construção e recuperação de praças como ações que ofereciam a possibilidade de deixar sua marca na cidade. E assim aconteceu: a letra “S”, de Sandoval, passou a ser parte integrante da reurbanização dos espaços públicos da capital. Construiu 36 novas praças e recuperou 22 das existentes.

Praça Moleque Namorador, no bairro da Ponta Grossa, é um dos poucos locais onde ainda podem ser encontradas uma das maiores marcas da sua gestão: o “S” de Sandoval (Foto: Adailson Calheiros)

No dia do centenário do ex-prefeito, seu genro, o médico e deputado estadual José Wanderley Neto, casado com Simone Cajú, filha de Sandoval, expressou sua homenagem em uma rede social, ao postar uma foto de seu casamento: “Ao lado da minha esposa e meu saudoso sogro, Sandoval Cajú, comemoramos o centenário de nascimento desse homem que entrou para a história de Maceió”, postou no seu perfil em uma rede social.

À Tribuna, Wanderley ressaltou o fato de que na gestão de Sandoval Cajú na Prefeitura de Maceió uma relevante ação em prol dos mais pobres se desenvolveu. “Foi com ele que as televisões foram para as praças e as pessoas de baixo poder aquisitivo puderam assistir, porque só quem tinha TV em casa eram as pessoas de alto poder aquisitivo naquela época”, lembrou o deputado estadual.

E ratificando o que disse Wanderley, foram estas praças que receberam televisões públicas, que atraiam verdadeiras multidões para vê-las. Era uma iniciativa tão importante que cada unidade dessas foi inaugurada solenemente. Na época, um aparelho de televisão era muito caro, o que impedia o acesso da maioria da população a este veículo de comunicação.

A arquiteta Josy Ferrare, no documentário “Sandoval Cajú, além do Conversador”, destacou que “a grande revolução urbanística promovida por Sandoval Cajú foi nas praças. Ele mudou a forma do traçado – o layout, modificou a forma dos bancos, que eram até então simples, segmentados, e passaram a ser contínuos, sinuosos, alguns na forma que ele desenvolveu do ‘S’; bancos circulares em volta de troncos de árvores. Ele deu toda outra dinâmica às praças”.

OS “CAUSOS” DE SANDOVAL: “AMIGO” DO MARECHAL FLORIANO PEIXOTO

Autorizado por uma licença médica em 1951, foi passar três meses em João Pessoa. Lá aceitou o convite do diretor-geral para trabalhar na Rádio Tabajara, onde assumiu a função de locutor-chefe. Apresentava os seguintes programas: Quartel General do Rádio, Página Poética e Papos Noturnos.

Seis meses depois voltou a Maceió e como havia sido demitido da Rádio Difusora, foi ser repórter do Jornal de Alagoas e corretor de publicidade de rádio e jornal.

Em 1958, com o programa Tribuna do Povo na recém-criada Rádio Progresso, passou a liderar a audiência ao expor os problemas de Maceió.

Como locutor e animador de auditório, gozando de grande prestígio popular, aproveitou os espaços que os seus programas ofereciam e fez vitoriosa carreira política.

Durante a campanha ia para as praças todo vestido de branco e, de cima de um caminhão, começava seus discursos com a seguinte frase:

– “Vim de branco para ser claro”!

Sandoval Ferreira Cajú, o rei da irreverência, da verve, que se notabilizou como político, agradava a população. Aqui em um de seus inúmeros comícios: “Vim de branco para ser claro!” (Foto: Portal História de Alagoas / Arquivo)

E tanto foi de branco e tanto foi claro que acabou ganhando as eleições e se elegendo, nas eleições de 3 de outubro de 1960, prefeito de Maceió.

Nesta campanha contou com o “apoio” do alagoano Marechal Floriano Peixoto, que já tinha morrido em 1895.

Marcou um comício para a Praça dos Martírios em frente à estátua de Floriano Peixoto. A praça cheia, começou a falar e de repente abriu os braços largos:

– Marechal Floriano, vós que sois o patrono da terra das Alagoas, dizei a este povo se estais ou não estais apoiando a candidatura de Sandoval Cajú à Prefeitura de Maceió.

A praça em silêncio, esperando. Sandoval, braços ao vento, insistia:

– Respondei, Marechal! Respondei! – Depois, com a voz embargada e os olhos marejados de gratidão, gritou:

– Obrigado, Marechal! Muito obrigado! Quem cala, consente!

Venceu a eleição realizada no dia 3 de outubro de 1960, derrotando Jorge Quintela, Joaquim Leão e Cleto Marques Luz. Sandoval ganhou em todas as 223 urnas da capital.

A Tribuna também conversou com um dos filhos de Sandoval, Clemenceau Cajú, 63 anos, que relembra a verve e o bom-humor do pai na inauguração de uma das mais populares praças entregues pelo ex-prefeito:

“A história da inauguração da Praça Centenário ficou marcada para mim. Segundo relato das pessoas, é que teve mais gente na inauguração da praça do que a população de Maceió, que veio muita gente do interior, né? E ele botou lá o mapa de Alagoas e dois índios, o Tabajara e o Caeté”, diz Clemenceau. “Aí no discurso, ele falou: ‘Tabajara e Caeté, Caeté e Tabajara são crentes da mesma fé e ninguém jamais os separa. O povo é Caeté e o prefeito é Tabajara, e aí o foguetório comeu no centro, né?”, completou o filho, ao fazer uma revelação:

“Outra parte também que marcou é que ele morreu e nunca disse que o “S” dos bancos das praças que todo mundo fala, em verdade, não era ideia dele. Quem deu a sugestão do “S” foi um rapaz que fazia mármore no bairro da Ponta Grossa que perguntou: ‘Prefeito, por que o senhor ao inaugurar as suas praças não bota um ‘S’?”

“Aí ele pegou, fez e assim ficou, mas não foi ideia dele”, completa Clemenceau.

De acordo com Clemenceau, nas resenhas do pai nas rodas de amigos, esbanjando seu bom-humor característico, ele explicava que os tais “S” dos bancos significavam “sente-se”, os dos rela-relas eram “suba”, os da calçada eram “siga” e o dos sanitários eram “sirva-se”!

E nessas resenhas, Sandoval dizia que tinha um projeto de fazer um hospital “SS”. “E o hospital que eu tô pretendendo fazer é SS, é Super Socorro, ele vem de helicóptero...”

CASSAÇÃO, UM CAPÍTULO TRISTE DO IRREVERENTE CAJÚ

Mas ao contrário de Sandoval Caju, com seu jeito irreverente, espirituoso, a vida real não é só feita de alegrias, nem de bom-humor. E apesar de sua popularidade como prefeito de Maceió, em 1965, sua possível candidatura ao governo do Estado teria incomodado o então governador Luiz Cavalcanti e seu grupo político, que pretendiam controlar a sucessão do governador em 1965 e passaram então a “maquinar um meio” de afastar o prefeito da capital da disputa.

Isso somente foi possível com o golpe civil-militar de abril de 1964. Sandoval Cajú foi cassado e deixou a Prefeitura no dia 8 de abril daquele ano. Seus direitos políticos somente foram restabelecidos em janeiro de 1979.

Banco em formato de “S” na praça Guedes de Miranda, no bairro de Ponta Grossa: outra marca registrada do ex-prefeito de Maceió (Foto: Adailson Calheiros)

Em entrevista para o Diário de Pernambuco de 21 de fevereiro de 1978, Sandoval contou que nos dois anos imediatamente após a cassação passou por “muitas necessidades”: “E o pior que não podia exercer a minha única profissão, a de advogado, por consequência revolucionária. Alguns débitos contraídos por mim foram pagos pelo meu pai, que veio da Paraíba. Mas depois me reabilitei, estando agora vivo e tranquilo”, disse ao matutino pernambucano à época. Ele concluiu o curso na Faculdade de Direito da Ufal em 1963.

Somente em 1985 foi que Sandoval Cajú voltou a disputar uma eleição. Era a primeira eleição para a capital após longo período de impedimentos autoritários.

SANDOVAL, UM LEGADO DE AMOR À FAMÍLIA

Outro detalhe que o filho Clemenceau Cajú faz questão de ressaltar é o carinho que tinha pela esposa. “Minha mãe tinha diabetes e ficou enferma numa cama por mais de seis anos. Todos os dias ele ia visitá-la, às 5 horas da tarde, sempre. Eu nunca vi uma mulher tão apaixonada como minha mãe era por ele e quando ele chegava, a enfermeira dizia: ‘Doutor Sandoval Cajú chegou!’. “E minha mãe dizia para não deixar ele entrar antes de pintar as unhas, colocar batom. Ela se divertia e passava mais de uma hora conversando com ele e era bem engraçado. Minha mãe faleceu em 1991”, conta Clemenceau.

“Além disso, ele era um bom pai. Tenho muitas saudades dele”, completa o hoje adulto que, ainda criança, era um dos filhos mais presentes de Sandoval, inclusive como motorista favorito do ex-prefeito de Maceió.

“Na viagem com ele de 700 km para Bonito Santa Fé, terra natal dele, eu sempre ia quase todos os anos. E dirigindo o carro para ele a distância se tornava bem perto porque ia me divertindo conversando não só como pai e filho, mas como amigo mesmo”, diz Clemenceau, ao lembrar de um fato: “Inclusive teve uma ocasião que eu ia com mais de 150 km no carro e ele lendo o jornal ao lado. E ele abaixou o jornal e olhou o velocímetro do carro e disse ‘baixa a bola para a gente chegar vivo! Eu só fazia rir’...”

Sandoval Cajú faleceu no dia 23 de maio de 1994, aos 70 anos, vítima de câncer de pulmão.