Política

Alagoanos estão na história dos 35 anos da Constituição Federal

Personagens políticos como Renan Calheiros, Teotônio Vilela Filho, Thomaz Nonô e José Costa relatam o que vivenciaram, pensam sobre a Carta Magna e sua constante atualização

Por Emanuelle Vanderlei - colaboradora / Tribuna Independente 18/11/2023 08h03 - Atualizado em 18/11/2023 09h05
Alagoanos estão na história dos 35 anos da Constituição Federal
Renan Calheiros e Teotônio Vilela Filho contribuíram decisivamente para a promulgação da Constituição Federal em 1988 e hoje avaliam sobre garantias e direitos da Carta Magna - Foto: Edilson Omena e Adailson Calheiros

Direito ao voto com 16 anos, presidir a comissão que estruturou o Poder Judiciário e o Ministério Público e inclusão do termo sertões na Carta Magna. Todo este debate está na história das contribuições de alagoanos durante a criação da Constituição Federal Brasileira.

Completados 35 anos este mês, a Constituição nunca esteve tão forte. Nos mais diversos setores, é comum vê-la ser invocada para cobrar ações de estado, impedir movimentações públicas e até mesmo impedir que leis sejam aprovadas por ferir algum de seus artigos. Essa lei, que até hoje é considerada a principal do país, foi construída durante uma assembleia constituinte instalada em fevereiro de 1987 com a eleição de 487 deputados e 76 senadores exclusivamente para esta finalidade. O processo durou 20 meses e teve o seu resultado promulgado no dia 5 de outubro de 1988.

Representando Alagoas, participaram da assembleia nacional constituinte os deputados Albérico Cordeiro (PFL), Antonio Ferreira (PFL), Eduardo Bomfim (PMDB), Geraldo Bulhões (PMDB), José Costa (PMDB), José Thomaz Nonô (PFL), Renan Calheiros (PMDB), Roberto Torres (PTB) e Vinicius Cansanção (PFL). Como senadores, participaram Divaldo Suruagy (PFL), Guilherme Palmeira (PFL) e Teotonio Vilela Filho (PMDB).

Quatro desses personagens estão vivos e continuam acompanhando o desenvolvimento da política em Alagoas com assiduidade. Um deles, único com mandato, é o senador Renan Calheiros. Além dele, no Congresso Nacional de hoje em dia existem apenas quatro ex-constituintes.

Em entrevista recente ao Correio Braziliense, Renan Calheiros avaliou que o momento da promulgação como um “aprendizado de Brasil inigualável”. Ex-presidente do Senado, ele enalteceu a função social do texto final. “Sem dúvida, foi o retorno da democracia, da institucionalidade, das liberdades, da cidadania e dos resgates socioeconômicos proporcionados pelos capítulos dos Direitos e Garantias, da Organização dos Poderes e o vital capítulo da Ordem Social”.

Foi Calheiros quem propôs o direito ao voto para jovens entre 16 e 18 anos de idade. “Vim de uma geração que pediu nas ruas uma Assembleia Constituinte livre e soberana.” Avaliando que os principais avanços foram direitos sociais estabelecidos, ele destaca também a retomada das prerrogativas ao poder legislativo, que havia sido “humilhado e amordaçado” pelo regime militar.

A presença de Renan até hoje no parlamento pode ser um sinal de que ele tem conseguido se adaptar às mudanças da sociedade que vem acontecendo ao longo dos anos. Isso se reflete em sua fala, aberta às mudanças no texto original. “A sociedade muda numa velocidade absurda a partir da digitalização. As leis precisam mudar para acompanhar essa dinâmica irrefreável”.

Ele explica de forma mais aprofundada. “Essa flexibilidade para oxigenar as normas legais é a maior contribuição das constituições democráticas que sempre estão prontas para mudanças, aprimoramentos e, nesse caso, para modernizações que o futuro impõe. Apenas os estados totalitários são herméticos e refratários a mudanças e aperfeiçoamentos. A maior contribuição dela é se reconhecer imperfeita ao ponto de ser refeita diariamente”.

BRASIL: DAS DIRETAS JÁ! À CONSTITUINTE

Os outros três alagoanos que estiveram na constituinte são Teotonio Vilela Filho, José Costa e José Thomas Nonô. E foi com eles que a reportagem da Tribuna Independente manteve contato para uma análise sobre os 35 anos da Constituição Federal.

Com perfis completamente distintos entre si, cada um traz uma visão do que foi participar da constituinte, qual o saldo final em 1988 e o que representa hoje a Constituição Federal, depois de tantos anos e com tantas emendas, mas um ponto em comum no discurso de todos, é o orgulho de ter feito parte deste capítulo da história.

Teotonio Vilela Filho, que já governou Alagoas por dois mandatos, afirma que “a Constituinte, na verdade, foi um encontro desarmado do Brasil com o passado para a construção de seu presente e de seu futuro”. Na leitura dele, esse é um legado que conseguiu se preservar, apesar dos possíveis erros. “Uma Constituição tecida com marcas tão visíveis de cidadania que nem seus equívocos históricos conseguiram ofuscar”.

Citando algumas lideranças, ele afirma que “o Brasil soube se dar as mãos para enfrentar desafios e não pessoas. Para perseguir objetivos e não dissidentes. O Brasil fugiu da armadilha em que caíram outros vizinhos sul-americanos de marcar o pós-ditadura com travos e ressentimentos, com ranços e divisões”.

Sobre a sua participação, ele acredita ter cumprido o papel. “Confesso, sem soberba, meu profundo orgulho por ter participado ativamente dos momentos históricos da confecção, aprovação e promulgação da nossa Constituição Cidadã”. Teotonio Vilela relembra parte de sua contribuição. “Defendi na tribuna, fiz emendas e votei sistematicamente em benefício de todas as propostas sociais, ambientais e economicamente justas. Tenho também a honra de ser o responsável pela inclusão da palavra e do conceito ‘sertão’ no texto da Constituição, pela primeira vez na história do Brasil”.

A história do Brasil escrita na constituinte, de acordo com o ex-senador, fruto do clamor popular. “A Assembleia Nacional Constituinte foi um claro divisor de épocas. O Brasil havia saído de uma anistia consentida para a campanha das ‘diretas já!’, cujo sonho foi a princípio adiado no Congresso Nacional, mas ganhara o coração do Brasil”. E faz referência ao enfretamento do regime militar. “Esse grito irrompeu das gargantas do Brasil com tal força e intensidade que calou a própria ditadura. O Brasil saiu dos comícios das ‘diretas já!’ para a Assembleia Constituinte”.

CRÍTICAS SÃO DO PROCESSO

Sobre as críticas que até hoje surgem contra a constituição, ele entende que fazem parte. “Sempre haverá críticas válidas e consistentes, sobretudo quando tecidas com a visão de hoje para um cenário de quase 40 anos. Há quase meio século, outros eram os desafios a superar. Outra, bem diversa, era a conjuntura de um país que buscava se reencontrar, numa grande e incessante busca de convergências no meio de tão fundas e delicadas dissensões.

E defende mais uma vez o fruto do trabalho que fez parte. “São perfeitas as constituições? Logicamente que não, até por serem produtos humanos. Precisam de ajustes? Sempre. Mas nenhuma das imperfeições que possam estar contidas em nossa Carta Magna é maior, ou mais significativa, que os avanços e os benefícios que estão registrados em suas páginas”.

Olhando para frente, Teotonio deseja mais avanços sociais. “Conquistamos a cidadania. Queremos agora a anistia social. Temos a esperança imortal de alcançarmos dias melhores, um tempo mais justo socialmente, mais desenvolvido em todos os sentidos, o tempo da democracia plena. Pode parecer uma utopia distante. Mas há menos de 50 anos, eleições diretas para presidente da República e a própria Constituinte eram, na verdade, um sonho de visionários”.

Para Nonô, a CF deveria conceder os direitos de forma clara e sucinta

Apesar de declarar o mesmo orgulho dos colegas ao mencionar a sua participação na constituinte, José Thomaz Nonô é mais crítico à sua aplicabilidade. “Acho que o saldo da constituição é altamente positivo, acho que algumas instituições corresponderam claramente às expectativas da sociedade, outras nem tanto”.

Detalhadamente, ele fala sobre a forma que o texto foi escrito com tantos interesses distintos envolvidos. “Acho que ela contempla, de uma maneira genérica, boa parte dos interesses da sociedade. Mas a Constituição é a Carta Magna, ela não é uma lei, nem um código penal, nem coisa nenhuma. E o fato é que a constituição é marcada também pela inclusão de inúmeros termos, inúmeros temas que são claramente infraconstitucionais, não são constitucionais e estão lá. Estão lá porque o interessado era bem relacionado, ajeitou argumentou bem e tal, e aí bota na Constituição. Não que estejam errados em si, mas não são temas da Constituição e geram uma série de problemas posteriores. Outro grande problema é que quando se estabelece um conflito que era vamos dizer assim, insuperável no momento deixa-se para a legislação infraconstitucional e está aí, nós estamos com 35 anos da Constituição e boa parte dessa legislação jamais foi promulgada”.

Citando trechos da lei, ele acredita que isso não condiz com a realidade. “Aquele negócio que os poderes eram independentes e harmônicos entre si é uma frase lindíssima, na prática não é. Na prática, por exemplo, no momento atual nós assistimos uma clara antropofagia muito Judiciário em relação ao Legislativo e em relação ao Executivo”.

José Thomaz Nonô disse que a Constituição "contempla, de uma maneira genérica, boa parte dos interesses da sociedade" (Foto: Flávio Peixoto)

Do ponto de vista individual, ele diz que esperava mais. “Ficou muito aquém do que eu gostaria. Eu gostaria de uma Constituição que desse todos esses direitos de forma claramente sucinta, concisa, como são os textos constitucionais do planeta inteiro. Os dispositivos constitucionais não são discursos. Aquele artigo primeiro da Constituição, aquilo é um discurso. Isso é um discurso: ‘darei a todo mundo o céu a lua e as estrelas’. Sim e onde é que está o mecanismo para gerar isso? Em canto nenhum. Nem na Constituição, dentro, nem fora dela”.

Apesar desses detalhes, ele diz que o resultado foi bom. “Saldo Positivo! Me orgulho de estar lá, muito. Só eu sei o trabalho que deu porque fui um entre muitos outros que trabalharam muitíssimo para que aquilo viesse aflorar.

Resgatando as memórias daquele período, ele começa com a instalação. “Acabou o governo militar, você teve um governo civil as leis evidentemente ou eram muito defasadas, porque eram leis da época pretérita, da época de Juscelino no máximo por aí ou é uma legislação um fruto do arbítrio fruto do período da ditadura militar então havia necessidade de se fazer uma ampla reforma havia uma vontade também de que isso acontecesse e foi ficando pacífico de que a primeira e grande mudança que tinha a se fazer era sobre a Constituição”.

Com um trabalho exaustivo, ele fala sobre sua contribuição. “A minha participação é muito honrosa para mim, me orgulho muito dela, porque dos oito presidentes de comissão, foram só oito de 600, eu fui um deles. E presidia a comissão de organização do Estado. E também fui o único alagoano único entre deputados e senadores a ser membro da comissão de sistematização que foi quem costurou o texto final da Constituição. Era um trabalho intenso porque você varava as noites nas sessões a quantidade de proposição era uma coisa absurda”.

José Costa: “a luta garantiu uma nova vida institucional ao país”

Com 88 anos de idade e atuando no direito há 63, José Costa se emociona ao lembrar do momento em que a Constituição Federal foi promulgada. Em contato com a reportagem da Tribuna Independente, ele também faz uma avaliação sobre os 35 anos da Carta Magna e diz que naquele momento, a preocupação era distanciar do processo de ditadura militar.

“A luta era pelo restabelecimento do Estado de direito democrático, tendo como pressuposto a gente pegar todo aquele entulho legislativo da ditadura e botar no lixo. E começar então uma nova vida institucional com a convocação de uma assembleia nacional constituída”, lembra.

Como deputado federal dentro do período da ditadura, José Costa explica que havia uma movimentação popular e também dentro do Congresso Nacional. “A constituinte foi um anseio popular, chegou um ponto em que os militares verificaram que estava no próximo do ponto de ruptura. Ou faziam, ou permitiam a convocação da assembleia nacional constituinte ou então tinham de se preparar para enfrentar uma convulsão social”. E reconhece a atuação do presidente Lula para isso acontecer. “Nesse particular, o Lula teve um papel muito importante como líder sindical em São Paulo, no ABC, e nós desaguamos aí na constituinte”.

Mesmo fora do Congresso, Costa se manteve nas disputas eleitorais locais em Maceió, mas sempre evitando assumir compromissos maiores como encabeçar uma chapa de prefeito da capital alagoana, pois esperava a hora de participar da constituinte. “Eu achava que isso seria uma realização, não só porque eu era advogado, mas era a fundação, vamos dizer assim, de uma luta de toda essa vida política”.

José Costa lembra que nos embates da constituinte foi necessário fortalecer o combate à ditadura e “jogar no lixo” os entulhos legislativos daquele período (Foto: Adailson Calheiros)

Sua principal contribuição, recorda, foi participar de uma subcomissão que deu os primeiros desenhos para o poder judiciário e o ministério público. “Essa subcomissão estruturou, botou no papel um esboço do que seria o Poder Judiciário na atual constituição. Foi um trabalho que nós fizemos muito interessante. E aí esse trabalho da subcomissão foi para a comissão para comissão do Poder Judiciário e Ministério Público que era presidida por outro alagoano que era José Thomaz Nonô. Nós saímos de uma ditadura onde uma resolução administrativa revogava um decreto e um decreto revogava a Lei. E a Lei muitas vezes revogava a constituição, aí vinha o ato institucional e revogava tudo”.

“Mas uma das coisas mais pavorosas que eu vi foi a suspensão do Habeas corpus. O poder judiciário não podia apreciar violência contra pessoa, e violência afetando direito locomoção daqueles que fossem punidos com base nos atos institucionais. Isso aí foi uma vergonha. Isso é um período de muita vergonha para o país”.

Ainda com um certo encantamento, ele fala sobre a experiência vivida. “Era a oportunidade que a sociedade brasileira estava dando a um grupo de senadores e deputados constituintes de restabelecer o estado direito democrático. Então, para mim, isso foi uma coisa extraordinária. Aquilo que saiu da minha comissão que foi posteriormente aperfeiçoado na comissão presidida pelo José Thomaz Nonô, é o que está hoje na Constituição a respeito do Poder Judiciário e do Ministério Público. Eu trabalhei muito em favor do Ministério Público”.

De acordo com a memória do jurista, a expectativa da constituinte era restabelecer o Estado Direito Democrático. “Acabar com censura, dar ao Poder Judiciário as garantias que eles têm hoje na constituição: Inamovibilidade, irredutibilidade de vencimento, isso tudo são garantias inerentes a atividade do juiz, e nós procuramos prestigiar”.

Carta Magna é a comprovação da estabilidade política

À Tribuna, o advogado José Costa, ao continuar se referindo aos 35 anos da Carta Magna, utiliza exemplos contemporâneos de como a constituição tem cumprido seu papel.

“Cumpriu dando estabilidade política ao nosso país. Durante esse período todo nós tivemos na presidência da República pessoas tresloucadas, como era o caso do nosso ex-presidente [Jair] Bolsonaro, que ameaçava fechar o Supremo, dar Golpe de Estado, chegou a articular isso, mas essa constituição garantiu as instituições. Me orgulho muito do trabalho que nós fizemos nessa constituição, ela é prolixa, é muito grande, quando comparado por exemplo com constituição dos Estados Unidos que você tem pouquíssimos artigos o todo regramento é feito através da legislação ordinária. Mas tem muito mais virtudes que pecados, muito mais valores do que é deméritos”.

Carta Magna de 1988 pôs fim a 21 anos de ditadura militar (Foto: Agência Brasil)

A delegação do estado, segundo José Costa, era qualificada. “Nós de Alagoas demos uma contribuição boa. Alagoas mandou um time que na média eu acho que estava até um pouco acima da maioria dos estados. Enfim, eu acho que o trabalho foi muito bom”.

Questionado sobre a possibilidade de uma nova constituinte, ele garante que vai lutar para evitar mudanças. “Eu não sei se seria adequado fazer isso agora exatamente. Eu acho que nós temos através de emendas à Constituição feito adequação a essas novas situações de políticas institucionais, eu acho que não seria o caso. Mas quero lhe dizer o seguinte, eu tenho para mim que se houvesse a convocação de uma nova constituinte, que eu sou contra pois tenho medo de mexer muito nela, eu tenho certeza de que se houvesse a convocação de uma constituinte eu certamente seria candidato, para defender muito do que está nessa constituição. É uma coisa que eu devo ao povo de Alagoas, essa eleição para constituinte é alguma coisa que calou fundo no meu peito é bom que eu nunca vou esquecer isso”.