Política

Duas etnias em Alagoas esperam demarcação de terras

Governo federal já confirmou que processos finalizados terão 14 homologações; Xukurus Kariris e Kariris Xokós renovam esperança

Por Emanuelle Vanderlei - colaboradora / Tribuna Independente 07/04/2023 08h00 - Atualizado em 09/04/2023 04h11
Duas etnias em Alagoas esperam demarcação de terras
Em Palmeira dos Índios, Xukurus Kariris têm expectativa de contar com terras de forma reconhecida pelo governo - Foto: Nide Lins / Arquivo pessoal

Duas etnias alagoanas estão na expectativa de ser contempladas com as 14 primeiras demarcações de terras indígenas anunciadas no mês passado por Sônia Guajajara, ministra dos Ministério dos Povos Indígenas do Brasil. De acordo com Maynamy Santana, superintendente de Políticas para os Povos Originários, órgão ligado à Secretaria de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos (Semudh), em Alagoas, duas regiões – Xukuru Kariri, de Palmeira dos Índios e Kariri Xokó, de Porto Real do Colégio –, estão em fase final no processo para, em breve, ter a área homologada pelo Governo Federal.

À reportagem da Tribuna, Maynamy Santana ressalta que a demarcação não trará prejuízos econômicos e será mais um passo para preservação socioambiental das regiões.

“Alagoas tem duas terras em processo de finalização, Xukuru Kariri, de Palmeira dos Índios, e os Kariri Xokó, de Porto Real do Colégio. A avaliação que nós fazemos é que há um ganho principalmente na preservação de biomas porque a maior área de proteção ambiental está dentro da demarcação. Assim como em Porto Real do Colégio que também tem áreas de biomas extremamente relevantes não apenas para Alagoas, mas para o Brasil e o mundo, que vive hoje uma crise climática imensa. É importante frisar que no relatório da Embrapa a área de demarcação é área de não produtividade. Essa questão econômica é subjetiva, o discurso é mais político que técnico”, argumenta o superintendente.

LEVANTE EM BRASÍLIA

Lideranças indígenas alagoanas e todas as etnias do Brasil estão indo com frequência a Brasília para tratar especificamente com o Governo Federal sobre a demarcação das terras. De acordo com o cientista político e membro do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Jorge Vieira, em Alagoas, existem comunidades indígenas em que o processo de demarcação sequer iniciou. Quanto a Xukuru Kariri (Palmeira dos Índios) e Kariri Xokó (Porto Real do Colégio), são questões já concluídas, aguardando somente a homologação via governo.

“Na verdade, em Alagoas, temos 12 etnias, e uma está na jurisdição do Estado, que é de uma comunidade de Sergipe, a Xokó. Essa está demarcada. Naturalmente, de Alagoas, não há nenhuma demarcada. Sem demarcação finalizada, atualmente existem 11 etnias alagoanas precisando passar por este processo”, comenta Vieira em contato com a reportagem da Tribuna.

Ainda de acordo com Jorge Vieira, a demarcação passa por seis etapas. “Primeiro, a criação do GT [Grupo Técnico], segundo a identificação do território, terceiro encaminha o relatório para a Funai [Fundação Nacional do Índio], quarto encaminha para o Ministério da Justiça, quinto para o presidente da República e por fim para registro no patrimônio da união”.

Jorge Vieira explica, ainda, que existe um processo legal de demarcação das terras indígenas que data da época em que o presidente da República era Fernando Henrique Cardoso. Com o passar dos anos, pouco se avançou neste contexto.

A esperança, comenta o cientista político e membro do Cimi, é que no governo do presidente Lula (PT), as demarcações avancem e também contemplem as etnias em Alagoas.

“Tem um decreto que regulamenta o processo administrativo de demarcação de terra que é de 1996, do Fernando Henrique Cardoso quando era presidente. E a primeira etapa do processo é a constituição do GT, o Grupo Técnico coordenado por um antropólogo para efetuar o processo de identificação dos territórios. Tem todos os procedimentos nesse decreto. O problema é que nunca foi cumprido o que está no decreto”.

Processo já ocorreu há mais de 15 anos com Xukurus Kariris

No município de Palmeira dos Índios, o processo de demarcação das terras dos Xukuru Kariri tem mais de 15 anos, segundo o cacique Cicinho, um dos líderes do povo, ao tratar do tema com a reportagem da Tribuna.

Ele tem a esperança de que a atual presidência consiga homologar as terras, já que todo o processo de demarcação foi superado. “Todos os estudos iniciaram há mais de 15 anos. Há oito anos, o processo está com tudo finalizado, restando apenas a homologação da presidência. A expectativa com esse novo governo é que aconteça”.

Ao longo desse tempo, o cacique Xukuru Kariri relata que as demarcações físicas têm sido desrespeitadas. “Demarcada a área já está, as demarcações físicas. As placas foram arrancadas, o desrespeito com a lei brasileira, com a Constituição é terrível. As pessoas ficam violando, trazendo a violência incitando medo nas comunidades indígenas”.

Para se ter uma ideia do benefício da demarcação, somente no povo Xukuru Kariri, a demarcação deve contemplar em torno de 3.500 indígenas, de acordo com o cacique. Ele afirma que a área tem em torno de 450 títulos de terra. “A mudança não é fácil, e a terra sendo homologada pelo presidente da República não deve representar vida fácil para a comunidade, pois a mudança tende a causar conflitos de interesses com os posseiros [pessoas que ocupam terra de forma irregular]”.

O cacique levanta, ainda, outra situação que pode causar complicadores quanto à demarcação que é trato legal entre Governo Federal e os chamados “pequenos posseiros”, que ao ter posse de pedaços de terra, precisam ser indenizados.

“Muitas vezes as pessoas não aceitam aquele total de indenizações, porque o pequeno posseiro, digamos assim, eu não sei se eles têm o conhecimento que precisa do que é que eles têm direito. Eles têm direito ao reassentamento pela pelo Incra, por exemplo, tem direito a um crédito rural no banco”, comenta.

CRENÇAS E MEIO AMBIENTE

Muito além das questões de territoriais, a demarcação das terras indígenas também fortalece e mantém vivas as reverências às crenças e proteção ao meio-ambiente.

“A natureza é como nós tratamos a terra, é a nossa mãe. A mãe terra, a mãe natureza, as matas, sem ela não existe a nossa preservação, não existe a nossa igreja. O padre não zela pela igreja dele? É mesma coisa, a mata é a nossa igreja, nossa mãe. Nossos ancestrais nasceram onde? Na mata! Se nasceu da mata, tem que preservar. Está naquela terra, tem que preservá-la, com o maior carinho, com o maior cuidado pra que não aconteça o que vem acontecendo nesse país, nessa grande catástrofe que está existindo por conta do desmatamento, a poluição tudo”.

“Com a demarcação vamos ter área de preservação para preservar muito mais, as nossas nascentes mais qualidade. Água potável. Hoje em dia a bacia do Rio Coruripe nasce aqui na área do Xukuru Kariri, mas a maioria está na mão de posseiro. Usam agrotóxico e tudo isso desce nos córregos de água, vermicida que mata. Tristeza, mas é a realidade desse mundo. Vamos cuidar com carinho, caso a demarcação de nossa terra se torne uma realidade”, finaliza o cacique Cicinho.