Política
Ataques ao Nordeste podem engajar eleitores
Reação de Bolsonaro e seus eleitores à votação de Lula na região deve aumentar esforço por eleição do petista no segundo turno
Logo após o primeiro turno das eleições deste ano, apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) – e o próprio – passaram a ofender os eleitores dos estados da região Nordeste, que deu ampla vantagem de votos a Lula (PT) na região. Para os cientistas políticos Luciana Santana e Ranulfo Paranhos esse comportamento pode aumentar o engajamento contra o atual presidente e está desconectado com a realidade estrutural e política do Nordeste.
“Esse tipo de fala em campanha costuma ter o efeito inverso e sim, pode gerar engajamento contra. O exemplo clássico é Collor pedindo para os brasileiros vestirem verde e amarelo quando a população vai às ruas de preto” pontua. “Estrategicamente é um erro da campanha, não é? Um candidato que se vale de uma fala carregada de erros e preconceitos, indica que a campanha e o próprio candidato não têm uma noção clara do nível de erro do nível de preconceito que tá cometendo”, completa Ranulfo Paranhos.
Ele ainda destaca a forte influência política do PT – e da esquerda, em geral – na região, além do desempenho dos candidatos oposicionistas ao Governo Federal nas eleições deste ano.
“Essa votação acima dos 50% para o Lula no Nordeste pode estar associado a outros elementos e isso é desconsiderado pelo Bolsonaro e pela sua equipe. Isso pode estar associado a candidatos aos governos de estado aliados a Lula que são mais competitivos que seus oponentes, que venceram no primeiro turno ou estão no segundo turno”, analisa Ranulfo Paranhos à Tribuna Independente.
Já Luciana Santana destaca o abandono histórico do poder central do país com a região e a melhoras dos indicadores sociais e econômicos no Nordeste durante os governos do PT, com destaque ao governo Lula.
“Ao associar Lula ao analfabetismo e pobreza, Bolsonaro, na verdade, se compromete porque quando a gente vai olhar, efetivamente, o que foi feito por ele enquanto presidente por quatro anos, a gente vai entender que ele não fez nada. Pelo contrário, a gente tem o aumento da desigualdade, o aumento da concentração de renda, mas quando a gente olha os dados antes de 2002 e 2010, quando o Lula deixou o governo, a gente vê uma situação é muito mais positiva na região”, afirma Luciana Santana. “Fora que a gente tem que pensar políticas públicas de uma forma ampla. A região Nordeste foi muito beneficiada durante os governos do PT na área de infraestrutura, por exemplo. Não é só dar Bolsa Família, tem toda uma cadeia de ações ali, dessa área de políticas públicas”, completa.
Para Luciana Santana, Bolsonaro apenas amplia o preconceito e “não diz, efetivamente, o que fez para reduzir todos esses problemas que a região tem, que são problemas históricos e não foram criados recentemente. É mais uma eleição que a gente tem que conviver com esse tipo de xenofobia, esse preconceito de pessoas que são de outras regiões do país e até mesmo, da própria região, de não se reconhecer aí em termos do comportamento e resultado eleitoral. É algo extremamente preocupante e se cria animosidades e um acirramento entre as regiões do país que é extremamente perverso para democracia”, diz Luciana Santana à Tribuna Independente.
Alagoanos acionam advogada que ofendeu nordestinos na Justiça
Três advogados alagoanos ingressaram com representação administrativa e ação criminal contra a advogada mineira Flávia Moraes por falas preconceituosas à população dos estados do Nordeste, feitas após a realização do primeiro turno das eleições deste ano. Eleitora de Jair Bolsonaro, a advogada destilou ofensas aos eleitores de Lula na região.
Os advogados que ingressaram com as ações são Fernando Falcão, Bruno Accioly e Marcondes Costa, que também é o presidente da Comissão de Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Alagoas.
À Tribuna Independente, Marcondes Costa classifica as falas da mineira como “declarações criminosas”.
“Fizemos dois procedimentos. Ingressamos com representação ético-disciplinar junto à OAB de Minas Gerais, que pode ser advertência ou suspensão e, a depender das circunstâncias, até exclusão dos quadros da Ordem. Essa ação é administrativa”, explica. “A outra foi uma notitia criminis para o procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, para que indique um promotor para ser responsável pela apuração e punição pelos crimes de xenofobia”, completa o advogado alagoano.
CASO
Em vídeo divulgado nas redes sociais e vestida com roupas com as cores verde e amarelo, Flávia Moraes afirmou que “nós que geramos empregos, nós que pagamos impostos, vocês sabem o que a gente faz? Nós gastamos o nosso dinheiro lá no Nordeste. Não vamos fazer isso mais. Vamos gastar dinheiro com quem realmente merece. A gente não vai mais alimentar quem vive de migalhas. Vamos gastar nosso dinheiro no Sudeste, no Sul ou fora do país”.
A advogada era vice-presidente da Comissão Mulher Advogada da OAB de Uberlândia, no interior mineiro, mas foi afastada do cargo após o vídeo viralizar.
Na representação que fizeram contra Flávia Moraes, os advogados alagoanos destacam o preconceito e o menosprezo da mineira pela população da região Nordeste. Para eles, as declarações da eleitora de Bolsonaro envergonham a advocacia.
A OAB de Alagoas também emitiu nota de repúdio à fala da advogada mineira. “É inadmissível, nos dias de hoje, convivermos com manifestações que buscam agredir e diminuir a importância de brasileiros e brasileiras que exercem sua cidadania”, diz um trecho do documento.
Este não foi a única manifestação xenofóbica contra a população do Nordeste nestas eleições.
Em Dourados, a 250 km de Campo Grande, o promotor de Justiça investiga um personal trainer que se autodenomina Vinícius FBS nas redes sociais, que postou: “Ê Nordeste, você ainda vai comer muita farinha com água pra não morrer de fome”.
Ele também postou que “o Nordeste merece voltar a carregar água em balde mesmo. Aí depois vem esse bando de ‘cabeça redonda de bagre’ procurar emprego nas cidades grande (sic)”.
Em 2018, quando Jair Bolsonaro foi eleito presidente, o Nordeste também não lhe deu vitória e o candidato do PT, Fernando Haddad, foi o mais votado na região, geando ataques de eleitores de Bolsonaro à população da região.
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