Política

Ficha Limpa entra na mira novamente da Câmara Federal

Flexibilização em relação à Lei de Inelegibilidades pode causar danos ao sistema político com judicializações no processo eleitoral

Por Tribuna Independente com Carlos Victor Costa 05/06/2021 10h18
Ficha Limpa entra na mira novamente da Câmara Federal
Reprodução - Foto: Assessoria
Atualmente na Câmara dos Deputados há três comissões debatendo alterações na legislação política e eleitoral. Entre as propostas estudadas está a flexibilização da Lei das Inelegibilidades — que foi tornada mais rigorosa pela Lei da Ficha Limpa, em 2010 —, e um freio ao poder do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de editar resoluções. Essa discussão pode contribuir para que os considerados “fichas sujas” sejam poupados e possam concorrer nas eleições. A lei já chegou a ser flexibilizada em dezembro de 2020 pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes Marques, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro. Ele concedeu uma decisão liminar determinando que a pessoa fica inelegível por oito anos a contar do momento da condenação, não a partir do momento em que acaba de cumprir a pena. Para o advogado eleitoral, Marcelo Brabo, a reforma pretende criar uma espécie de Código de Processo Eleitoral para impedir que o TSE crie regras sem a previsão do Congresso, valendo-se do poder normativo que hoje detém, inclusive editando inúmeras resoluções, algumas tratando de temas não discutidos na legislação e, em outras, dando interpretação diversa ou mais alargada à mesma temática. “Alguns parlamentares querem, também, usar a reforma para abrandar as regras de inelegibilidade. O grupo pretende apresentar, por exemplo, algumas mudanças na Lei da Ficha Limpa. Uma estratégia parecida chegou a ser adotada durante a tentativa de votação da PEC da Imunidade Parlamentar, mas diante da polêmica o presidente Arthur Lira [PP-AL] acabou recuando da ideia. Em um dos textos que se tentou aprovar, a proposta estabelecia que a inelegibilidade prevista na Lei da Ficha Limpa só produziria efeitos com a observância do duplo grau de jurisdição. Na prática, isso significaria que a inelegibilidade só ocorreria após um recurso”, argumenta. Marcelo Brabo destaca que hoje a regra diz que fica inelegível por oito anos o candidato que tiver o mandato cassado, renunciar para evitar a cassação ou for condenado por decisão de órgão colegiado, mesmo que ainda exista a possibilidade de recursos. “Penso que mudanças na Lei da Ficha Limpa podem provocar grandes abalos no sistema político e no sistema eleitoral, trazendo, ao contrário do que propalam os membros da Comissão no âmbito da Câmara dos Deputados, menos segurança e mais imprevisibilidade, inclusive permitindo uma maior judicialização do processo eleitoral. Certamente, o STF vai ser acionado para dizer sobre eventual inconstitucionalidade da mudança que se pretende levar a efeito, como, também, a mesma irá ser discutida caso a caso. Some-se a tudo isso, que tais mudanças, no meu sentir, deveriam ser objeto da mais ampla e arraigada discussão possível, pois a sociedade clama, cada vez mais, por políticos probos e sem máculas em seus nomes e atividades”, ressalta o advogado em entrevista à Tribuna. O também advogado eleitoral, Henrique Vasconcelos acrescenta que o Congresso Nacional, a fim de depurar exageros trazidos pela Ficha Limpa, que trazem repercussões negativas a direitos e liberdades políticas individuais, pretende colocar no eixo vícios que, naquela época, até por nunca terem sido vividos, ainda não tinham sido enxergados. “Acredito, individualmente, que o debate vem em boa hora e está em consonância com os princípios e garantias da nossa Constituição”. Para deputada, o atual debate beneficia quem vai à reeleição A coordenadora da bancada alagoana em Brasília, deputada Tereza Nelma (PSDB), pontuou que não se pode confundir reforma política com “atualizações” eleitorais”. Ela ressalta que o que está sendo debatido na Câmara dos Deputados, nesse momento, são “atualizações” que facilitem a reeleição e dificultem a renovação. “Se formos examinar uma reforma política parcial, os segmentos dominantes não apresentaram, pelo menos até agora, nenhuma proposta nova, a não ser as veteranas de manutenção da atual representatividade deformada. Temos um Congresso Nacional dominado pelos representantes do poder econômico. Lá estão, por exemplo, as bancadas BBB [da Bíblia, da Bala, e do Boi]. As ‘reformas’ que propõem não é para melhorar a representatividade socioeconômica, mas para restringir ainda mais a participação das minorias e das representações dos trabalhadores”. Nesse sentido, segundo a parlamentar, pouco a pouco vão roendo as barreiras da Lei da Ficha Limpa, que deveria impedir a candidatura de determinados políticos. “Nas últimas eleições já vimos, por esse Brasil afora, decisões judiciais que suspenderam penas decididas em segunda instância de políticos condenados, para que pudessem concorrer. Só mesmo o Lula foi mantido distante das eleições, e sem ser ficha suja. Assim, sou favorável a mais ampla defesa para todos, mas temos que montar barreiras cada vez mais seguras para reduzir ao máximo possível a influência dos representantes da corrupção, de defensores de ditaduras e de outros crimes”, considera a coordenadora da bancada federal alagoana.