Política

Liminar impõe censura a jornalista do Cada Minuto

Ação foi movida pelo deputado Cabo Bebeto; para Sindjornal e Fenaj decisão judicial contraria a Constituição Federal

Por Carlos Amaral 28/05/2021 08h19
Liminar impõe censura a jornalista do Cada Minuto
Reprodução - Foto: Assessoria
Uma liminar do juiz Cláudio José Lopes determinou a retirar do ar, no portal Cada Minuto, de quatro textos do jornalista Célio Gomes por “ofensas” ao deputado estadual Cabo Bebeto (PTC). Para o presidente do Sindicato dos Jornalistas de Alagoas (Sindjornal), Izaías Barbosa, a decisão fere a Constituição Federal. “Mais uma vez a Justiça faz o papel de censor, descumprindo o que diz a Constituição. O juiz como guardião da Justiça fere a constituição quando está não leva em consideração a liberdade de imprensa e de expressão. É uma pena”, comenta. “O deputado é uma pessoa pública e como toda pessoa pública ele está suscetível a críticas. Ele quer se defender das críticas, se acha ser injusta e o que lhe é imputado não é verdade, cobre a prova disso, mas não impeça a matéria de ser publicada. O público tem o direito de saber o que tá acontecendo. Ele, o deputado, quando critica na tribuna da Assembleia Legislativa, abre espaço para ser criticado”, completa Izaías Barbosa Já a diretora da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Valdice Gomes, ressalta que a liberdade de imprensa é pilar da democracia. “Infelizmente, não é a primeira vez que o Judiciário tem essa conduta de censor. Isso é mais uma violação a liberdade de imprensa. E a gente sabe que a liberdade de imprensa é o pilar da democracia e não pode ser violado dessa forma. Mesmo que depois haja recurso e chegue ao Supremo, por exemplo, e essa decisão ser derrubada, o estrago já está causado” afirma. “No caso de alguém que se sinta atingido, caluniado, há outras formas que não a censura para a reparação. Essa decisão ataca a liberdade de imprensa”, completa a diretora da Fenaj. A reportagem tentou contato com a Diretoria de Comunicação do Tribunal de Justiça de Alagoas, mas até o fechamento desta edição não houve resposta. Já a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Alagoas, através de sua assessoria de comunicação, prefere não comentar o caso. A reportagem procurou o deputado estadual Cabo Bebeto, através de sua assessoria, mas até o fechamento desta edição não houve resposta. Em nota, portal aponta “tradição autoritária”   O Cada Minuto divulgou nota sobre a retirada dos quatro textos do jornalista Célio Gomes de seu site. Para o portal, “tal prática remonta triste tradição brasileira em seus piores momentos quando vítima de tiranos e regimes autoritários”. “Os tempos são outros, é verdade. Mas nunca houve tantos ataques à liberdade de imprensa e ao jornalismo na maior parte do mundo. Desgraçadamente o Brasil está na ponta quando o assunto é violação ao pleno exercício da atividade jornalística. Fato é que a disputa política, rebaixada à categoria de carnificina de reputações, acaba vez por outra recorrendo à judicialização como estratégia de intimidação”, afirma a nota do Cada Minuto. Os quatro textos retirados do ar foram: “Lula livre, Renan Filho e Bolsonaristas”, publicado em 9 de setembro de 2019; “Jair Bolsonaro, a embaixada e o príncipe”, publicado em 14 de novembro de 2019; “Bolsonaristas tentaram barrar a nomeação de Josealdo Tonholo, o novo reitor das Ufal”, publicado de 3 de fevereiro de 2020; e E o “Candidatos a prefeito na dança dos partidos”, postado em 5 de fevereiro de 2020. “A decisão que ora cumprimos está em descompasso com a democracia no século 21. Mas combina plenamente com o obscurantismo típico de um passado de indecências contra o país. A intimidação contra qualquer veículo ou jornalista é ação hedionda cujo único objetivo se resume a impedir a crítica, sabotar a informação, esconder a verdade”, afirma o portal Cada Minuto. CITAÇÕES Os textos foram retirados do ar, mas a Tribuna conseguiu acessá-los através do recurso “cache” – grosso modo, são rastros virtuais, que duram algumas semanas. Em todos os textos, o deputado Cabo Bebeto é citado entre uma e três vezes. No artigo “Lula livre, Renan Filho e Bolsonaristas”, a primeira citação ocorre ao comentar uma frase proferida pelo parlamentar acerca de uma foto de Renan Filho com uma bandeira do ex-presidente Lula. “O governador Renan Filho entrou na mira dos fanáticos bolsonaristas, mais uma vez, após posar para uma foto com uma bandeira que trazia o slogan “Lula Livre”. A imagem, registrada durante o desfile do Sete de Setembro, correu as redes sociais e provocou chiliques, histeria e ofensas ao governador. ‘Essa foto lamentável não representa o bravo povo alagoano. Lugar de ladrão é na cadeia’. O palavrório é do deputado estadual Cabo Bebeto, do PSL, soldado fiel do capitão da tortura que despreza direitos humanos”, escreveu Célio Gomes. No texto, o jornalista critica a postura do parlamentar e do policial federal Flávio Moreno, à época colega de PSL de Cabo Bebeto. A segunda citação ao deputado é: “Moreno e Bebeto são dois exemplos clássicos do que há de mais obscurantista na belezura da “nova política”. A partir do que defendem em suas manifestações, digo sem medo de errar: são duas cabeças ocas, perturbadas, saudosistas dos porões inaugurados em 1964.” Já a terceira citação é: “Quem faz o Brasil passar vexame planetário é o presidente primitivo, boçal, inculto e adorador de torturadores. Quanto a Bebeto e Moreno, são apenas o retrato da estupidez desses tempos medievais que ameaçam a democracia entre nós”. No artigo “Jair Bolsonaro, a embaixada e o príncipe”, Célio Gomes comenta a disputa dentro do PSL e as três citações são: “Em entrevista ao grande Lula Vilar, meu colega de blog aqui do lado, Cabo Bebeto e Flávio Moreno dizem que estarão sempre alinhados com o capitão da tortura, não importam as barbaridades que ele venha a cometer. Entendo. “Fidelidade” é o que interessa, dizem os valentes”; “O deputado Bebeto e o presidente do PSL estadual, Moreno, devem concordar com o fim do Dpvat, aquele seguro obrigatório para indenizar vítimas de acidentes de trânsito. Por que essa Medida Provisória presidencial com essa iniciativa? Preocupação com o povo? De jeito maneira! É tudo para atingir Luciano Bivar, o cacique do PSL. Ele é do ramo de seguradoras e vai perder a fonte de renda”; e “Bolsonaro conta exatamente com o apoio cego e incondicional de gente como Bebeto e Moreno. Estou esperando a próxima passeata de apoio ao capitão miliciano em Maceió. A última foi uma mostra perfeita dessa porcalhada”. Já no artigo “Bolsonaristas tentaram barrar a nomeação de Josealdo Tonholo, o novo reitor das Ufal”, o parlamentar é citado uma vez. “Gente como o deputado estadual Cabo Bebeto, do laranjal conhecido como PSL, agiu fortemente para barrar a nomeação do novo reitor da Ufal. Eduardo Bolsonaro, o Zero Três, também foi acionado pela patota ‘conservadora’”. No artigo “Candidatos a prefeito na dança dos partidos”, Célio Gomes critica o fato de o deputado ser filiado a um partido e tentar fundar outro, o Aliança pelo Brasil. Cabo Bebeto é citado três vezes, sendo duas no mesmo parágrafo. “Em Alagoas, o supérfluo deputado Cabo Bebeto, do laranjal registrado oficialmente como PSL, vadeia pelo interior do estado à cata de assinaturas para a criação do Aliança, o partido miliciano de Bolsonaro. Bebeto é um exotismo típico da vida pública brasileira. Ele manda no PSL alagoano e, ao mesmo tempo, trabalha contra o próprio partido. Se der tempo, migra para o novo endereço”, diz a primeira citação ao parlamentar. Na segunda, o jornalista afirma que “o Aliança pelo Brasil tem até abril para recolher cerca de 500 mil assinaturas de apoio – requisito obrigatório para requerer o registro na Justiça Eleitoral. Bebeto não deixa o PSL agora, como gostaria, porque correria o risco de perder o mandato por infidelidade partidária. Por isso, fica na condição de agente duplo, agindo contra a sigla que o tem como filiado. E tudo com a maior cara de pau”. A reportagem não conseguiu contatar o jornalista Célio Gomes.