Política

Para MPE, deputados querem frear combate à corrupção

Márcio Roberto, então à frente do MP Estadual, diz que parlamentares mandaram um claro recado aos promotores e procuradores

Por Carlos Amaral com Tribuna Independente 14/03/2020 09h36
Para MPE, deputados querem frear combate à corrupção
Reprodução - Foto: Assessoria
Esta semana foi marcada pelo conflito entre a Assembleia Legislativa do Estado (ALE) e o Ministério Público Estadual (MPE), após os parlamentares aprovarem medidas que alteram a estrutura do órgão ministerial, como a extinção de grupos de combate ao crime organizado e à sonegação fiscal. Pegos de surpresa, promotores e procuradores de Justiça chegaram a ir à Casa de Tavares Bastos para tentar impedir a votação de emendas ao projeto de lei – encaminhado pelo próprio MPE – que tinha como objetivo “modernizar a legislação que rege o Ministério Público”. À Tribuna, o então procurador-geral de Justiça em exercício, Márcio Tenório, entendeu a postura dos parlamentares como uma mensagem ao MPE. Tenório se afastou da chefia da instituição na última sexta-feira (13).   Tribuna Independente – Em sua avaliação, quais foram os motivos que levaram os parlamentares a elaborar e aprovar as medidas sobre a estrutura do MPE e extinguir grupos como o Gaeco e o Gaesf? Márcio Tenório – Acho que eles quiseram mandar uma mensagem de que eles têm a autoridade de brecar, de frear, a atuação forte do Ministério Público no combate à criminalidade e aos maus gestores do dinheiro público. Tribuna Independente – Mas por que eles iam querer brecar o MPE? Márcio Tenório – Por que o Ministério Público tem, nos últimos anos, tido atuação muito forte junto a prefeitos, câmaras de vereadores e, inclusive, contra deputados que, de uma forma ou de outra, mal geriram o dinheiro público. O Gaeco, o Gaesf, o Núcleo de Combate à Criminalidade, o Núcleo de Defesa do Patrimônio Público, são órgãos do Ministério Público com atuação muito forte nessa área. Inclusive, tem contribuindo, e muito, com a baixa da criminalidade e da violência em Alagoas. Tribuna Independente – O senhor destacou durante a sessão da ALE que aprovou as emendas ao projeto de readequação da estrutura do MPE de que houve conversas com parlamentares – inclusive o presidente da Casa, deputado Marcelo Victor (Solidariedade) – e que a matéria não entraria em pauta, o que acabou ocorrendo. Se sentiu traído pelos parlamentares? Márcio Tenório – Traição, não, porque a traição só ocorre quando há abuso da confiança. Na verdade, temos uma relação institucional com o presidente da Assembleia Marcelo Victor e, inclusive, abrimos um canal de negociação com ele, com o deputado Marcos Barbosa (Cidadania) e a Mesa Diretora. Conversamos com vários deputados para que nosso projeto de lei sobre a legislação que rege o Ministério Público, de forma geral, fosse atualizada. Nessas conversas ficou claro, ficou certo, de que não haveria modificações de forma alguma no projeto de lei. Até mesmo porque a Constituição Federal não permite isso. Os deputados poderiam até não aceitar o projeto e devolvê-lo para nós, mas não mexer em seu conteúdo. Nesse contexto, eu entendi que se faltou com o respeito devido à instituição Ministério Público. Mas tenho certeza de que nós, que representamos as instituições, teremos maturidade suficiente para voltarmos à mesa e conversarmos sobre esse problema. Também tenho convicção que, a partir de agora, com o possível veto do governador do Estado [Renan Filho] – não creio em outra decisão dele –, possamos, então, sentar com o presidente da Assembleia, com a Mesa Diretora, com cada deputado individualmente, para que possamos manter esse veto. A partir daí, com o veto total, começarmos a construir a possibilidade de renovarmos, atualizarmos, a legislação que rege o Ministério Público Estadual. Tribuna Independente – O senhor citou a atuação do MPE junto a prefeituras e câmaras municipais e muita gente do meio político reclama da atuação de promotores, de que eles querem governar mais que os eleitos. Qual a sua posição acerca desse tipo de avaliação? Márcio Tenório – Tenho a convicção firmada, inclusive fui corregedor-geral do Ministério Público, e orientado a todos os colegas de que o gestor é o prefeito e é o presidente da Câmara. Não podemos estar no lugar do gestor, mas temos a obrigação constitucional de fiscalizar. Aquilo que entendemos que está contrariando a lei, buscaremos os mecanismos legais para fazer cessar tal ilegalidade. Agora, isso não impede que também apliquemos instrumentos que estão a nossa disposição para uma composição, de realizar um TAC [Termo de Ajustamento de Conduta]. O que for melhor para o povo, é melhor para o Ministério Público. Tribuna Independente – Toda essa celeuma com a ALE vem às vésperas do processo eleitoral interno do MPE. Os fatos recentes podem interferir na eleição para a Procuradoria Geral de Justiça? Márcio Tenório – Em absoluto. Acho que não. Somos bem maduros. O Colégio de Procuradores já deflagrou o processo eleitoral, já publicamos sua resolução que regulamenta a eleição, já publicamos a convocação para o dia 17 de abril [data do pleito]. Está tudo tranquilo. Iremos escolher um candidato dentro de promotores e procuradores, que é isso que deve prevalecer. Lamentavelmente, até nisso, a Assembleia Legislativa fez ingerência, não permitindo naquele projeto monstruoso, que promotores não fossem candidatos, como se promotores não tivessem capacidade suficiente para gerir, com serenidade, nossa instituição. Temos promotores valorosos que podem, e devem, gerir a instituição. Promotores e procuradores de Justiça. Também criaram outro monstro jurídico que é a figura do procurador-geral tampão. Eu já disse que, mesmo primeiro na linha de sucessão, não aceito, sob nenhuma hipótese, ser procurador-geral de Justiça tampão. Só assumirei a instituição com seu chefe se for através do voto direto de promotores e procuradores. Tribuna Independente – O senhor também acredita que essa movimentação dos parlamentares tem a ver com a decisão do ex-procurador-geral Alfredo Gaspar em se candidatar à Prefeitura de Maceió para, na visão dos deputados, frear o uso do MPE como instrumento político? Márcio Tenório – Não quero crer que a Assembleia Legislativa tenha tido esse pensamento. Até mesmo porque nossa instituição é republicana e mesmo tendo membros candidatos, o Ministério Público sempre agiu com altivez e dentro estrito cumprimento do dever legal. Jamais qualquer agente do Ministério Público estará a serviço de político ou política, mesmo que esse agente político seja integrante -  ou ex-integrante – desta instituição. Temos muito respeito, admiração, e devemos muito ao doutor Alfredo Gaspar de Mendonça, mas ele mesmo sabe que jamais qualquer promotor ou procurador de Justiça irá integrar – ou participar – sua campanha ou praticar qualquer ato que o beneficie durante o pleito eleitoral. Tribuna Independente – O MPE já se reuniu com o governador e ele se mostrou favorável ao pleito da instituição. Mesmo assim, os parlamentares podem derrubar os vetos. O que o MPE está planejando em ações, considerando a derrubada dos vetos? Márcio Tenório – Para mim, na política nada é absoluto. Isso quer dizer que mesmo a votação na Assembleia tenha tido apenas o voto da Jó Pereira (MDB) contrário às emendas, nada impede que construída uma ponte de diálogo – como disse o governador – para demonstrar os prejuízos que esse projeto trará a Alagoas, nós possamos sentar, conversar e, ao final, sair um resultado que espelhe a necessidade do Ministério Público e da sociedade. Tenho muito respeito pela Assembleia Legislativa e confio no sentimento público de todos que integram aquela Casa. Nesse patamar, eu entendo que o problema será solucionado.