Política

“Fetiche é acabar com a Justiça do Trabalho no país”

Cenário de demissões, acordos coletivos e greves ganham uma nova realidade no Brasil após a aprovação da reforma trabalhista

Por Carlos Amaral com Tribuna Independente 10/08/2019 09h23
“Fetiche é acabar com a Justiça do Trabalho no país”
Reprodução - Foto: Assessoria
Aprovada em 2017 sob o discurso de que geraria milhões de empregos no Brasil, a reforma trabalhista tem se mostrado um engodo aos trabalhadores. Além de nada influenciar na economia como um todo, provocando a produção e a geração de postos de trabalho, as novas regras para a relação entre patrões e empregados têm deixado os primeiros em – mais – vantagem. Na avaliação do advogado trabalhista Kleber Santos, o objetivo dos idealizadores da reforma ainda não foi atingido: acabar com a Justiça do Trabalho. “É um fetiche”, afirma o advogado.    Tribuna Independente – Em linhas gerais, a reforma trabalhista deixou os empregadores em vantagem nas relações com os empregados? Kleber Santos – Sim, eles têm. Veja, em 2016, uma das primeiras medidas tomadas pelo Congresso Nacional na hora de fazer o Orçamento do país foi a redução em 30% das despesas de custeio da Justiça do Trabalho e em 90% das verbas para investimento. Ou seja, a classe dominante, representada por seus parlamentares no Congresso Nacional, tem dois objetivos: primeiro, eles têm um fetiche em querer acabar com a Justiça do Trabalho no Brasil. Essa é uma coisa clara e cristalina, todo movimento feito no Congresso Nacional é nesse sentido. Mas por que acabar com a Justiça do Trabalho? A gente pode ir para várias falas do Poder Executivo que nos dão sinais a esse respeito. O vice-presidente general Mourão [PRTB] chegou a dizer que ‘a Justiça do Trabalho é uma jabuticaba, só existia no Brasil’. Isso foi amplamente contestado e mostrado que a Justiça do Trabalho existe em praticamente todos os países do mundo. O presidente Jair Bolsonaro sempre que se manifesta sobre os direitos dos trabalhadores enfatiza ser ‘preciso tirar o Estado do cangote do empresário’ e afirmou que ‘ser empresário no Brasil é difícil por conta da legislação trabalhista’ e que era preciso que as relações de trabalho no país fossem praticamente informais. E sempre após essas falas surgem ações no Congresso Nacional visando retirar direitos dos trabalhadores, quando não por dentro do próprio Poder Executivo, a exemplo do fim do Ministério do Trabalho, que sabemos o quanto isso traz de prejuízo em sua atuação, como a fiscalização do trabalho escravo e o infantil no Brasil. Inclusive, recentemente, o Ministério da Economia, no setor que atua sobre as relações de trabalho, resolveu flexibilizar as normas sobre a segurança do trabalho. No Brasil, a cada 50 segundos, um trabalhador se acidenta. Essa medida ignora completamente a realidade. Todos esses fatores acabam retornando com uma carga financeira para a sociedade, porque todo acidentado – seja por ter ficado com sequelas físicas ou por morte – vai gerar custo à Previdência Social e aumentado suas despesas, assim como os problemas decorrentes do trabalho infantil. Fora a MP [Medida Provisória] 873 que proibiu os trabalhadores de descontarem suas contribuições sindicais por meio de débito automático, mesmo com sua autorização expressa após assembleia das categorias. O pagamento só pode ser feito por meio de boleto enviado à casa do trabalhador, custeado pelo próprio sindicato. Ora, usando crédito consignado se pode comprar geladeira, fogão, ou qualquer coisa no comércio e isso ser descontado do salário. Ou seja, qualquer coisa pode ser descontada do salário, menos a contribuição ao sindicato. Isso tem o claro objetivo de enfraquecer as entidades sindicais, é uma perseguição para cortar suas bases financeiras e dificultar sua atuação livre e plena. Tribuna Independente – E em relação à Justiça do Trabalho, após a reforma, os empregadores ficaram em vantagem para o julgamento e processos; os acordos coletivos e a estabilidade negociada que eles geram estão ameaçados? Kleber Santos – A reforma trabalhista procurou tirar o caráter protetivo que a Justiça do Trabalho tinha. Ela foi pensada para colocar o trabalhador quase com pé de igualdade com o empregador, como se isso fosse possível. Só para lembrar, temos um Código de Defesa do Consumidor, que protege o consumidor. Como é que não vamos ter um ‘código de proteção ao trabalhador’, se essa relação é desigual porque o poder financeiro e jurídico está na mão do empregador? O trabalhador só tem a sua força de trabalho para vender. A reforma trabalhista buscou acabar com essa proteção para que o trabalhador, obviamente fragilizado pelo desemprego e pelo medo de ser despedido, venha a negociar diretamente com seu empregador. Esse é o grande prejuízo da reforma trabalhista para o Brasil, é fazer com que se acredite haver uma ‘paridade de armas’ entre empregador e trabalhador, quando, na verdade, sabemos que isso não existe. Sabemos que o trabalhador é hipossuficiente, é subordinado ao empregador, que é quem tem o poder de mando, de direção, poder econômico e jurídico sobre o trabalho. Tribuna Independente – A perspectiva, então, é de mais precarização nas relações de trabalho, seja no ambiente jurídico, seja no dia a dia? Kleber Santos – Sim. Tomemos como exemplo a Equatorial Energia. A empresa está demitindo todos os seus trabalhadores. Todos. Ela vai terceirizar 100% dos seus setores. Veja, as consequências da reforma são essas. Se perdeu uma massa de trabalhadores que foi treinada, devidamente preparados pra exercer suas funções, conheciam o sistema elétrico em Alagoas como um todo, detinham todo esse conhecimento e foram, simplesmente, despedidos por meio de um plano de demissão voluntária fantasioso, que não passou de um plano para demissão em massa disfarçada porque não trouxe nenhuma vantagem econômica para o trabalhador. Nenhuma. Essas demissões da Equatorial mostram exatamente qual é a ideia, buscar simplesmente o lucro para seus acionistas.