Polícia

Deepfake: polícia mira em sete adolescentes

Grupo manipulava fotos pornográficas com uso de inteligência artificial; abalo psicológico de vítima pode ser para resto da vida

Por Valdete Calheiros – colaboradora / Tribuna Independente 20/04/2024 09h23 - Atualizado em 20/04/2024 09h53
Deepfake: polícia mira em sete adolescentes
Delegados Daniel Mayer e Sidney Tenório comandaram operação que apura os atos infracionais - Foto: Ascom PC/AL

O uso criminoso da inteligência artificial (IA) foi o pano de fundo do ato infracional cometido por sete adolescentes alagoanos, entre 14 e 16 anos, que assustou a sociedade, na sexta-feira (19), quando a Polícia Civil deflagrou uma operação para coibir as ações do grupo que manipulava, por meio da ferramenta, fotos de meninas adolescentes atribuindo conotação pornográfica a imagens nunca tiradas na vida real.

O grupo fez manipulação em fotos de aproximadamente 20 vítimas, das quais 12 procuraram a polícia para formalizar denúncias, com relatos extremamente graves. Os menores infratores não ficaram internos. Segundo o delegado Sidney Tenório, a internação não foi necessária porque não houve violência ou grave ameaça.

Mas, afinal, o que leva sete adolescentes, cujas famílias possuem médio e alto padrão econômico, a mancharem seus nomes junto à polícia, tendo como arma do ato infracional aparelhos de telefone celular, tablets e notebooks? Entre os smartphones apreendidos pelos policiais, aparelhos que custam entre R$ 5 mil e R$ 8 mil.

A psicóloga Luciana Vieira é mestra em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e esclareceu que diante da celeridade tecnológica, do acesso fácil nos mais diversos ambientes e idades, existe a vulnerabilidade dos mais diversos tipos de crimes cibernéticos.

“O ambiente virtual costuma facilmente disseminar uma massificação de uma visão de mundo com valores deturpados, uma maneira de nos portar robotizada e errônea, uma falta de senso crítico aos conteúdos digitais. A validação do direito do outro, o engajamento de ódio que em pouco tempo consegue atingir uma ampla proporção de pessoas e territórios. Muitas vezes a falta de sensação, falsa sensação de anonimato, estimulam as ofensas em redes sociais, sendo disfarçadas de sinônimo de liberdade de expressão”, considerou a profissional que especialista em Criminologia e Psicologia Jurídica pelo Cesmac.

Luciana Vieira, psicóloga efetiva da Prefeitura de Maceió e perita judicial da 26ª Vara Cível da capital-Família do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, fez um alerta ao lembrar que a internet exige a responsabilização por seus atos.

“Os pais das vítimas e as vítimas sofrem. Ficam devastados pela dor. Sentem vergonha, tristeza, medo, indignação, revolta, hiper vigilância, podendo acarretar transtornos do humor como ansiedade, a depressão, a síndrome do pânico, distúrbio do sono, do apetite, prejudicando todos os âmbitos de sua vida, pois tiveram seus direitos violados”, disse ela.

“É preciso que se fiscalize”, diz psicóloga

A psicóloga Luciana Vieira disse que não se trata somente de selecionar a idade em que o filho terá um telefone, um tablet ou um computador. “É para além. Se os pais não se acham capazes de supervisionar, seja por falta de conhecimento, por falta de tempo, pelas inúmeras funções da vida moderna, o mais sensato é não ofertar. Se ainda não sabe tratar. Ou não querem tratar sobre bullying, sobre a educação sexual, sobre violência, antes de permitir o acesso às tecnologias midiáticas, é cabível que não facilite o uso sem a devida supervisão e segurança digital. É preciso muito diálogo, exemplo positivo nas relações sociais e familiares. A casa da criança e do adolescente precisa ser o alicerce seguro, a fonte de valores, sobretudo da escuta com qualidade aos filhos, doação de tempo e um espaço efetivo de direitos e deveres”, ensinou.

A psicóloga que é também especialista em Psicologia Jurídica pelo Conselho Federal de Psicologia, finalizou ao salientar que a discussão dessa temática é relevante e crucial, não só para a família, mas também para a escola, políticas públicas, órgãos reguladores e fiscalizadores do ambiente virtual. É preciso, frisou a profissional, informação, parcerias, educação do uso correto e legal da tecnologia, principalmente a inteligência social, galgadas no pilar da educação. “O uso tecnológico equilibrado, respeitoso e sem risco é dever de todos”.

Pais podem ser responsabilizados civilmente

A advogada Ana Gabriela Soares Barbosa é mestre em Direito pela Ufal, professora e integra a Comissão Nacional de Direito Sucessório do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito das Famílias) e explicou que a popularização das ferramentas de IA tem facilitado o uso dessa técnica por diversas pessoas. No entanto, disse ela, é preciso ter em mente que nem tudo que é factível, é permitido pelo nosso Estado.

“Não é porque do ponto de vista tecnológico a pessoa tem recursos para criar uma imagem manipulada, ou um vídeo, que esse tipo de atitude vai ser permitida pelo Direito. Essas situações em que adolescentes criam e espalham fotos de colegas manipuladas a partir de plataformas de inteligência artificial são uma nova face do cyberbullying (bullying virtual)”, frisou

Em casos como este, segundo ela, na hipótese de infratores adolescentes, deverá ser instaurado Procedimento de Apuração de Ato Infracional (PAAI), na Justiça da Infância e Juventude da capital, para aplicação das sanções ao adolescente, que poderá ser responsabilizado por até três anos de internação em centro socioeducativo.

A profissional acrescentou que além da apuração do ato infracional, na seara criminal, também é possível responsabilizar o infrator na área cível, através de um processo de responsabilidade civil, pleiteando uma indenização por danos morais, além da possibilidade de requerer o custeio do tratamento psicológico, a depender de cada caso. “Por serem adolescentes, o pagamento dessa possível indenização ficaria a cargo da família”, detalhou.

Ana Gabriela Soares assegurou que essa temática transita por três esferas: família, escola e poder público. A atuação dos pais ou responsáveis legais, destacou, é a mais importante, como forma de restringir o acesso precoce e desregulado às tecnologias.

O Sindicato das Escolas Particulares de Alagoas foi procurado, mas até o fechamento desta edição não se pronunciou.

A Secretaria Municipal de Educação afirmou que realiza uma série de ações e projetos de prevenção e combate ao bullying e à violência nas escolas. Nos projetos são trabalhados pontos como enfrentamento ao racismo e respeito à pluralidade.

A Secretaria de Estado da Educação (Seduc) explicou que, por meio dos psicólogos e assistentes sociais, segue desenvolvendo ações no sentido de conscientizar servidores e estudantes sobre a importância do uso saudável das redes sociais.