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Após 24 mil km, aposentado russo conclui volta ao mundo a pé

Para conter os custos da viagem, Serguêi Lukianov dormia em pontos de ônibus, parques e aeroportos.

Por G1 13/03/2017 09h18
Após 24 mil km, aposentado russo conclui volta ao mundo a pé
Reprodução - Foto: Assessoria

O aposentado Serguêi Lukianov, de 60 anos, deixou São Petersburgo há 22 meses para percorrer cerca de 24 mil quilômetros a pé. Muitos disseram que seria uma missão impossível – “muito complicada”, “muito difícil" e “tanto cara”. Em 4 de fevereiro deste ano, Lukianov, enfim, provou o contrário.

Agora, já de volta à cidade natal, o pensionista conta com fã-clube em que pessoas debatem se é normal para um senhor de 60 anos sobreviver de tênis e Coca-Cola, assim como miojo com leite condensado, enquanto percorre grandes distâncias. Assim que Lukianov completou sua jornada, os jornalistas do país começaram a fazer analogias literárias e cinematográfico, e o peterburguense acabou ficando conhecido o “Forrest Gump russo” – embora ande em vez de correr.

Desvio de 480 km

“Em toda a minha vida, eu jamais tinha feito algo assim antes de embarcar nessa viagem. Eu estava confiante de que chegaria ao fim, isso é tudo”, contou Lukianov, tomando café, enquanto a neve de início de março caía em São Petersburgo.

O russo saiu de casa em 1º de abril de 2015 e retornou no último dia 4 de fevereiro. Durante todo esse período, “provavelmente, visitou 20 países”, já que, segundo ele, “fica difícil lembrar o número exato, porque tudo aconteceu espontaneamente”. Até mesmo questões relacionadas a vistos foram tratadas de forma espontânea.

“Por exemplo, cheguei à fronteira chinesa, onde acreditava ter um posto de controle, mas, ao me aproximar, descobri que o posto era apenas para cidadãos chineses e vietnamitas. Todos os demais deveriam seguir para outro posto diferente, a 480 quilômetros de distância dali. Meu visto já tinha expirado, mas tive que fazer um desvio e acabei pagando uma multa”, continuou.

A velocidade da caminhada dependeu, assim, em grande parte, dos vistos. Lukianov teve de atravessar o Vietnã em duas semanas e ele tinha só três dias em Cingapura. “Essas coisas são complicadas, e é preciso pessoas específicas para lidar com elas.”

Para ajuda-lo durante o trajeto, seus amigos criaram, em São Petersburgo, um centro de coordenação. Um deles, Mikhail Sokolovski, “viveu” com Lukianov durante todos os 22 meses, enviando instruções ou buscando pessoas preparadas que pudessem encontrar Lukianov ou abrigá-lo por uma noite.

“Eu não acreditava que que alguém poderia se hospedar por 24 horas na China em um luxuoso balneário 300 a 350 rublos (em torno de 6 dólares), mas, graças a Deus, um conhecido russo me levou lá. Eles dão uma cama, pijamas descartáveis e uma toalha, há TV, computador, legumes e você ainda recebe uma massagem”, disse.

O dinheiro era outra questão importante, porque o aposentado tinha que sobreviver dois anos apenas com a pensa. Antes da aposentadoria, Lukianov trabalhava como treinador e já havia batido recordes nacionais na caminhada de quase 100 km. Na viagem, porém, tinha orçamento de apenas 500 rublos (cerca de 26 reais) diários e cobria entre 50 e 60 km ao dia. Ao totalizar os gastos, a viagem ao redor do mundo lhe custou nada menos que 1 milhão de rublos (R$ 53.300).

Miojo com Coca-Cola

Para conter os custos da viagem, Lukianov também dormia em pontos de ônibus, parques e aeroportos.

“Na Europa, os hotéis eram um problema porque eles custam cerca de 50 euros. Então, eu pegava um saco de dormir e ia para um parque da cidade por volta das 22h, pouco antes de eles fecharem. Eu me escondia em árvores da polícia. Só fiquei em hotel, por exemplo, na Belarus, onde fazia -40ºC”, relatou.

Na hora de comer, Lukianov sempre consumia algo local, em geral frutas secas, mas comia também queijo, carne defumada, manteiga e pão. Pelo fato de não consumir pratos quentes nem água suficiente, o aposentado perdeu quase 14 quilos.

“Eu mudava de cidade todos os dias, e como a água é diferente em todos os lugares, leva cerca de uma semana para o corpo se acostumar com as novas condições. Para evitar diarreia, eu bebia muita Coca-Cola, que é igual em qualquer lugar. Além disso, uma lata de Coca tem oito colheres de açúcar, o que me dava energia suficiente para quase 5 km”, disse Lukianov, enquanto abrir uma bolsava e tirava uma Coca-Cola.

“Eu sempre tenho Coca-Cola comigo, e acontece que se pode usá-la até mesmo para diluir o ‘Dosirak’ [macarrão instantâneo]. Bem, quando se está com fome, você come qualquer coisa. A questão é que, ao mergulhar o miojo em Coca-Cola fria, demorava cerca de uma hora para ficar pronto, e não três minutos.”

Cirurgia de hérnia

Mesmo antes de Lukianov cruzar a Rússia, Lukianov foi obrigado a passar por uma cirurgia de hérnia. Após o procedimento, feito em algum lugar ponto de Kemerovo, na Sibéria, ele deveria repousar por cerca de um ano; mas 45 dias após a operação, ele já havia deixado o hospital recolocado a mochilas (co quase 18kg) nas costas.

Ao chegar América do Sul, depois de mais de um ano de viagem, foi abordados por pessoas armadas com pistolas e facas. Os ladrões levaram a mala, seus cartões de banco e – talvez, o pior de todos – o telefone com todas as fotografias tiradas no trajeto. “Tive que ficar em um amigo em Buenos Aires e esperar que me enviasse todas as coisas que precisava. Perdi três semanas lá”, recordou Lukianov.

A ideia era chegar ao Rio de Janeiro, considerada por ele uma “cidade dos sonhos”, para a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, mas acabou pisando na cidade dois dias depois do evento – mas ainda a tempo de curtir as disputas.

“Acabei sendo o único atleta russo lá porque nossos representantes do atletismo não foram. Mas eu tinha saído com bastante antecedência”, disse, rindo, em referência ao escândalo de doping envolvendo o país. [Devido às denúncias, a saltadora de longa distância Daria Klishina foi a única atleta russa na competição – Gazeta Russa]

Ao avaliar a viagem, o russo acredita, porém, que a etapa mais difícil no processo foi justamente sair de casa. “Minha mochila dizia por si só que eu estava viajando pelo mundo”, disse Lukianov. “Eu estive sozinho, completamente sozinho por dois anos, não conhecia outra língua além da russa e tive recorrer a gestos para me comunicar.”