Interior
Falsos especialistas e a mistura entre público e privado preocupam promotor
Frederico Alves Monteiro Pereira, promotor de Justiça de Delmiro Gouveia, alerta sobre os riscos de uma prática antiga que persiste no Brasil: a confusão entre interesses públicos e privados.
Em análise sobre fenômenos atuais, Pereira destaca o crescimento de “falsos especialistas” nas redes sociais, que vendem imagem de sucesso e prosperidade, muitas vezes associada a luxo e festas, enquanto atraem seguidores e investidores desavisados. Alguns chegam a organizar pirâmides financeiras, prejudicando famílias que apostam suas economias.
Segundo o promotor, essa lógica de misturar público e privado remonta às Capitanias Hereditárias e se perpetua nas relações sociais e econômicas, onde privilégios e favorecimentos muitas vezes se sobrepõem à transparência e ao interesse coletivo.
Pereira ressalta que a conivência social diante dessas práticas continua sendo um desafio, alimentando desigualdades e consolidando um universo restrito de poder e riqueza, distante da maioria da população.
Veja o artigo do promotor na íntegra:
Cartas de Paris VII – O Domo
Por Frederico Alves Monteiro Pereira / Promotor de Justiça de Delmiro Gouveia
Existe um mundo paralelo que vai muito além daquilo que os olhos da maioria esmagadora da população enxerga. E não se sintam culpados por esta cegueira; ela nos é imposta e condicionada no dia a dia, na luta pelo pão cotidiano, no suor do ambulante da praia, nas noites mal dormidas daquele comerciante que mata um leão por dia (ou melhor, dois: um contra a burocracia e outro contra a economia cambaleante). Há um universo aprisionado num domo de relações questionáveis, onde a perniciosa cultura da mistura entre o público e o privado é o princípio regente! Contra o domo, e de forma eventual, alguns tentam quebrá-lo; num verdadeiro trabalho de formiga (frequente e persistente); às vezes pelos ductos (no melhor estilo Os Miseráveis), às vezes dando a cara e o corpo ao tapa, mas sempre com fé na caminhada.
Nunca acreditei em ascensões meteóricas, salvo os raríssimos casos daqueles que são fora da curva (Sim, eles existem! Mas são mais difíceis do que garimpar uma gema de qualidade na nossa querida Diamantina). A cada geração, alguns aparecem na física, na medicina, nas artes, na mercância, na economia e, mais raro ainda, na política. E, tão dificultoso quanto a sua existência, é a sua identificação. A desvelação é complicada (volta e meia, eu me questiono: quantos gênios perdemos nas nossas grotas ou nos rincões do Sertão porque não foram para a escola?). Portanto, quando olharmos para os fenômenos das redes, redobrem os cuidados. Imagem, frases curtas e de impacto. Pronto! Temos um especialista. O fenômeno social do especialista de internet (medicina, vida saudável, autoajuda, bem estar, finanças, jurídico, mercado mobiliário, imobiliário, automóveis, aviões, embarcações, et coetera e, por mais incrível que pareça, o especialista político que sabe mais do que o próprio político que ele está analisando). A barbárie informativa está à solta e sem controle. Mas o grupo que mais me chama a atenção são os dos “falsos messias” do poder econômico.
Criam um visual forte com aviões, carros superesportivos, festas nababescas, tudo ali. Escancarado, ao vivo e a cores, Vendem o sentimento de prosperidade (numa espécie de falso sonho americano); a sensação de que você também poderá alcançar aquela riqueza de forma fácil. Tem alguns que são apenas imagens (nada além de uma realidade virtual). Mas existem os mais perniciosos; aqueles que montam pirâmides financeiras e desgraçam famílias alheias que apostaram as suas economias, e outros que (além da pirâmide) adicionam o tempero das relações com aquilo que é público.
Público e privado, uma mistura secular que remonta aos tempos das Capitanias Hereditárias; eviscerada nacionalmente durante e passagem da Coroa Portuguesa pelas terras brasileiras (quem colaborava com o erário e com as despesas do Rei, seriam os legítimos dignatários das insígnias). É o favor, é o jeitinho, é o compadrio, é o direcionamento do fundo financeiro coletivo para o amigo banqueiro (é a imagem valendo mais que o lastro), é o escuso valendo mais do que a transparência, é a ausência de consideração e repeito com aqueles que vivem fora do domo.
E nesses relacionamentos, movidos a champagne, boas festas e caviar, o dinheiro público e o dinheiro coletivo (entenda: coletividade de interesses privados) escoam pelos inúmeros ralos criados, tão diversos que nem a mais afiada imaginação seria capaz de compreendê-los. Mas um elemento sempre estará nesse modus operandi; a cultura de não discernir o interesse público do privado. E a nossa conivência é quase que natural; afinal, são personagens belos, eloquentes, sorridentes, usando golas sempre brancas; frequentam nichos sociais mais elevados, desfilam em carrões e vendem sonhos pela internet; bem diferente da odiosa figura dos homicidas, feminicidas e traficantes, mas que, ao fim e ao cabo, são tão prejudiciais quanto estes.
Mas então, como quebrar o domo? Formando uma classe dirigente que, no tecido social, dignifique-se (primeiramente) a valorizar mais a caminhada do que o destino (Ainda que termine em pizza, fica a dica: faça a sua parte, ajude a quebrar o domo!) para que, num segundo momento, atinjamos o nosso destino, que é a separação do interesse público do privado, abandonando o inconsciente coletivo de que “bem comum seria bem nenhum”. Se é público, é meu, é seu, é nosso; portanto o zelo tem que ser redobrado.
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