Interior
Ufal e Codevasf iniciam projeto para recuperação de lagoa no São Francisco
Canal de São Brás funcionará como um berçário de cerca de seis milhões de peixes nativos por ano
A pesca artesanal é uma das atividades econômicas mais importantes na região do Baixo São Francisco, mas tem sido duramente comprometida em decorrência da construção de barragens e hidrelétricas e da diminuição da qualidade do ambiente aquático, em virtude da poluição, da falta de saneamento e da variação das vazões no rio. O desaparecimento das lagoas marginais, que funcionavam como “braços” do rio e refúgios para peixes, também impactou a ictiofauna, ou seja o conjunto das espécies de peixes que existem naquela região biogeográfica, propiciando o aumento desordenado de espécies predadoras e sem valor econômico, enquanto peixes nativos estão em processo de extinção ou já extintos.
“As lagoas eram espaços de convivência fundamentais, porque quando o rio enchia a calha principal e se conectava com essas lagoas, os peixes migravam com fins reprodutivos para as áreas de confluência e ali realizavam a reprodução”, explica o pesquisador em Ciências Aquáticas e professor da Ufal, Emerson Soares. O município de São Brás possui um canal com 4km de extensão e que, atualmente, só se conecta com o rio em vazões mais altas, ficando sem água e sem função ecológica na maior parte do tempo. Então, a partir de uma provocação da Prefeitura de São Brás, os pesquisadores da Ufal, Emerson Soares e José Vieira, idealizaram um projeto audacioso, mas que logo despertou o interesse e investimento da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), do Ministério da Pesca e Aquicultura e de outros parceiros, devido à efetividade e solidez da proposta, que prevê não somente o desassoreamento do canal, mas também o reflorestamento das áreas marginais pelo Centro de Referência em Recuperação de Áreas Degradadas do Baixo São Francisco (Crad) da Ufal, o saneamento pelo Consórcio Águas do Sertão, uma bolsa ambiental para que ninguém pesque nessa área, além de fiscalização e um trabalho intenso de educação ambiental com a população, envolvendo o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), a Prefeitura de São Brás e o Ministério Público Federal (MPF).
Estrutura e importância do projeto
A Resolução nº 2081 de 2017, da Agência Nacional de Águas (ANA), determina dois pulsos anuais de inundação na região do Baixo São Francisco, então o canal de São Brás contará com um sistema de comportas, que vai permitir que essa água permaneça lá, mesmo quando a vazão diminuir. O ambiente será isento de contaminantes, não terá predadores e vai ser uma área reflorestada, monitorada e cuidada, recebendo, anualmente, cerca de seis milhões de juvenis, de sete espécies nativas. “A união de forças entre instituições vai gerar o sucesso desse trabalho, com o monitoramento da universidade, os peixamentos direcionados e o fortalecimento da base de Itiúba, com a estrutura e as condições para que eles produzam alevinos (peixes juvenis) com boa qualidade genética. Esses peixes vão ter um estágio de crescimento em um ambiente protegido e, quando eles atingirem um certo tamanho e já estiverem adaptados ao ambiente selvagem, vamos liberar a água e esses peixes vão repovoar o São Francisco, descendo ou subindo o rio”, esclarece Soares, um dos coordenadores do projeto.
A necessidade dos peixamentos da Codevasf serem direcionados a este local controlado e monitorado se deve à alta taxa de mortalidade dos alevinos colocados diretamente no Rio São Francisco: “O repovoamento de espécies nativas realizado pela Codevasf, inclusive durante as Expedições Científicas, é muito importante, porque sem eles os pescadores não teriam nem o que pescar no Baixo, no entanto a taxa de mortalidade desses peixes juvenis é muito alta, podendo chegar a 90%, devido à presença de predadores, como a pirambeba. Então é um investimento grande que o governo faz e que só tem um pequeno retorno”, esclarece Soares.
O projeto do canal de São Brás será realizado em etapas e vai proporcionar que as espécies nativas cheguem ao rio já desenvolvidas, diminuindo assim a taxa de mortalidade e favorecendo o equilíbrio do ecossistema. “Atualmente, o ambiente está dominado pela pirambeba e pelo tucunaré, que são espécies rústicas e que devoram tudo. Com outros peixes nativos e predadores, como o pacamã, haverá mais competição e essas espécies não vão mais sobressair”, pondera Soares. E, à medida que o trabalho for consolidado, será pleiteada a parceria do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), através do Grupo de Assessoramento Técnico para a Conservação das Espécies Ameaçadas de Extinção da Fauna Aquática do Rio São Francisco (Pan São Francisco), para repovoamento de outros peixes nativos, de alto valor econômico e que não são mais encontrados na região do Baixo, como o surubim, o pirá e o Dourado.
Esta será a primeira unidade demonstrativa. A pretensão é que o projeto seja ampliado para outras regiões do próprio Baixo São Francisco e sirva de modelo para o Brasil, por ser replicável e permitir a agregação de outras variáveis. Nesta fase inicial, estão sendo realizados os estudos básicos, que devem ser concluídos ainda em 2023, de acordo com o engenheiro Rodrigo Marques, gerente de estudos e projetos da Codevasf do Distrito Federal. “A gente vai fazer os estudos hidrológicos, a batimetria, a topografia e os estudos de sondagem geotécnica. Com isso, a gente já consegue definir efetivamente como vai ser esse projeto no futuro”, esclarece Marques. A previsão é que a construção da estrutura seja concluída em 2024 e que, em 2025, comece a etapa seguinte, que é a do repovoamento dos estoques nativos e monitoramento.
Outros benefícios
A cidade de São Brás é considerada estratégica por ser central e por ser um município pequeno, onde é mais fácil trabalhar com a comunidade. O projeto também vai beneficiar a região do ponto de vista econômico, por meio do turismo e do incentivo fiscal, através do ICMS verde. “A ideia é que a cidade de São Brás, em conjunto com todos esses parceiros, seja enquadrada como uma cidade sustentável, que contribui para a sustentabilidade do São Francisco, e que receba um selo verde, sendo modelo para outras regiões do país. A região vai ter um retorno imediato, gerando turismo, renda para a comunidade, selo ambiental e mais peixes para todos os pescadores do Baixo”, comemora Soares.
Para Maciel Oliveira, presidente do CBHSF, “o projeto é importante em vários aspectos: na questão ambiental pela recuperação de um trecho importante do Rio São Francisco, uma lagoa marginal, que com as baixas vazões deixou de existir; no viés social, porque nós vamos ter nessa região de São Brás a população convivendo novamente com a área do rio; e também a questão econômica, com milhares de pescadores, em todo o Baixo, retomando suas atividades”.
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