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CBF e patrocinadores fazem campanhas para despolitizar camisa da seleção

Confederação e parceiros tentam "resgatar" uniforme, que virou habitual em manifestações de rua desde 2015; especialistas, Galvão Bueno e atacante do Brasil opinam sobre o tema

Por Bruno Cassucci, Raphael Zarko e Thiago Ferri / globo esporte 21/11/2022 18h31
CBF e patrocinadores fazem campanhas para despolitizar camisa da seleção
Camisa da seleção brasileira na Copa do Mundo de 2022 - Foto: globo esporte / Reprodução

.Reconhecida no mundo todo como expressão de futebol bonito e vencedor, a camisa amarela da Seleção ganhou outra conotação ao longo dos últimos anos no Brasil. Utilizada por manifestantes de direita e extrema-direita em manifestações de rua desde 2015, ela passou a ser também forma de expressão política, algo que a CBF tenta evitar às vésperas da estreia canarinho na Copa do Catar.

Dias após a última eleição presidencial, em 30 de outubro, a CBF lançou uma campanha de marketing pregando união da torcida brasileira e exaltando a amarelinha ao som de "Tão Bem", canção de Lulu Santos. Antes, Ambev e Kavak, patrocinadoras da entidade, já haviam lançado peças publicitárias que falavam em resgate da camisa e "virar a chave" da política para o futebol.

– A camisa da Seleção é de todos os brasileiros, não é desse ou daquele. É daqueles que fizeram a história do futebol brasileiro acima de tudo.

É o que tem dito o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues. Durante o processo eleitoral, a CBF tentou se manter isenta. Ednaldo não fez qualquer aparição pública com o atual presidente Bolsonaro nem com secretários de governo, postura bem diferente da adotada por seu antecessor, Rogério Caboclo, que se encontrou e posou para fotos diversas vezes ao lado do presidente da república e apoiadores. Foi em articulação entre gabinetes presidenciais que a Copa América, sem rumo, terminou no Brasil em 2021.

Em outubro, a CBF presenteou John Slusher, executivo da Nike, com uma camisa 22, fato que gerou polêmica em redes sociais por se tratar do mesmo número de Bolsonaro na eleição. A entidade alegou que não havia qualquer conexão política com o gesto e que a referência era em relação ao ano da Copa do Catar. Dias depois, Zagallo foi homenageado pela confederação e recebeu a camisa 13 (mesmo número do PT, de Luiz Inácio Lula da Silva, nas urnas).

Presidente eleito, Lula também endossa essa ideia de dissociação política da camisa e, recentemente, escreveu em seu Twitter que "a gente não tem que ter vergonha de vestir a nossa camisa verde e amarela. O verde e amarelo não é de candidato, não é de partido. O verde e amarelo são as cores para 213 milhões de habitantes que amam este país."

No entanto, tal tentativa de despolitização do uniforme da Seleção ocorre em um momento em que ainda há manifestantes em frente a quartéis pedindo uma intervenção militar, algo inconstitucional.

– Esta camisa não foi sequestrada por um movimento político que eu possa considerar legítimo, no sentido de democrático. Ela foi apropriada por um movimento político de extrema-direita, que vai de encontro a tudo que defendo, em termos de diversidade, de respeito aos povos originários e tradicionais, em termos de enfrentamento ao racismo, à LGBTQIA+fobia. São significados muito profundos, diferenças políticas e ideológicas, e sobretudo democráticas, que são inconciliáveis – opina a comentarista política Flávia Oliveira, da GloboNews.

– Acho legítimo pessoas do campo democrático fazerem este esforço. Para mim ainda está cedo – acrescentou.

Já a cientista política Deysi Cioccari acredita ser possível afastar a conotação política da camisa:

– O esporte tem esta capacidade de unir um país dividido, a gente vê em Olimpíada e Copa do Mundo, mudam os valores. A política é acirrada pelo ódio, pelo medo do outro. O esporte, não, é uma competição contra o outro. Não é mais o princípio básico da política de aniquilar o outro. Mudam os significados, muda a disputa e é muito mais fácil (fazer a distinção).

– Só para lembrar, em momentos de ditadura, como Estado Novo, ou Ditadura Militar, as cores verde e amarela foram trazidas pelos governos, puxando pelo nacionalismo exacerbado. Hoje ninguém fala que verde e amarelo teve relação com a ditadura - e teve, muito forte. Estas coisas vão se apagando, porque pegam outra simbologia, outro olhar sobre o verde e amarelo – complementa Deysi Cioccari.

Quando no ambiente da Seleção, jogadores evitam se manifestar politicamente. Porém, durante a eleição, alguns jogadores declararam apoio público a Jair Bolsonaro. Camisa 10 do Brasil na Copa, Neymar chegou a participar de uma "live" com o presidente em exercício e disse que dedicaria um gol no Catar a ele.

Já o técnico Tite tenta se afastar de polêmica e diz, inclusive, que não vai a Brasília em caso de conquista do Mundial.

– Agora que acabou a eleição fica mais fácil (resgatar a camisa). A gente sabe que a Seleção tem esse objetivo de unir o povo, podemos trazer isso com a Copa do Mundo, fazer com que esqueçam um pouco a política. Vai ser uma alegria grande ver o povo unido de novo – afirmou o atacante Rodrygo, em entrevista ao ge.

Voz do tetra e do pentacampeonato da Seleção, o narrador Galvão Bueno, da Globo, também entrou no debate sobre a dissociação política da amarelinha:

– A seleção e um possível título de hexacampeonato não vão resolver os problemas do país, em hipótese alguma. Mas sabe também o que acontece? A gente viveu momentos tão difíceis agora, de confronto, de ódio, uma coisa tão ruim, que eu acho que é um bom momento, uma das campanhas que fiz agora, resgatando o que significa a camisa da seleção brasileira. Ela é sua, ela é minha, ela é de todos nós!

O Brasil estreia na Copa na quinta-feira, diante da Sérvia, às 16h (de Brasília). O Grupo G ainda conta com Suíça e Camarões.