Educação
Educadores questionam decisão do STF sobre ensino religioso confessional
Para especialistas, essa disciplina na rede pública contraria princípios de laicidade do Estado
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em garantir o ensino religioso confessional nas escolas públicas tem sido motivo de debate e muita polêmica. Especialistas ouvidos pela reportagem da Tribuna Independente são contrários à determinação. Para a Secretaria de Estado da Educação (Seduc), a medida não altera o que vem sendo praticado em Alagoas.
Seja pelo argumento de laicidade do Estado, ou pela defesa da liberdade religiosa, a secretária de assuntos educacionais do Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Alagoas (Sinteal), Edna Lopes, defende que o ensino religioso nas escolas deve ser trabalhado pela perspectiva cultural.
“A gente já se posiciona há bastante tempo nessa questão de que o Estado é laico. A discussão da religião não é para fazer proselitismo, de ensinar religião a ninguém, mas falar de uma maneira geral. É assim que tem se pautado o ensino religioso no Brasil. As escolas têm se pautado para ensinar religião do ponto de vista cultural e não do ponto do vista do credo, isso é pessoal, isso é meu. Essa decisão do STF vem contraditoriamente. Em minha opinião e de muitos educadores, vai contra o que diz a Constituição”.
Esta decisão vem após uma Ação Direta de Inconstitucionalidade da Procuradoria Geral da República (PGR), que questiona o conteúdo da Lei de Diretrizes da Educação Básica. Segundo a PGR o ensino público religioso deve ser facultativo e sem preferência ou predomínio de religiões. Procurado pela reportagem, o Ministério da Educação (MEC) afirmou que não cabe ao órgão opinar ou regulamentar a decisão. Cabendo aos estados a regulamentação da aplicação do ensino religioso no conteúdo programático da rede pública de ensino.
Antes da decisão do Supremo, a disciplina era aplicada no formato não confessional, isto é, apresentando história, aspectos e formatos das religiões sob um plano geral.
“Lembrando que isso leva tempo para ser implantado, não será de imediato, isso precisa de regulação, que é de cada sistema. Para se tornar regra, não é de uma hora para outra que chega nas escolas. Tem um tempo para os sistemas se adequarem”, afirma.
Edna Lopes analisa com cautela a determinação. Ela acredita que haverá barreiras entre os educadores. “Essa repercussão vai encontrar dificuldade inclusive entre os professores que trabalham com isso, porque eles têm a consciência da importância do aspecto religioso, assim como do aspecto cultural, político, que são aspectos da dimensão humana, mas ele não pode ser trabalhado na perspectiva do juízo de valor”, ressalta.
A professora diz que ainda não há uma definição do que vai ser feito de agora em diante. Para ela, os Conselhos vão precisar se debruçar para regulamentar a questão.
“Se a gente já tem dificuldade com a discussão da intolerância a gente vai ter mais dificuldade ainda, porque as pessoas não estão dispostas a aprender com essa dimensão. Ou você defende apaixonadamente um credo ou penaliza outro. Você vai escolher um apenas para trabalhar ao invés de informar sobre todos os aspectos? Os Conselhos vão precisar rever suas resoluções diante disso”, pontua.
“Decisão gera prejuízos para ambiente escolar”
O professor do Seminário Batista Alagoano e Mestre em Ciência da Religião, Jeyson Rodrigues, classifica a decisão como inconstitucional.
“Essa pressão na prática sempre houve. Agora ela pode continuar sendo feita só que a partir de fundamento jurídico, que é inconstitucional, inclusive. Ele [STF] jogou para os estados a responsabilidade de legislar se implementa o ensino religioso de acordo com a laicidade do Estado ou se torna o ensino confessional”, diz.
Para ele, faz parte de uma ‘grande jogada política’ para beneficiar grupos religiosos hegemônicos.
“A gente pode dizer que isso é uma grande jogada política, porque atende os interesses de grupos religiosos hegemônicos, que imoraliza inclusive o simples pensar diferente. Em termos práticos traz dois prejuízos de cara, um: deslegitimar a fé das crianças que não foram criadas nessas tradições hegemônicas, passa como um trator por cima das consciências delas. A outra é que incute na cabeça de crianças socializadas nessa fé o desrespeito pela fé do outro. Elas vão crescer sendo alimentadas nesse sentido”, destaca.
Rodrigues acrescenta que os problemas vão além de questões políticas e sociais, e afetam diretamente as crianças que podem ser expostas a situações delicadas no ambiente escolar.
“O grande problema disso é que o dogmatismo religioso sendo legitimado na sala de aula, ele costuma classificar, rotular e emitir juízo de valor sobre a fé do outro. Então em termos práticos, a gente tem uma sala de aula com católicos, evangélicos, filhos de santo, crianças que foram socializadas em um lar espírita, crianças cujos pais são tem formação ateísta, ou seja, temos uma sala de aula plural, mas vamos ter uma possibilidade de ensino confessional. Porque este tipo de ensino violenta a consciência de crianças que não fazem parte dos grupos hegemônicos. O grande problema do confessionalismo é a marginalização da fé do outro”, expõe.
O professor vai além. Segundo ele, a religião ensinada de forma confessional pode ser considerada como violência.
“Quando esse ensino religioso todo atravessado de preconceitos chega a sala de aula, ele se manifesta de forma violenta, impondo àquelas crianças um conceito diferente muitas vezes do que é ensinado em sala de aula. É um discurso ao qual eu me refiro como uma violência simbólica”
Procurada pela reportagem, a Secretaria Municipal de Educação de Maceió (Semed) se limitou a dizer que a área técnica irá analisar a situação. “A Semed informa que como a decisão do STF é recente, a Coordenação de Ensino Fundamental da Semed vai se reunir para discutir os impactos e a implantação da determinação”, explica em nota.
Já a Secretaria de Estado da Educação (Seduc) afirma que a aplicação atual será mantida. “O ensino da rede estadual segue do mesmo jeito, não é confessional, segue todos os credos. A oferta da disciplina é obrigatória, mas a matrícula é optativa”, afirma a Seduc por meio de assessoria de comunicação.
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