Educação

Quando ensinar adoece

Condições de trabalho de professores da rede pública e privada em Alagoas têm levado profissionais a desenvolver estresse, ansiedade e depressão; muitos só se dão conta do problema quando já foram vencidos pela doença e se afastam do trabalho

Por Tribuna Independente 08/04/2017 07h55
Quando ensinar adoece
Reprodução - Foto: Assessoria

Um cálculo perigoso: acúmulo de trabalho mais tensão. No resultado desta soma, o professor sempre perde. Como num livro, a introdução vem com sinais de insônia, ansiedade e medo. Para muitos educadores, isso tem se tornado parte da rotina, mas o desfecho claramente não é o mais feliz. Apesar de real e preocupante, este tem sido o cotidiano de muitos professores em Alagoas. Trabalhar de forma exaustiva em jornadas de 70 horas semanais, sofrer abusos e assédios por parte das escolas; violência, traumas e agressões de alunos. Atuar em escolas onde falta infraestrutura e sobram problemas. Alguns chegam a desistir do sonho de educar e encontram nos remédios e no isolamento uma compensação.

Os órgãos públicos e entidades representativas da categoria são unânimes em afirmar que os problemas psicológicos e psiquiátricos têm sido cruciais para o afastamento de professores das escolas. No entanto, faltam registros precisos por conta da subnotificação e os casos acabam sendo incluídos numa estatística geral.

Uma resolução do Conselho Federal de Medicina impede a divulgação de informações dos pacientes nas guias médicas, isto é, os códigos das doenças, período e relação das mesmas com o ambiente de trabalho. Isto faz com que os órgãos públicos e até mesmo os sindicatos não tenham o devido controle dos casos.

Na rede estadual de ensino foram 1.542 registros de afastamentos junto à perícia médica em 2016. Mas a Secretaria de Estado da Educação (Seduc) afirma não conseguir identificar os motivos dos afastamentos.

“A resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 1.819/2007 proíbe a colocação do diagnóstico codificado (CID) ou tempo de doença no preenchimento das guias. Desta forma, fica comprometida a informação de quais problemas de saúde são associados à atividade do servidor, impossibilitando até mesmo verificarmos se existe nexo de causalidade entre a enfermidade e a função desempenhada pelo servidor”, esclarece a Seduc.

De acordo com a Secretaria Municipal de Educação (Semed) de Maceió, as informações obtidas são baseadas nos relatos dos professores, no entanto, não há números que endossem. “O que mais tem afastado o professor, bem como outros servidores da Educação, são os problemas relacionados de natureza psiquiátrica, seguido de problemas ortopédicos. Ao todo, em 2016, foram contabilizados 1.218 registros de afastamento de professores por doenças em Maceió”.

A subnotificação acontece também quando o próprio professor não sabe que está com a saúde mental comprometida. O caso vira estatística, mas não da maneira correta. É o que afirma Eduardo Vasconcelos, presidente do Sindicato dos Professores do Estado de Alagoas (Sinpro).

“O que a gente começou a perceber é que tem números, mas são números forjados porque há subnotificação. O professor não sabe que está doente. Adoece na escola, por culpa da escola porque ela não respeita a saúde e segurança do trabalhador. Ele se afasta, mas ao invés de se afastar com garantias que é o B91, ou seja, acidente de trabalho, ele se afasta com o B61, que é auxílio-doença. Quando ele volta, o que muitas vezes acontece é a demissão. Não tem nenhum amparo, está doente fisicamente e, às vezes, psicologicamente e a escola lava as mãos. E desculpe a expressão, o professor se ‘lasca’”, denuncia o presidente da entidade que representa os professores de estabelecimentos privados no Estado.

Os problemas não são restritos a um segmento, alcançam tanto a rede particular como a rede pública de ensino. Um estudo desenvolvido pela Doutora em Saúde Mental Verônica de Medeiros Alves e realizado com professores da rede pública de ensino em Arapiraca apontou uma frequência de 95% nos sintomas de ansiedade. O risco de desenvolver depressão também foi real em mais de 35% dos casos.

“Estudos mostram que um ambiente de trabalho conflituoso contribui para o adoecimento do trabalhador. Quando se fala em professores, então, isso é bem mais complicado devido à sobrecarga de aulas e as dificuldades encontradas em sala, com os alunos. Um estudo que realizei com 219 professores do ensino fundamental identificou o problema. Isso nos traz a ideia de que é uma realidade preocupante quanto à saúde mental dos profissionais”, explica Verônica, que é também docente do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

Para o psicólogo Edberto Lessa, o desgaste sofrido pelos professores em seu contexto profissional é altamente prejudicial. “A profissão de professor é uma das mais estressantes do Brasil. O professor está muitas vezes com transtorno e nem percebe que está com o problema. É uma das classes que mais pedem afastamento pelo nível de estresse. Ele pode desenvolver ansiedade generalizada e depressão profunda por conta da cobrança excessiva. Porque o professor, além da sala de aula, também trabalha em casa preparando plano de aula, elaborando provas. Enfrentar diariamente esse nível de tensão é muito ruim”, expõe.

O adoecimento dos professores acontece pouco a pouco. Os sintomas se relacionam com outros problemas e, muitas vezes, são ignorados. As causas são sempre as mesmas: longas jornadas que continuam até em feriados e fins de semana; excesso de alunos em sala de aula, infraestrutura precária, violência e o mais danoso – o assédio moral.

“Achei que era simples, que ia superar”

Acompanhar o dia a dia de alunos da periferia transformou José Ivaldo de Andrade em um refém do medo. Professor da rede pública, ele se afastou das salas de aula em 2014.

Crises de ansiedade e episódio de fúria despertaram no professor o alerta de que era o momento de procurar ajuda. Os conflitos com os alunos eram constantes. Ele trabalhava os três turnos em escolas públicas de Maceió e Joaquim Gomes.

 

    Meu problema começou na escola. Mas hoje não consigo mais me socializar, afetou minha vida, cheguei até tentar suicídio” JOSÉ IVALDO DE ANDRADE/PROFESSOR

 

“Eu dava aula para Educação de Jovens e Adultos (EJA) no interior. Tinham uns alunos que ameaçavam durante a aula, entravam com fones de ouvidos e diziam que não estavam, que eu era louco, conversavam, atrapalhavam a aula. O desrespeito era muito grande”, afirma.

As dificuldades, segundo ele, eram constantes. “O trabalho era de manhã, tarde e noite. Descanso não tinha. Em Joaquim Gomes, quando chovia, entrava água na sala, as cadeiras quebradas, salário abaixo do mercado porque eu não era concursado. Em Maceió, os alunos usavam drogas na escola e ninguém fazia nada”.

Ivaldo diz que começou a acumular sentimentos até o dia em que perdeu o controle. “Eu entrei na sala errada. Aí uma aluna de mais ou menos 14 anos zombou. Mas ela não só zombou, ela me deu uma tapa nas costas. Eu perguntei por que ela tinha feito aquilo e dei outro [tapa] nela no mesmo lugar. Na hora eu pensei: O que eu fiz? Me trocar por uma aluna? E não consegui dar mais aula. Fui falar com a diretora que não dava mais, que ia procurar um médico”, relata.

O professor entrou de licença em janeiro de 2014, iniciando o tratamento psicológico e medicamentoso. Após alguns meses, foi readaptado como inspetor de alunos. Mas a readaptação durou pouco tempo e logo Ivaldo se afastou, desta vez, em definitivo.

“Eu saí do controle de uma sala para o controle de todas. A gente adoece e o correto não se faz. O aluno chegava tarde e queria entrar. E ai de mim se não deixasse. Diziam que sabiam onde eu morava, que conheciam minha filha. Um dia vi um aluno usando drogas, senti o cheiro, comecei a ficar tonto. Fui lá e o rapaz de 16 anos estava usando maconha dentro da escola. Isso foi muito forte para mim, eu me senti impotente”.

Para Ivaldo, as escolas não têm cumprido seu papel. Segundo ele, os alunos em idade vulnerável passam muito tempo sem aulas e não há engajamento dos atores envolvidos.

“Por que nas escolas a comunidade não participa? Isso não é só sobre a escola, envolve governos. As crianças se acostumam a ficar sem aulas. Não é que elas odeiem o professor, elas odeiam a situação”, explica.

Mesmo realizando o tratamento, Ivaldo não consegue entrar na escola, nem ver alunos de farda. Ele se sente ameaçado. “Eu não me sinto seguro na escola. Tenho fobia. Não aguento. Estou há três anos afastado da escola, faço acompanhamento médico, tomo três tipos de remédios. Será que nesse tempo eu não poderia ter melhorado? Eu fiquei preocupado quando fui ao médico pela última vez. Me assustei com o diagnóstico. Achei que era algo simples, que ia superar. O meu problema começou na escola, mas hoje eu não consigo mais me socializar, afetou minha vida, cheguei até a tentar o suicídio”.

Escola não respeitou nem dor de professora com suicídio do filho

O que fazer quando a dedicação de uma vida inteira se transforma no pior pesadelo? Flávia Farias, professora há 24 anos, lecionava para turmas do ensino médio em escolas públicas e particulares.

Após nove anos de sinais mal compreendidos de depressão, Flávia passou por uma situação devastadora: o filho mais velho, de 18 anos, cometeu suicídio em 2014. “Eu precisava trabalhar, mas eu dizia para ele que não aguentava mais, que ia parar. O meu filho dizia: Mainha, se você parar o que vai ser da gente? Você é a melhor professora do mundo, pode ir que eu cuido dos meninos. Ele me ajudava muito, era meu parceiro. Eu não tenho uma resposta, o suicídio foi um choque porque ele era um exemplo, ele era admirado por todo mundo. Quando isso aconteceu, eu desabei”.

 

    Fui massacrada no pior momento da minha vida. A escola que ele [o filho] estudou obrigou os professores a continuarem as aulas no dia da morte dele” FLÁVIA FARIAS/PROFESSORA

 

A partir daí, Flávia afirma que a pressão no ambiente de trabalho se multiplicou. Neste período, ela trabalhava em duas escolas particulares e uma da rede pública.

“Fui massacrada no pior momento da minha vida. A escola que ele estudou obrigou os professores a continuarem as aulas no dia da morte dele, mas os professores e alunos se recusaram. Quando eu perdi o meu filho, achava que estava sendo ajudada, e a outra escola dizia fique em casa, volte quando você estiver bem. Eu acreditei que estava sendo cuidada e tirei uma licença, mas quando voltei tinham tirado minhas turmas e disseram que eu havia abandonado o trabalho. Ficavam me vigiando, diziam que eu não era a mesma pessoa. Como eu podia ser?”, conta.

Dar aulas passou a ser a forma de Flávia lidar com o sofrimento. “Eu me sentia tão fracassada na vida em perder meu filho. Eu era tão confidente dos meus alunos, me senti tão abraçada quando isso aconteceu, que precisava dar as melhores aulas da minha vida. Precisava fazer o melhor. Só que eu fui vencida pela opressão, pelo assédio, pela frieza e desisti. Hoje eu estou afastada e me sinto pior, mas o ambiente de aula pra mim não dá mais”.

Segundo Flávia, faltou apoio por parte das instituições e dos colegas de trabalho. Certa vez, um aluno questionou o episódio durante uma aula. A afirmativa da professora gerou um conflito com a direção.

“A diretora e a psicóloga da escola me chamaram e disseram que o aluno tinha problemas em casa e ficou arrasado quando soube que eu tinha perdido meu filho. Aí, ela me pediu para eu não tocar no assunto e se fosse falar, não dissesse a verdade. Então, eu respondi: eu enterrei meu filho, mas aprendi a engolir minha dor, aprendi que aqui é uma empresa, eu enterrei meu filho, mas vocês não enterram e atribuem tudo a isso”, lembra.

“Eu ando arrumada, bem vestida, mas eu me sinto uma atriz. Eu estou morta por dentro. Perdi meu filho e o que eu mais amava fazer que era meu trabalho”.

A paixão pela profissão rendeu frutos à Flávia. Em Junho de 2016, em meio à depressão aguda, ela foi homenageada no projeto ‘Professores que educam, talentos que encantam’. Por este motivo, iniciou um canal no Youtube, que tem servido como suporte e refúgio para as horas difíceis.

“Meu filho de 12 anos faz sétimo ano e hoje eu faço vídeos para ajudá-lo. Gravo a aula e posto para ele. Essa é uma forma de me ajudar, fazendo o que gosto”.

Desde 2005, ela tem enfrentado uma verdadeira via crucis quando começaram a aparecer os sintomas da depressão. Duas tentativas de suicídio aconteceram desde então.

“A insônia foi o primeiro sinal, em 2005. Eu passava as noites em claro, tentava dormir e não conseguia. Depois veio taquicardia, crises de choro e de ansiedade. Eu não podia parar, trabalhava os três horários, chegava a dar 16 aulas por dia. Aí, sentia angústia por não poder parar”, relata a professora.

Licenciada da escola particular e aposentada desde fevereiro deste ano da escola pública, Flávia conta que estar numa sala de aula agora é apenas lembrança.

“Eu me senti agredida, assediada, queriam que eu pedisse demissão, mas eu pedi licença. Hoje eu tenho fobia de sala de aula. Me sinto mal ao chegar numa escola. Não me imagino numa sala de aula mais, me desiludi, infelizmente. As pessoas não estão nem aí para sua dor. Elas querem sua vaga. Se eu tivesse recebido apoio da escola, estaria até hoje fazendo o que eu amava fazer. Agora, só restou a solidão”.

Sonho é transformado em pesadelo

Dar aulas para Flávia sempre foi um sonho. Em 2001, começou a se dividir entre as escolas particulares e públicas. Segundo ela, trabalhar os três horários tornou-se uma imposição para que os três filhos pudessem estudar de forma gratuita.

“Para garantir a escola dos meus filhos, eu precisava trabalhar no colégio particular. Porque mesmo trabalhando na rede pública, eu não conseguiria pagar a escola com um salário. Por causa disso, acabei aguentando muita coisa para que eles tivessem um bom estudo. Você vira um escravo. Você fica refém da sala de aula”, afirma.

“Muitos professores não conseguem manter relacionamentos ou casamentos. Quem não é professor não entende o que é passar anos sem férias, porque o calendário de uma escola nunca combina com o da outra. Ou não poder estar presente porque tem que corrigir e preparar provas em pleno fim de semana. É uma coisa desumana como o professor vive”.

Para ela, não ter tempo para a família não foi o único problema. Flávia conta que o assédio moral que sofreu na escola particular também alcançou seus filhos.

“Filho de professor tem que ser o melhor, sempre é apontado. Uma vez fui para a festa do Dia das Mães com meu filho e todas as mães ganharam rosas. Quando fui entrando no ginásio na minha vez de receber a flor, a professora virou, porque viu que eu também era professora”, diz.

As cobranças e pressões vêm de forma disfarçada, segundo a professora. “Nas reuniões de professores, os diretores diziam que não éramos bons, que éramos incompetentes, que o trabalho não prestava. Em uma dessas eu travei dentro do carro, simplesmente não conseguia sair, porque enquanto meus alunos me elogiavam, a direção dizia que o trabalho era ruim e que a gente tinha que agradecer pelo que ganhávamos”.

Na rede pública, Flávia teve o carro depredado e vivenciou episódios de violência. Ela conta que um vigilante foi agredido por um aluno com uma pedrada, mas não pôde se afastar porque precisava conseguir um substituto. Não ter condições de trabalho também era motivo de angústia.

“Eu sofria porque exigiam que eu pedisse R$ 0,10 aos meus alunos para tirar xerox de uma prova e eu me recusava, não tinha coragem. O sistema tira do aluno da escola pública a chance que ele tem. Você se angustia porque não tem uma prova de qualidade para o aluno, não tem um ventilador. Nós professores tínhamos que pagar R$ 5,00 para ter água para beber”.

ESTRESSE

Com um diagnóstico de problemas na tireoide, a professora Ana Maria (o nome é fictício porque a pessoa não quis ser identificada) se afastou da sala de aula em 2013. Ela conta que começou a lecionar em 1988 a disciplina de Língua Portuguesa.

Os problemas de saúde foram agravados pelo estresse sofrido no trabalho. Segundo a professora, o ambiente não cooperou com suas limitações. Ela é profissional da rede municipal de ensino em Maceió.

“A escola é um ambiente muito difícil, onde se sofre mais. Quando fui diagnosticada, continuei trabalhando. Mas se eu tivesse uma vida tranquila, eu teria o problema, mas não as consequências que sofri. Mas imagine você ter um problema interno, fisiológico e um externo, que é o estresse. Infelizmente é uma bomba-relógio”, detalha.

Ana Maria afirma que está se preparando para voltar ao trabalho. Durante o afastamento de quatro anos, estava readaptada em funções de coordenação pedagógica.

“Faço terapia e não sei como vou reagir. A terapeuta disse que eu preciso me sentir a vontade e motivada para voltar. Minha endocrinologista me aconselhou a não voltar por conta da questão física. Mas eu preciso trabalhar. Eu acredito que só com o tempo eu vou saber. Tenho colegas que voltaram a trabalhar e se afastaram porque não aguentaram, mas eu estou tentando voltar para a sala de aula”, explica.

Ela diz que a sobrecarga de trabalho foi crucial para o afastamento das salas de aula. “Você está com uma doença que provoca o estresse e o estresse provoca a piora da doença. Estive o tempo todo vivenciando uma situação mais estressante do que o normal. Eu dava aulas e fazia mestrado, coletava dados, pesquisava. Não consegui continuar”.

“Profissão requer comprometimento máximo”

O psicólogo Edberto Lessa acredita que as situações extremas são a porta de entrada para os males. Segundo ele, a profissão requer do docente um comprometimento máximo, que muitas vezes não é devolvido pela escola ou alunos.

“Numa situação extrema, o professor começa a perceber que não tem mais satisfação, prazer em ir para escola. Ele começa a ter uma dificuldade muito grande até de se acordar para ir à escola. Aí se percebe que a situação está complexa. Se tiver problema em casa, a situação se agrava mais ainda, porque na escola a cobrança é muito grande. Professor não pode ficar só em um local. Tem que dar aula em vários locais. Trabalha em três turnos, porque o salário não é satisfatório e são obrigados a dar aula de manhã, a tarde e a noite”.

Segundo Lessa, o primeiro passo é reconhecer a dificuldade e iniciar o tratamento. O problema, segundo o psicólogo, é que os professores demoram a entender que precisam de ajuda. “Muitas vezes ele não percebe que estar dando aula só prejudica. O professor acha que tem a ver com a vida. Ele sabe que o trabalho não pode parar. Mesmo que aquele trabalho seja exaustivo, ele não aceita que aquilo pode estar acarretando o problema. Como ele vai dar aula se não consegue? E como vai parar se precisa do sustento?”, expõe o especialista.

Abusos contra docentes são denunciados por entidades

Eduardo Vasconcelos, presidente do Sinpro, afirma que há um descaso em relação às condições de trabalho dos professores. Acumular funções é uma prática comum, além do assédio moral. “O descaso é total. O grande problema hoje é o assédio moral. Porque na verdade a escola hoje virou um negócio qualquer. A pressão é desumana. A gente sofre pressão dos pais, dos próprios alunos, porque viraram clientes da direção. E o pior é quando ocorre o chamado assédio horizontal, que vem dos próprios professores e dos coordenadores e supervisores. As escolas visam realmente o lucro, e para o lucro vale tudo. Inclusive, aniquilar o professor”, explica.

Ele conta que a entidade recebe denúncias diariamente. São casos de ameaças da direção, acidentes por desvio de função, assédio moral e sexual. “Uma professora veio aqui na semana passada chorando, extremamente angustiada porque tinha sido ameaçada pelo dono da escola. Ela estava cobrando o salário atrasado. Estava três meses sem receber e ele simplesmente a ameaçou de morte. E aí ela fez um Boletim de Ocorrência e a gente vai denunciar. Já está no Ministério Público do Trabalho [MPT]. Ela foi ameaçada da seguinte forma: ‘Se você procurar o sindicato e a Justiça, você vai ver do que sou capaz’. Aí, vem a questão do machismo. Não é só questão do assédio sexual. As professoras sofrem mais”, revela Vasconcelos.

“Você sabia que professor limpa a escola?” O presidente da entidade afirma que recebeu denúncia com fotos. Casos de desvios de função também são recorrentes e são encaminhados para o Ministério Público do Trabalho. Para o sindicalista, o medo silencia os professores, que dependem do sustento e suportam os abusos para manter o emprego.

“Professor fazendo o trabalho de serviços gerais, não desmerecendo o trabalho desses profissionais, mas para aumentar os lucros. A gente tem sérios e graves desvios de função. Professora depois da aula é obrigada a limpar a sala, isso acontece em escolas menores, de periferia. Mas o que é comum hoje nas escolas grandes, inclusive com ação no MPT, de professor na hora do intervalo de trabalho ter que tomar conta de aluno, ficar na inspeção. Ao invés de contratar uma pessoa para tomar conta do corpo discente, os professores ficam lá expostos, inclusive um professor se acidentou no momento em que fazia isso. O que não teria acontecido se estivesse na sala dos professores. Professor sem poder ir ao banheiro, a gente já denunciou”, aponta.

Segundo Vasconcelos, o acúmulo de trabalho é decorrente dos baixos rendimentos, que precisam ser compensados com múltiplas jornadas. “Muitos professores dão aula pela manhã, à tarde, à noite, com 68, 70 horas semanais e não tem ser humano que aguente. Além de estar na rede privada, a gente também está na rede estadual, municipal. Isso é prática comum, acumular várias redes. E quando a gente pega especificamente a rede privada, percebe que as escolas, na grande maioria, não respeitam as normas de saúde e segurança do trabalhador, as chamadas NRs. No ensino médio, por exemplo, podem até 50, o que ainda sim é uma barbaridade, porque você colocar 50 meninos de 17 anos numa sala de aula é desumano”.

O Sindicato dos Trabalhadores da Educação em Alagoas (Sinteal) afirma que as condições dos professores em sala de aula são preocupação constante. Segundo Lucas Soares, diretor de comunicação, o Sinteal tem participado das discussões nacionais há 10 anos.

“A gente percebe um abandono sobre essa questão. As escolas públicas têm um conjunto muito maior de problemas: acústico; violência, comunidade, o professor tá dando aula e tem tiros, invasão de escolas. A pressão psicológica em cima do professor da rede pública é muito bruta”, classifica.

Para Soares, os problemas são encadeados. “O desgaste emocional, além do conjunto de fatores internos e externos. Tem a questão dos salários baixíssimos. O professor da rede pública não tem valorização e sofre um desgaste financeiro muito grande. O problema psicológico é recorrente, é um processo de destruição do professor em sala de aula. O professor precisa ser pai, mãe, assistente social, psicólogo. Chega a ser temeroso o futuro dessa relação”, ressalta.