Economia
Reajustes salariais abaixo da inflação têm maior patamar desde 2008
Em 2016, 47,6% das negociações resultaram em reajuste abaixo da inflação ante 26% em 2015
Trata-se de uma reversão de uma tendência que vinha nos anos em que a economia brasileira ia bem e o país tinha pleno emprego. Até 2014, a grande maioria das categorias conseguia aumentos salariais acima da inflação. Em 2014, quando o pais ainda vivia uma situação de quase pleno emprego, apenas 4,3% das categorias fecharam aumentos abaixo da inflação, segundo a pesquisa da Fipe.
O percentual de reajustes salariais abaixo da inflação no mercado formal em 2016 foi quase o dobro do registrado em 2015, quando 26% das negociações resultaram em aumentos de salários abaixo da inflação medida pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) – indicador usado como principal referência para aos reajustes salariais.
Menos de um terço (29,9%) das negociações fechadas no ano passado ficaram acima do INPC, ou seja, garantiram aumento real, e 22,5% ficaram iguais, repondo a inflação acumulada em 12 meses até a data-base de cada categoria.
Segundo o diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos), Clemente Ganz Lúcio, o desempenho das negociações salariais retornou para patamares do começo dos anos 2000. Pela série do Dieese, que utiliza outra metodologia e ainda não fechou o balanço de 2016, o pior ano foi 2003, quando 58,4% das negociações salariais não tiveram reposição integral da inflação.
Perspectivas para 2017Para o economista e coordenador do Salariômetro, Hélio Zylberstajn, ainda que a atual desaceleração da inflação e a esperada recuperação da atividade econômica possam dar algum alívio em 2017, as expectativas são de melhora apenas discreta nas negociações salariais.
"Vai ser uma recuperação muito lenta, então o poder de barganha dos trabalhadores vai continuar muito debilitado. Eu diria que o ano de 2017 não deve ser tão ruim como 2016 nas negociações coletivas, mas não vão ser uma maravilha uma vez que o mercado de trabalho ainda está muito fraco", afirma.
A taxa de desemprego alcançou 12% do 4º trimestre de 2016 – marca recorde na série histórica iniciada em 2012. No ano passado, o Brasil perdeu mais 1,32 milhão de empregos formais (em 2015, já tinham sido eliminados 1,54 milhão de empregos com carteira assinada).
Atualmente, são 12,3 milhões de brasileiros desempregados. Na visão dos analistas de mercado, a taxa de desemprego ainda deverá subir mais antes de começar a cair, se estabilizando apenas a partir do 3º trimestre do ano.
"Apesar da expectativa de retomada da atividade, o mercado de trabalho continuará fraco, dado que reage de forma defasada. Ou seja, o cenário continua não propício para renegociações ao trabalhador, dada a elevada ociosidade do fator trabalho na economia", avalia o economista Luiz Fernando Castelli, da consultoria GO Associados.
Na visão dos analistas de mercado, a tendência é que grande parte dos reajustes salariais fique novamente abaixo ou, no máximo, igual a inflação acumulada em 12 meses.
“É difícil pensar numa rápida reversão dessa trajetória negativa diante de um mercado de trabalho ainda em deterioração", afirma Thiago Xavier, analista da consultoria Tendências. “A gente ainda vê uma grande ociosidade do mercado de trabalho, a taxa de desocupação está no maior nível já registrado, e isso diminui o poder de negociação dos trabalhadores”.
Negociações por categoriasNo ano passado, até mesmo categorias com sindicatos fortes e com histórico de correção salarial acima da inflação não conseguiram repor a inflação. No caso dos bancários, após uma greve de 31 dias, eles aceitaram em outubro a proposta de reajuste de 8%. Em 12 meses até outubro, o INPC alcançou 8,5%.
Já a negociação dos petroleiros virou o ano sem acordo e foi finalizada somente em janeiro. A categoria aceitou um reajuste de 8,57%, retroativos a setembro de 2016. No acumulado em 12 meses até setembro, a inflação medida pelo INPC ficou em 9,15%.
Dos 51 ramos de atividade monitorados pelo Salariômetro, em apenas 13 a mediana dos reajustes salariais não ficou abaixo da inflação. Entre as poucas categorias em que a maioria das negociações resultaram em ganho real em 2016 estão os bancos e serviços financeiros, confecções e vestuário, e cemitérios e agências funerárias.
"As empresas não têm muita margem para oferecer, os trabalhadores sabem que eles também não têm muita alternativa, então é um momento muito crítico e dramático", avalia o diretor técnico do Dieese. "No atual cenário, com recessão e aumento do desemprego e fechamento de empresas, a pressão por assinar um acordo abaixo daquilo que normalmente se aceitaria aumenta muito".
O piso mediano negociado em 2016 nos acordos e convenções coletivas ficou em R$ 1.062, valor 21% maior que o salário mínimo vigente no ano passado, segundo a pesquisa. O maior piso salarial médio foi registrado no Paraná (R$ 1.179), seguido por São Paulo (R$ 1.170) e Santa Catarina (R$ 1.153). Os mais baixos foram apurados no Rio Grande do Norte (R$ 906) e Acre (R$ 920).
Segundo Lúcio, reposições de vagas via contratações pelo valor do piso são um dos principais mecanismos de redução de custo. "No mercado de trabalho brasileiro, o ajuste estrutural se dá pelo emprego e pela rotatividade, diferente de outras economias no qual as negociações são muito mais centralizadas e há também uma certa garantia de emprego. Então, a tendência é todo mundo ser contratado pelo piso da categoria", explica.
Redução de jornada e de salárioAinda segundo o Salariômetro, em 2016 foram registrados 353 acordos de redução de jornada e de salário, dos quais 118 (33,4%) utilizaram o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), criado pelo Governo Federal, para socorrer empresas e evitar demissões. Em 2015, foram 284 acordos com redução, sendo que 48 (16,9%) usaram PPE.
Nas empresas que aderem ao PPE, o trabalhador tem a jornada e o salário reduzidos em 30%. Entretanto, o governo paga um complemento, que corresponde à metade da perda salarial do empregado. Na prática, portanto, o trabalhador tem o salário reduzido em 15%.
Até mesmo o salário mínimo ficou sem ganho real pela primeira vez desde 2003. Em 1º de janeiro, o mínimo foi reajustado em 6,48%, e passou de R$ 880 para R$ 937. Considerando a variação de 6,58% do INPC em 2016, houve perda de 0,1% no ano. Caso o índice tivesse sido aplicado integralmente, o valor teria ficado em R$ 938, segundo o Dieese. Desde 2003, entretanto, o salário mínimo acumulou um ganho real de 77,01%, favorecido por uma política de valorização do piso nacional que garante, além do repasse da inflação, aumento real pela variação do PIB.
Renda e massa salarial em quedaSegundo o Dieese, na média anual de 2016, o rendimento médio do trabalhador com carteira assinada do setor privado caiu 2,3%, de de R$ 2.076 para R$ 2.029. Já a massa de rendimentos teve queda de 3,5%, de R$ 185,3 bilhões para R$ 178,8 bilhões. Ou seja, caiu também o montante potencial de consumo das famílias.
Para a consultoria Tendências, a renda média deve ficar praticamente estável em 2017, mas a massa salarial deve registrar mais um ano de queda, em razão da elevada taxa de desocupação.
"Na nossa avaliação, a taxa média de desemprego para 2017 será na casa de 13%", diz Xavier, lembrando que muitas das pessoas que hoje estão no desalento (inativas e sem procurar emprego, portanto fora da conta dos desempregados) pode ser estimulada a voltar a procurar trabalho, o que tende a manter a taxa de desocupação em patamar elevado mesmo em cenário de volta de criação de vagas de trabalho.
"Muito mais grave do que o arrocho salarial é o desemprego. E a dimensão do desemprego é o que puxa a restrição para a reposição salarial", afirma o diretor técnico do Dieese.
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