Cidades
Abandono afetivo levará caso à Justiça
Advogada Andrea Afama diz que nova lei não cobra afeto, mas responsabilidade de quem teve filho e se ausenta da criação
Afeto não se decreta, mas abandono agora tem consequência jurídica clara. É assim que a advogada Andrea Alfama, especialista em direito da mulher e entrevistada da semana do TH Entrevista. Ela resume a mudança trazida pela Lei nº 15.240/2025, que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), para reconhecer o abandono afetivo como ilícito civil, passível de reparação por danos.
Para a advogada, o texto chega para organizar uma discussão antiga: não se trata de obrigar alguém a amar — e sim de afirmar que a omissão consciente de um genitor causa danos reais à criança e deve, portanto, gerar reparação.
“Há quem tente resumir a lei dizendo que ‘o Estado vai obrigar o pai a amar o filho’. Isso é um equívoco enorme”, dispara Andrea logo na primeira resposta. “A lei não obriga afeto; ela obriga responsabilidade. Se a pessoa faz um filho, mas decide não participar da criação, essa ausência deixa marcas emocionais, educacionais e sociais — e a legislação agora reconhece isso de forma objetiva”, explica.
Segundo a advogada, a novidade cria uma moldura legal que favorece provas e decisões mais consistentes. “Antes, cada caso precisava ser construído como se fosse uma tese inédita. Agora, o Judiciário tem um caminho claro para avaliar quando houve abandono e como calcular o dano”.
E que abandono é esse? Nada a ver com morar longe ou com rotinas de guarda compartilhada. Andrea esclarece que a lei mira o genitor que simplesmente não exerce nenhuma das funções que a parentalidade exige. “É o pai — ou a mãe — que some. Não participa da vida escolar, não vai a uma reunião, não checa boletim, não leva ao médico, não agenda vacina, não pergunta como está. É ausência ativa, não distância geográfica”.
Ela enfatiza que a responsabilidade não é apenas afetiva — é concreta. “Criança e adolescente têm demandas. Saúde, escola, rotina, acompanhamento. A omissão nesses pontos é mensurável e impacta diretamente o desenvolvimento. É isso que gera reparação civil”.
Apesar da clareza do texto, Andrea vê um risco que já começa a aparecer nos debates: a tentativa de réus usarem a lei de alienação parental como escudo para justificar a própria ausência. A advogada é crítica do dispositivo. “A lei de alienação parental, na prática, virou ferramenta de muitos genitores que não participam da vida dos filhos, mas alegam que foram ‘impedidos’ pela mãe. É um instrumento retomado com frequência por quem tenta se esquivar da própria omissão”.
Ela afirma que tribunais e profissionais da área já perceberam essa distorção. “O discurso da alienação parental passou a ser usado para intimidar mulheres, especialmente as que criam os filhos sozinhas. É um problema grave e, por isso, sou contra a manutenção da lei no formato atual. Ela protege muito mais o genitor ausente do que a criança”.
Ao mesmo tempo, Andrea destaca que a nova legislação sobre abandono afetivo traz o foco de volta para onde sempre deveria estar: o melhor interesse da criança. “É cansativo ver mães sendo responsabilizadas por tudo, enquanto muitos pais simplesmente não se apresentam, não ligam, não aparecem nem no dia do aniversário da criança. A lei corrige essa assimetria”.
A advogada também faz um alerta: indenização não é “prêmio”. É reconhecimento de um dano real. “O processo não vai apagar anos de ausência, mas pode financiar terapia, acompanhamento psicológico e suporte educacional para minimizar os prejuízos deixados pela omissão do genitor. Estamos falando de cuidado, não de vingança”.
Questionada sobre como espera que a lei seja aplicada nos próximos anos, Andrea é otimista — mas pragmática. “Não acho que os ausentes vão virar pais presentes da noite para o dia. Mas agora existe freio, existe consequência, existe responsabilização”.
E, ao final da entrevista, ela deixa recado direto para quem cria filhos sozinha: “Espero que essa lei encoraje as mães a correr atrás dos direitos dos seus filhos. Não se trata de briga, mas de garantir que a criança não seja invisibilizada pela omissão de quem deveria estar ao lado dela”.
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