Cidades
Avanço do mar assusta o paraíso das águas
Tribuna revela o temor de moradores e empresários com elevação cada vez mais frequente do nível do mar e de lagoas arrastando tudo

Era setembro de 2024 quando um vídeo circulou nas redes sociais e era possível observar o mar revolto e a água invadindo uma residência e ruas no Distrito de Barra Nova, município de Marechal Deodoro, a 28 km da capital Maceió. As fortes ondas derrubaram a barreira de contenção que existia no local e a água acabou entrando em residências — de casas simples a mansões — além de estabelecimentos comerciais, levando piscinas e parte das estruturas dos locais.
O motivo? O “avanço” da maré no povoado de Barra Nova, que, volta e meia, causa transtornos a moradores e comerciantes da região devido às fortes marés, derrubando tudo que encontra pela frente, mesmo que seja um muro de contenção instalado na orla lagunar pela Prefeitura local. O povoado Barra Nova é conhecido pelo fato de a boca da barra, a cada ano, se abrir em um local diferente, causando enormes prejuízos.

Para muitos, a expressão “avanço da maré” é um termo equivocado, porque, segundo especialistas, não são exatamente as marés ou o mar que “avançam”, e, sim, o ser humano que desconhece e — principalmente —, desrespeita o espaço da natureza que, quando em vez, vai em busca do que é dele e arrasta tudo o que encontra.
Nesta série de reportagens que se inicia nesta edição, pegando “gancho” nas chuvas torrenciais que caíram sobre o Estado desde a semana passada e derramaram em solo alagoano quase 500 mm de água (o equivalente a um mês de chuva), a Tribuna foi verificar in loco como estão áreas nas quais moradores, comerciantes e empreendimentos imobiliários se instalaram e correm risco de um dia ver tudo ir por água abaixo.
PARAÍSO SIM, MAS TAMBÉM PODE VIRAR UM INFERNO...
O Distrito de Barra Nova, no município de Marechal Deodoro, a 28 Km de Maceió, na região metropolitana do Estado, é o retrato mais fiel e clássico do que se acostumou chamar por essas plagas de “Alagoas, o Paraíso das Águas”. Cantada em verso e prosa por turistas do Brasil e do mundo por causa também de sua rica gastronomia, o distrito fica encravado no Complexo Estuarino Lagunar Mundaú-Manguaba que se encontra com o mar, em um verdadeiro espetáculo da natureza.
Mas todo esse cenário de beleza do lugar, já há alguns anos, também tem chamado a atenção por causa do “avanço” da maré que tem causado transtornos a moradores e comerciantes da região. Ano passado, por exemplo, parte do muro de contenção, instalado na orla de Barra Nova pela Prefeitura do município, foi destruído pela força do mar e as águas invadiram casas e estabelecimentos comerciais.
O problema de erosão marítima na região é uma questão antiga, que se agrava em momentos de maré alta e ondas mais fortes. O Povoado Barra Nova é conhecido pelo fato de a boca da barra, a cada ano, se abrir em um local diferente. E isso tem assustado os nativos.
Tem assustado gente como Hemetério Calheiros, 76 anos, que mora na Barra Nova desde 1987 e que garante que nos últimos tempos o nível das águas, tanto da lagoa, mas, principalmente do mar, vem se elevando e causando mais estragos, sobretudo por causa da mudança (perda) das áreas de mangue com a violência das ondas do mar.

“Eram canais que ficavam todos nas margens com os mangues e que hoje a gente já não vê mais mangue praticamente, tudo isso acabou. Você vê, tem um mangue ali, esse mangue dali não tem 50 metros de largura mais, porque esse mangue aqui emendava com a Praia do Francês e hoje já não tem mais”, conta Hemetério.
Ele relata que a boca de barra, que antigamente era perto de onde ficava o antigo Detran, na Praia do Sobral, já em Maceió, agora está em frente ao canal da Lagoa Manguaba, perto da Praia do Saco, em Marechal Deodoro. “Esse canal aqui já mudou umas 4 ou 5 vezes durante 20 anos”, afirma o morador. “Mas notamos que, recentemente, isso tem acontecido com mais violência”, acrescenta o morador da Barra Nova.
O exemplo bem nítido da transformação e aumento flagrante do nível das marés na região, como registra nesta reportagem as lentes do repórter fotográfico Adailson Calheiros, revela um restaurante completamente arrasado pelas águas da praia que destruiu mesas e tubulações de águas pluviais, entortou coqueiros, isso sem contar que inundou várias ruas e casas simples a mansões no entorno. E o pior: derrubou pelo menos duas residências.
De acordo com Hemetério, um amigo perdeu parte do patrimônio. “Foi o do meu amigo Adalto, que é mecânico náutico. Ele tinha na frente da casa dele uma oficina onde também ele descia os barcos. A oficina acabou, derrubou tudo”, relata Hemetério.
Bem perto dali, em meio ao bate-papo da Tribuna com Hemetério, a reportagem avista outro nativo que vive na Barra Nova há pouco mais de 15 anos. Com um depósito térmico à mão em busca de água potável para casa por causa da falta do precioso líquido e por problemas com a concessionária de água e saneamento, Rafael Ramos, de 26 anos, passa pelo cenário do estrago. “Eu vi essa bagaceira toda e deu medo, viu”, confirma Rafael.
Também questionado pela Tribuna se teme pelo futuro na Barra Nova com os constantes aumentos dos níveis de maré do mar e das lagoas, Hemetério não titubeia: “Embora eu more às margens da Lagoa Manguaba e fique mais longe do mar, uns 500 metros, confesso que dá medo sim, porque nota-se flagrantemente que as águas do mar estão mais violentas”, finaliza o morador.
“NÍVEL DO MAR ESTÁ ELEVADO HÁ QUASE UM MÊS, ISSO NUNCA ACONTECEU”, DIZ EMPRESÁRIO
Robson Ravi do Nascimento, 31 anos, é proprietário há seis anos de um restaurante entre as praias de Guaxuma e Garça Torta, no litoral norte da capital alagoana e disse que está muito preocupado com o aumento do nível do mar na região nos últimos tempos. “Me preocupa, né? porque nos últimos anos o mar vem, a cada dia, chegando mais próximo do nosso restaurante. Todos os anos o mar tem esse avanço, principalmente no mês de março ou abril. Isso sempre era normal, era um fato”, disse o empresário. Porém, Robson tem notado algo diferente do habitual neste ano de 2025.
“Mas neste ano de 2025, notamos que ele se elevou por muito e muito tempo e ficou por quase um mês, entre março e abril, com o nível elevado. Geralmente, ele vinha e ficava com o nível maior por uma semana. Mas, desta vez, ficou quase um mês aí batendo forte e que chegou a derrubar uns três coqueiros, como vocês podem ver aí na areia”, completou o empresário.

E o que Robson relatou, a Tribuna pôde constatar. Pelo menos três coqueiros foram arrancados da areia pelas ondas do mar de Guaxuma bem vizinho ao restaurante de Robson. “Mas na verdade, eram cinco coqueiros ali e que já tinham sido derrubados há uns dois anos e não foi a chuva, foram as águas do mar”, completa o empresário.
Para piorar a preocupação de Robson e o deixar assustado, é fato de que em frente ao seu quiosque, as águas do mar vêm nitidamente cavando espaços na areia da praia e que já atingiram parte da estrutura do empreendimento. “Cada vez que vem com mais força, ele vem cavando e estou com medo de ele terminar derrubando a estrutura. Já recebi o conselho para fazer uma contenção. Mas agora a gente não pode mexer, porque para fazer isso, precisamos ter uma licença dos órgãos do meio ambiente”, conclui o empresário.
Não percam! Na segunda reportagem da Série na próxima semana, a Tribuna trará à baila depoimentos de especialistas e o que pensam sobre o assunto.

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