Cidades
'Se empreendimento não levar em conta impactos de vizinhança, essa parte de Maceió vai virar Gaza'
Afirmação é do presidente de associação sobre projeto da construção de megatorres no entorno da Lagoa da Anta

“Se esse empreendimento não levar em conta os impactos ambientais e impactos de vizinhança, esse pedaço de Maceió vai virar uma espécie de Faixa de Gaza, empurrando os moradores para trás e beneficiando somente os endinheirados que vão morar nessas torres”.
A afirmação é do professor e administrador de empresas José Queiroz de Oliveira, 66 anos, que também preside a Associação dos Moradores do Stella Maris, (Astema), que representa mais de 20 mil moradores do Corredor Vera Arruda, encravado no bairro de Jatiúca e no entorno de onde se pretende construir cinco megatorres de 15 andares na Lagoa da Anta, no bairro de Jatiúca, em Maceió, em plena orla turística da cidade.
Essa possibilidade tem gerado discussões prós e contra no que concerne aos impactos ambientais e à mobilidade urbana no entorno do empreendimento milionário. O projeto, alardeado como promessa de modificar o cenário urbanístico da região, tem despertado preocupações entre moradores, ambientalistas e autoridades públicas. Em função disso, até o momento, já foram realizadas duas Audiências Públicas, uma na Assembleia Legislativa de Alagoas (ALE) e a outra, mais recente, na Câmara Municipal de Maceió.

O projeto é da Record Construtora, que já fechou acordo com o Grupo Lundgren, dono do Hotel Jatiúca, localizado na Lagoa da Anta, e que se constitui em umas das belas paisagens do local. Além da polêmica em torno do empreendimento, outro pano de fundo no assunto é a questão do Plano Diretor de Maceió, que, segundo os urbanistas e ambientalistas, está desatualizado há quase 20 anos.
“O que é que estão fazendo com a Faixa de Gaza? Empurrando ou expulsando o povo palestino de suas terras no Oriente Médio. Aqui nesse empreendimento, nós os moradores vamos correr os mesmos riscos”, comenta o professor, fazendo uma analogia ao que ocorre no Oriente Médio atualmente, ao referir-se à guerra entre israelenses e palestinos.
“Pelo que tomei conhecimento desse empreendimento, eles vão praticamente privatizar a Lagoa (da Anta)”, diz Queiroz.
“Esse estudo de impacto de vizinhança está na Lei, mas não consta no projeto”, afirma Queiroz, ao relembrar que a área já recebeu empreendimentos como um shopping, e duas grandes lojas (Leroy Merlin e Carajás) e de que não houve estudo de impacto de vizinhança, como esse também não tem”, sustenta o administrador de empresas.
“Ou seja, é uma questão também de mobilidade urbana e isso é muito sério”, acrescenta Queiroz.
CRÍTICA A ESPIGÕES:
“MACEIÓ ESTÁ NA
CONTRAMÃO DO MUNDO”
E como se não bastasse a crítica ao empreendimento imobiliário que se pretende construir na Lagoa da Anta, na Jatiúca - da forma como está - Queiroz aproveitou para criticar também os “espigões”, prédios de muitos andares, que têm tomado conta da orla de Maceió, principalmente no bairro e orla de Guaxuma, construídos quase aos “pés” do mar: “Maceió está indo na contramão do mundo, construindo espigões à beira-mar. O mundo hoje está demandando lugares aprazíveis, de lazer para as famílias, para os turistas. Na Europa, por exemplo, os governos estão derrubando esses prédios que o mar invadiu, e reconstituindo como era, recuperando as áreas verdes, refazendo os prédios construídos aos ‘pés’ do mar e perto do mar para voltar ao cenário original, respeitando a natureza e o meio ambiente”, ressalta.
Para sustentar as observações, Queiroz relembra um fato que todos os cidadãos da capital alagoana têm convivido desde 2018. O afundamento do solo em pelo menos cinco bairros de Maceió por causa da mineração da empresa Braskem.

“Maceió já perdeu área sul, onde foi construída a antiga Salgema nos anos 1970, e depois Braskem, e que destruiu uma parte da cidade, como todos sabemos. Então é preciso ficar de olhos bem abertos”, ressalta.
Queiroz faz questão de, no entanto, dizer que boa parte do projeto que tomou conhecimento tem muita coisa interessante e que pode, sim, contribuir com o desenvolvimento da cidade, mas que se escolha um local mais adequado e que se respeite a sustentabilidade e mobilidade sem prejudicar a rotina das pessoas no entorno que já é bastante atribulada.
Para respaldar o que defende Queiroz, a Tribuna ouviu também uma especialista na questão urbanística. “A cidade é feita por pessoas, para pessoas e com pessoas. O Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257/2001, determina que para um pleno desenvolvimento das cidades a política urbana deve seguir diretrizes básicas, dentre elas, o planejamento de seu desenvolvimento, da distribuição espacial da população e das atividades, de modo a evitar e corrigir distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente. Essa lei federal prevê também que a instalação de empreendimentos que possam funcionar como polos geradores de tráfego sem a infraestrutura correspondente deve ser controlada pelo Poder Público”, destaca Lorena Medeiros, especialista em direito urbanístico e ambiental.

“Empreendimentos na região da Lagoa da Anta devem ser analisados com a máxima cautela, não somente pelo fato da lagoa ser um bem ambiental especialmente protegido, mas porque a cidade precisa estar apta a receber a nova demanda populacional. E isso se faz com planejamento. Apesar do dever legal do Município, o Plano Diretor está desatualizado e não existe Plano de Mobilidade Municipal. Isso tem gerado grandes prejuízos para população como um todo. Sem falar que gera uma insegurança jurídica para população, para o empreendedor e para todos os órgãos envolvidos no licenciamento urbanístico e ambiental de empreendimentos imobiliários. Todos têm o direito de saber até onde a cidade pode crescer, quais os impactos disso e como mitigá-los”, completa Lorena.
MORADORES
TEMEM
CONSTRUÇÃO
Em meio a esse turbilhão para se discutir o assunto, a Tribuna fez um pequeno périplo na região onde se pretende construir o megaempreendimento, na Lagoa da Anta, e ouviu moradores do entorno e populares que, frequentemente, fazem sua caminhada ou passeiam na região.
O casal Wellington Santos Batista, 50 anos, administrador de empresas, e a esposa Tatiana Costa, bancária, moram no bairro da Jatiúca e são assíduos frequentadores de passeios e caminhadas na Lagoa da Anta, contíguo ao Hotel Jatiúca, na praia homônima.
“É uma área pública e se faz necessário se discutir muito esse assunto. Não se pode privar essa paisagem para nós alagoanos e entregar à iniciativa privada para somente ela usufruir de um bem e patrimônio público. Tem que discutir Plano Diretor e evitar esses prédios ‘pé na areia’”, opina Wellington Santos.

“Maceió já é uma cidade carente de áreas verdes e então não se pode entregar isso à iniciativa privada e dar esses privilégios para poucos”, completa Tatiana.
Moradora do bairro de Jacarecica há um ano, egressa de São Paulo e também assídua transeunte da Lagoa da Anta, onde faz caminhadas nas horas vagas, Leona Lance, que trabalha com produtos na internet, diz que qualquer projeto que tire o prazer das pessoas de apreciar as belezas naturais da orla da capital alagoana não pode ser aprovado pelas autoridades. “Pelo que ouvi desse projeto é uma forma de privatizar essa beleza aqui e isso os governantes não podem admitir”, opinou Leona.
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