Cidades

Cirurgião plástico é denunciado por erro médico

Cerca de 40 mulheres dizem que foram vítimas e sofreram mutilações nos corpos; parte delas ingressa com ação na Justiça

Por Valdete Calheiros - Colaboradora / Tribuna Independente 19/10/2024 11h30 - Atualizado em 19/10/2024 11h32
Cirurgião plástico é denunciado por erro médico
Mulher apresenta enorme cicatriz no abdômen, após ter sido submetida a cirurgia com o médico - Foto: Arquivo pessoal

Um grupo de mulheres procurou o jornal Tribuna Independente para denunciar ter sido vítima de erros médicos supostamente praticados pelo cirurgião plástico Felipe Araújo Mendonça Costa. Entre as acusações, feitas pelas pacientes, mutilações e deformações nas regiões dos corpos femininos submetidas aos procedimentos estéticos. As pacientes se queixaram também de não terem sido atendidas com a devida assistência no tratamento pós-cirúrgico. Segundo elas, todas as cirurgias foram pagas de forma particular, com custos variando, conforme os relatos, entre R$ 25 mil e R$ 70 mil.

O especialista tem uma carreira sólida na Medicina, construída há mais de uma década. O médico é um dos mais renomados cirurgiões plásticos de Alagoas. Considerado uma referência em cirurgia plástica, em apenas uma das redes sociais, ele tem mais de 67 mil seguidores.

Munidas de fotos das áreas operadas e imagens das cicatrizes das suas respectivas cirurgias e sem querer mostrar seus rostos ou revelar seus nomes verdadeiros, sob a justificativa de que estão em tratamento psicológico para tentar aceitar o corpo que passaram a ter depois dos procedimentos estéticos. As pacientes, alegando estarem com o emocional bastante abalado, se dirigem ao médico com adjetivos desqualificadores, os quais, a linha editorial do jornal Tribuna Independente, optou por não reproduzi-los.

As mulheres serão tratadas a seguir por nomes femininos de flores. Todos fictícios. Segundo o grupo, houve negligência, imperícia e imprudência. As mulheres tinham, à época dos procedimentos, entre 18 e 50 anos. Em comum, todas conheceram o médico e buscaram suas referências profissionais nas redes sociais. Com profissões distintas, entre elas há uma arquiteta, empresárias, estudantes, donas de casa e digital influencer.

As cirurgias, que o grupo chamou de “sonho” viraram, segundo testemunhos “pesadelos irreversíveis”. A maioria disse já ter feito vários outros procedimentos reparadores na esperança de terem seus corpos de volta. Na avaliação das vítimas, suas cicatrizes inflamaram e necrosaram.

De acordo com as denúncias, entre as sequelas estão seios de diferentes tamanhos e formas, glúteos assimétricos, umbigo disforme, cicatrizes desproporcionais, além de deformação da barriga. Todas apresentaram fotos do que definem como “deformações pós-cirúrgicas”.

As mulheres se uniram em uma rede social para denunciar o suposto erro médico. Em um grupo de compartilhamento, elas começaram a compartilhar fotos das sequelas em seus corpos. No total, cerca de 40 mulheres afirmam ser vítimas do profissional. Para elas, a função do grupo é a de evitar que “outras mulheres passem pelo mesmo problema”. O perfil conta com quase 4 mil e 500 seguidores.

Há alguns anos, o grupo procurou uma instituição que acolhe mulheres vítimas de violência e denunciaram o fato. Hoje, a maioria tem como advogado do Gabriel Grigorio Silva Gouveia.

Mulheres relatam sequelas e entram com ações na Justiça e no Cremal

A paciente de nome fictício Azaleia queria reduzir a mama. A cirurgia foi em 2021. Após o procedimento, notou que os seio e auréolas ficaram em tamanhos diferentes Ao procurar o médico, ouviu como resposta que “todo corpo é assimétrico”. A paciente disse que trabalha seu emocional até hoje para se aceitar após o procedimento.

Segundo a paciente, entre a procura pelo médico e a cirurgia passaram-se apenas três dias úteis. Azaleia disse ainda que foi convencida pelo médico a fazer outros procedimentos como lipo LAD HD [remove a camada de gordura abdominal superficial e também ajuda a evidenciar os contornos musculares, proporcionando aquele visual de barriga com “gominhos” que só é possível com prática de atividade física regular e alimentação regrada], mini abdominoplastia e enxerto de gordura no glúteo. “Ele ofereceu descontos e vantagens para que eu realizasse todos os procedimentos de uma vez. A oferta era tentadora”.

A paciente “Melissa” optou, com o consentimento do profissional, por fazer quatro cirurgias de uma única vez. Em 2019, resolveu concretizar o desejo de diminuir o tamanho das mamas e também fez abdominoplastia, extração de vesícula e lipoaspiração.

Grande cicatriz foi deixada no corpo de uma das mulheres que denunciaram ser vítima de erro médico (Foto: Arquivo pessoal)

“No dia seguinte à cirurgia, uma amiga que me acompanhava no hospital, chamou minha atenção para o fato de que minha mama estava escura. Mandamos foto da coloração atípica ao médico. A abdominoplastia abriu e ficou um buraco. Ele sempre respondia que o que estava acontecendo era normal que o problema era meu corpo que tinha uma cicatrização difícil. Para ter coragem de me olhar no espelho, fiz uma tatuagem na mama para cobrir o buraco que ficou”, salientou.

Outra paciente, “Margarida” alegou que o médico queimou sua barriga. “Em 2015, fiz uma nova abdominoplastia. A primeira com ele. Desta vez, deu tudo errado. Ele não conseguiu suturar o corte, queimou minha barriga, arranhou meu pescoço e deixou uma cicatriz horrorosa em formato de T”, disse.

O advogado Gabriel Grigorio Silva Gouveia representa sete das pacientes do médico. “Todos os processos são individuais e estão em fase de conhecimento e apuração dos fatos. As provas estão sendo colhidas e analisadas. Não consigo entrar em maiores detalhes pois as ações tramitam em segredo de Justiça, porém em nenhuma das ações há sentença de mérito. Não há data marcada para julgamentos”, detalhou o advogado de parte das pacientes.

Paralelamente ao processo judicial, existe procedimento disciplinar contra o médico tramitando no Conselho Regional de Medicina. Antes de procurar a Justiça elas disseram ter procurado a Ordem dos Advogados do Brasil, a Polícia Civil e o Instituto Médico Legal, além da AME (Associação de Apoio a Mulheres Vítimas de Violência).

Médico repudia as acusações e diz que são ilações caluniosas

A reportagem do jornal Tribuna Independente procurou o médico. Ele afirmou que “inicialmente, registro meu total repúdio a tais ilações caluniosas e injuriosas proferidas a meu respeito. Venho sofrendo um linchamento virtual com um desrespeito e uma agressividade sem proporções, sempre com base em especulações irresponsáveis e inverídicas”.

Disse ainda que como profissional de saúde, tinha como prioridade seguir as normas éticas que regem a profissão, utilizando conhecimento atualizado e dedicando-se para garantir a saúde e o bem-estar de todos que atendia.

“Ao longo dos meus 15 anos de carreira, realizei mais de 6 mil cirurgias, sendo membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) e me atualizando continuamente com cursos de especialização no Brasil e no exterior. Necessário destacar, ainda, que existe uma diferença entre erro médico, insatisfação de um(a) paciente e intercorrências pós-cirúrgicas. Ressalto, por fim, que não há nenhum tipo de laudo pericial ou qualquer evidência que corrobore com a alegação de suposto erro médico de minha parte, e igualmente jamais sofri qualquer condenação judicial ou ética acerca desses fatos ou de qualquer outro, de modo que todas as medidas judiciais, cíveis e criminais estão sendo adotadas contra quem irresponsavelmente veicula ou reproduz ilações falsas a meu respeito”, finalizou. A explicação do médico foi enviada à Tribuna de Alagoas pelo seu advogado.

O presidente do Conselho Regional de Medicina, em Alagoas, (Cremal) médico Benício Bulhões, confirmou que foram protocolizadas denúncias contra o médico no Conselho. “São algumas denúncias. Estão em fase de apuração e, de acordo com o Código de Processo Ético Profissional, correm em sigilo. Assim que os resultados acontecerem, serão informados às partes envolvidas. Afinal, duas das penas que o médico pode sofrer quando ele é condenado são penas sigilosas, por isso que elas são apuradas em sigilo”, frisou o presidente do Cremal.