Cidades

Moradores dos Flexais rejeitam requalificação

Vítimas da mineração dizem que proposta do MPF para revitalizar bairro só agrada a Braskem e prefeitura

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / Tribuna Independente 24/07/2024 09h08
Moradores dos Flexais rejeitam requalificação
Moradores dos Flexais condenam plano de requalificação e pedem realocação com indenização - Foto: Edilson Omena

A notícia de que o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) se reuniram com representantes da Prefeitura de Maceió e da Braskem para colocar em prática um plano de requalificação dos Flexais provocou uma onda de contestações por parte dos moradores do bairro de Bebedouro. Nas mídias sociais, a reação à proposta foi imediata, principalmente porque nem as vítimas do afundamento do solo e nem os moradores dos Flexais participaram da reunião.

De acordo com o MPF, as obras e iniciativas comerciais e educacionais avançam na região dos Flexais e Bebedouro, dentro do plano socioambiental aprovado pelos órgãos de fiscalização e controle, em parceria com a Prefeitura de Maceió e o mineradora. “As medidas buscam a reversão do ilhamento socioeconômico causado pela realocação de moradores afetados pelo afundamento do solo”, afirmou a assessoria de comunicação do MPF/AL, na nota distribuída com a imprensa, na manhã de ontem (23/7).

No material de divulgação, o MPF informa que na última sexta-feira, dia 19 de julho, ocorreu mais uma reunião de acompanhamento dos trabalhos visando à reversão da situação de ilhamento socioeconômico da região dos Flexais, causado após o esvaziamento dos imóveis atingidos pelo afundamento do solo causado pela Braskem, em Maceió/AL.

“O encontro contou com a participação de representantes do Ministério Público Federal (MPF), da Defensoria Pública da União (DPU), da Prefeitura de Maceió e da Braskem e tratou sobre as etapas cumpridas até junho de 2024”, acrescentou a nota.

Segundo a assessoria do MPF/AL, “desde o início do projeto, a revitalização da região tem se pautado por uma abordagem abrangente, que inclui não apenas melhorias estruturais, mas também iniciativas culturais e educacionais. Entre as ações apresentadas, destacam-se as feiras com participação de empreendedores do Flexal, que têm proporcionado um incentivo à dinamização econômica e cultural para a comunidade”.

Além das feiras, o MPF/AL destacou que “foram promovidos cursos de aperfeiçoamento voltados para jovens adultos, alcançando 92 pessoas até o momento, aumentando suas chances de inserção no mercado de trabalho e buscando contribuir também para o desenvolvimento econômico da região”.

“Das 23 medidas estabelecidas no Projeto Flexais, 14 já foram concluídas ou estão em andamento, quatro estão em execução e cinco estão com início planejado. Entre as obras já iniciadas estão: requalificação viária e as construções de uma creche/escola e uma Unidade Básica de Saúde (UBS)”, infirmou o órgão ministerial.

Um dos problemas crônicos da região de Bebedouro, a ponte do Rio do Silva, que sempre inunda quando chove forte em Maceió, impossibilitando o trânsito na principal avenida do bairro, tem promessa de solução, dentro do plano de requalificação. Pelo menos, é uma das promessas.

“A manutenção do Riacho do Silva permanece como uma prioridade, essencial para o programa de revitalização e para a prevenção de desastres naturais. O desassoreamento do riacho é medida considerada essencial”, garante o MPF.

População do bairro sofre com o ilhamento causado pela mineração (Foto: Edilson Omena)

MPF reconhece ilhamento socioeconômico da região

De acordo com o material divulgado pela assessoria do MPF/AL, “a região dos Flexais ficou em ilhamento socioeconômico em razão do esvaziamento da área abrangida pelo mapa de risco da Defesa Civil. Os moradores contestam essa informação. Para ele, o bairro era para ter sido incluindo na área de risco, já que as casas estão rachadas e a barreira ameaça desabar sobre elas.

No entanto, os órgãos ministeriais têm outro entendimento, embora reconheçam que a região dos Flexais sofre os efeitos deletérios da mineração. “O MPF, o MPAL e a DPU atuam no caso desde janeiro de 2021, considerando-o um importante reflexo causado pelas ações de realocação da área atingida pelo afundamento do solo em Maceió”, afirmaram, por meio de nota, os representantes ministeriais.

“Diante da inexistência de afundamento na região, defendida pelos órgãos técnicos, e considerando que a realocação deve ser medida extrema a ser adotada apenas na impossibilidade de restabelecimento da situação anterior, as instituições indicam que a requalificação da área é fundamental para reverter os impactos socioeconômicos causados pela crise”, justificaram, por meio de nota.

Por fim, os órgãos ministeriais, capitaneados pelo MPF/AL, “destacam que é fundamental que a Braskem e a Prefeitura acelerem todas as providências necessárias ao início das obras previstas no acordo. Ao Município de Maceió foi explicada também a necessidade de avanço das providências que lhe cabem quanto à assistência técnica e investimentos/intervenções na encosta”.

Para os representantes das vítimas da Braskem, a atuação do MPF e demais órgãos de fiscalização e controle é vexatória. Segundo eles, o plano de requalificação dos Flexais é mais uma ação de agressão contra as vítimas da Braskem na região dos Flexais.

“É um plano que agride a dignidade humana das vítimas do crime socioambiental da Braskem, além de agredir o princípio da centralidade do sofrimento das vítimas, o princípio do devido processo legal coletivo e individual, o princípio da participação das vítimas e do princípio da reparação justa”, afirma o coordenador do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem em Maceió, Cássio Araújo.

Segundo ele, os ministérios públicos e demais órgãos ministeriais “se arvorando como donos dos diretos das vítimas decidem pelas vítimas sem levar em conta o que as pessoas atingidas querem e desconsiderando os inúmeros estudos técnicos realizados”.

Na opinião do coordenador do MUVB, os ministérios públicos atuam com uma representatividade inadequada, pois eles deveriam levar em conta o que as vítimas desejam e agem de modo adesista ao que a Braskem acha que deve ser.

“O plano de requalificação é um fiasco que qualquer pessoa de bom senso percebe de início, pois para aquela área voltar a ser o que era seria preciso fazer retornar as 15 mil pessoas de Bebedouro e adjacências que se deslocaram, as escolas públicas e privadas que existiam, inclusive a de nível superior, além dos postos de saúde, açougues, farmácias, mercadinhos, supermercado, mercado público, feiras livres, igrejas e toda a dinâmica social, cultural e econômica que havia antes na região. Vai haver esse retorno? Se não vai haver, esse tal de plano de requalificação é uma enganação”, afirma.

Empresários também fazem críticas ao plano da prefeitura

Segundo o presidente da Associação dos Empreendedores Vítimas da Mineração em Maceió, Alexandre Sampaio, os moradores dos Flexais estão ilhados e querem ser realocados, recebendo uma indenização justa para que possam morar num local seguro e perto de tudo.

“O ilhamento sócio econômico dos Flexais não se resolve com nenhuma das 23 medidas estabelecidas no acordo do MPF, MPE e DPU com a Braskem”, afirmou Sampaio.

Por isso, para as vítimas da mineração, a proposta do Ministério Público Federal e demais órgãos associados só agrada a empresa e prefeitura de Maceió, que recebeu, na gestão do prefeito JHC (PL), uma indenização de R$ 1,7 milhões, mas “até agora não abasteceu nem o Fundo de Amparo aos Moradores (FAM).
Alexandre Sampaio destaca os principais motivos que levaram a maioria dos moradores dos Flexais a optar pela realocação (mais de 80%), ao invés da revitalização que vem na esteira da proposta de requalificação, defendida pelos órgãos ministeriais, em consonância com a Prefeitura e a Braskem.

Principais motivos:

1. Negócios inviáveis impossível recompor os serviços antes existentes, quando haviam 6.000 empresas na região, dezenas de escolas públicas e particulares, Cras, postos de saúde, hospitais, clínicas, mercadinhos e supermercados, farmácias, mercado público, pesca, etc. Nenhum negócio sobrevive apenas da população remanescente dos Flexais;

2. A ausência de linhas de ônibus, VLT e pesca: não tem nenhuma forma de resolução que traga mobilidade digna, sequer na condição anterior ao crime da Braskem. Ao contrário, as linhas de ônibus foram reduzidas, o VLT interrompido, nem Uber, nem táxi aceitam corrida;

3. Insegurança geológica, pública e de saúde: não se consegue mais alvarás para prédios e a legislação do plano diretor impede novas edificações nos Flexais, área restrita de expansão urbana. É ilegal revitalizar;

4. Seis laudos demonstram inviabilidade: Como um empreendedor vai investir numa área onde dois laudos de engenharia apontam problemas graves de rachaduras em dezenas de casas, dois laudos antropológicos e um laudo urbanístico demonstram a desconexão com a cidade, pois é preciso passar por áreas destruídas para chegar a qualquer ponto de Maceió, e um laudo da própria Defesa Civil explica O ilhamento? Só na cabeça de autoridades sem compromisso com a verdade dos fatos que se mantém uma ideia esdrúxula de revitalizar escombros.