Cidades

Promotores do júri falam sobre suas atuações e alertam para o alto índice de tentativas e assassinato de mulheres

Estes crimes têm-se tornado, praticamente, pauta semanal no cronograma dos promotores de Justiça Antônio Vilas Boas, Adilza Freitas e Tácito Yuri que atuam nas 7ª, 8ª e 9ª Varas da Capital, respectivamente

Por Ascom MP/AL 08/05/2024 16h22
Promotores do júri falam sobre suas atuações e alertam para o alto índice de tentativas e assassinato de mulheres
Promotores de Justiça têm atuado cada vez mais em casos deste tipo - Foto: Ascom MP/AL

Por pouco Maria Valdeci dos Santos não figurou como mais uma Joana D’Arc sendo queimada numa fogueira, feita pelo ex-companheiro José Cícero dos Santos, crime registrado no dia 14 de março de 2016, com júri ocorrido oito anos após, exatamente no dia 25 de abril de 2024, onde o réu foi condenado a 12 anos de prisão. Por motivo similar, no dia 26 de abril deste ano, em Arapiraca, um homem que ameaçava atear fogo na ex-companheira foi preso em flagrante. Promotores de Justiça que atuam no júri alertam para a quantidade de casos relacionados a feminicídio ou tentativa de feminicídio que têm ocorrido com frequência em Maceió e também no interior de Alagoas.

Fazer sustentação com o propósito de buscar a responsabilização criminal do agressor, levar à condenação máxima autores de crimes que vitimam mulheres tem-se tornado, praticamente, pauta semanal no cronograma dos promotores de Justiça Antônio Vilas Boas, Adilza Freitas e Tácito Yuri que atuam nas 7ª, 8ª e 9ª Varas da Capital, respectivamente. Feminicídio é um tema delicado, considerado uma barbárie executada mediante a covardia e estupidez de alguns homens que, na maioria das vezes, não aceitam o fim do relacionamento.

O promotor de Justiça que atua no Tribunal do Júri defende o direito de viver, buscando a responsabilização criminal daqueles que mataram ou tentaram matar outra pessoa. Ao estudar o caso que irá a julgamento, pode deixar de pedir a condenação. A promotora de Justiça Adilza Freitas é uma das representantes do MP/AL que tem se debruçado nos processos relacionados a esse tipo de crime e busca a responsabilização criminal dos autores. Ela ressalta a continuidade dessa violência descontrolada e avalia essa realidade que, para ela, requer um olhar diferenciado.

“Temos compreensão da complexidade que norteia o feminicídio na sua forma tentada porque as vítimas geralmente comparecem em plenário para dizer que o seu agressor é bom pai e que mudou; e ela até já o perdoou. A sociedade representada pelo Conselho de Sentença tem repudiado esse tipo de crime, condenando os réus quer seja na sua forma consumada ou tentada, mesmo a vitima comparecendo em plenário e falando na defesa do seu agressor. Não somos obrigados a acusar quando o processo não oferecer elementos para tal. Vamos para o plenário com o compromisso de defender a verdade contida nos autos e o direito de viver, de acordo com a nossa consciência e os ditames da lei”, diz a promotora de Justiça Adilza Freitas.

Outra peculiaridade, ressalta a promotora, é o local da execução do crime que ocorre geralmente no lar onde convivia vitima e agressor, distante de testemunho ocular.

“E quando se tem quem presencia são descendentes ou ascendentes da vítima. Causa muita dor e sofrimento a conduta do agressor porque atinge toda família, principalmente os filhos”.

O promotor de Justiça Antônio Vilas Boas, que atua nos júris da 7ª Vara da Capital, também emite sua avaliação sobre o número de feminicídios e a violência com os quais são praticados no país e os julgamentos que tem participado.

“Nossa experiência no Tribunal do Júri tem nos revelado isso. São inúmeros casos de violência contra a mulher resultando em morte, notadamente em decorrência do agressor enxergar na vítima como ”algo” de que tem a posse, não admitindo o fim do relacionamento do casal, geralmente porque a mulher já vem sendo vítima de outras agressões, seja física, psicológica, sexual, moral, ou mesmo patrimonial. Diante desse inconformismo, mata”, enfatiza o promotor .

Vilas Boas complementa afirmando que, “levados a julgamento pelo Tribunal do Júri, os jurados são implacáveis com esses agressores, acolhendo na íntegra a tese acusatória, ainda que os réus tentem justificar a hediondez de suas condutas, não raro passando-se por vítimas de uma relação entre ambos, quando não alegando uma famigerada legítima defesa”

Para ele, os criminosos “são tão insensíveis e covardes, que sequer se importam com os filhos que resultaram dessa relação, que na verdade ficaram órfãos de uma mãe, que perdeu a vida, e de um pai, que perdeu a sua liberdade”.

Adilza Freitas lembra que o feminicídio ou a tentativa de feminicídio é sempre precedido de reiteradas condutas abusivas, violência psicológica e física. “São idas e vindas no relacionamento. Às vezes a mulher não percebe que vivencia um relacionamento abusivo, acredita que o agressor a ama e por isso lhe dá uma nova chance”.

Tentativas

Daqui a algum tempo, provavelmente, outros homens estarão sentados nos bancos dos réus pelos mesmos tipos de crime. Pois as notícias a respeito de prisões têm avolumado e outros inquéritos vão chegando, paulatinamente, ao Ministério Público para adotar providências da denúncia à acusação no dia do julgamento.

Em casos mais recentes, na noite de Natal de 2023, um homem tentou matar a esposa na cidade de São Brás. E no dia 10 de fevereiro 2024 foi preso.

Já em 10 de março de 2024, no Barro duro, em Maceió, um homem acusado de tentar matar, com arma branca, a esposa e também a filha adolescente de 15 anos, foi preso. O motivo, segundo ele, foi suspeita de traição.

Um dia depois, 11 março de 2024, uma mulher foi presa por tentativa de feminicídio, após tentar esfaquear a ex-companheira no bairro Levada, parte baixa de Maceió.

No mês seguinte, Thales Araújo, que era foragido da Justiça por ter assassinado a esposa Mônica Cristina Gomes Cavalcante Alves, de 26 anos, em junho de 2023, em de São José da Tapera foi preso na Bolívia. Minutos antes de morrer a vítima, que estava sendo perseguida, gravou um vídeo que serviu para reforçar as provas.

No dia 6 de dezembro de 2023, um homem tentou matar a ex-companheira no centro de Inhapi por não aceitar o fim do relacionamento.

No dia 14 de dezembro do mesmo ano, em Murici, outro homem foi preso por suspeita de feminicídio já que, poucos instantes do crime, ele teria ido ao local de trabalho de Carla Janiere da Silva Barros, fazer ameaças de morte.

No dia 17 de dezembro de 2023, um homem tentou matar a ex-esposa Ana Cristina Silva de Aquino, de 36 anos, com seis tiros. Ela foi socorrida e três dias após entrou em óbito.

No dia 9 de novembro de 2023, uma mulher foi vítima de tentativa de feminicídio quando o seu companheiro ateou fogo no apartamento, localizado no Residencial Parque dos Caetés. Para tentar se salvar a mesma pulou do primeiro andar para escapar do incêndio provocado por ele.

Também em novembro de 2023 um homem invadiu a residência da ex-companheira, no bairro do Barro Duro, esfaqueando-a com o atual namorado. No entanto, antes, já havia um histórico de agressões contra a vítima. Um mês depois ele foi preso.

Condenações

Na sexta-feira, 26 de abril de 2024, José Cícero dos Santos foi condenado a 12 anos de prisão por ter tentado matar a ex-companheira Maria Valdeci dos Santos. Ele fez uma fogueira no quintal, deu uma rasteira na vítima e tentou arrastá-la pelos pés com o intuito de queimá-la. O crime aconteceu no dia 14 de março de 2016.

No dia 2 de abril de 2024, Arnóbio Cavalcante foi condenado a 37 anos e dois meses pelo crime de feminicídio, acusado de matar sua ex-mulher Joana Mendes. O crime aconteceu no bairro do Poço, em Maceió, no ano de 2016, quando o acusado desferiu 32 golpes de arma branca (faca), contra a vítima, sendo 30 deles no rosto.

No dia 16 novembro de 2023, o Ministério Público teve atuação precisa culminando na condenação do ex-soldado da Polícia Militar de Alagoas Josevildo Valentim dos Santos Júnior. A pena foi de 60 anos e nove meses de reclusão. Ele sentou no banco dos réus acusado de estuprar e matar Maria Aparecida Pereira. O Ministério Público de Alagoas (MPE-AL) denunciou o ex-soldado por feminicídio triplamente qualificado, estupro e tentativa de homicídio.

No dia 23 do mesmo mês, Thiago dos Santos Silva foi condenado a 26 anos e oito meses de prisão por tentativa de feminicídio qualificado, acusado de agredir e atear fogo à esposa na frente dos filhos. O caso ocorreu em outubro de 2022, no conjunto Village Campestre, região periférica de Maceió.

Também em novembro, no dia 28, Audilon Joaquim dos Santos foi condenado a 16 anos de reclusão pelo crime de feminicídio contra a esposa Maria das Dores dos Santos, mediante asfixia. O crime aconteceu em 2021, no bairro Benedito Bentes, em Maceió.

No mesmo dia, só que na cidade de Palmeira dos Índios, cidade do Agreste de Alagoas, um homem foi condenado por tentativa de feminicídio triplamente qualificada contra sua ex-companheira. Ela sofreu várias agressões físicas com o uso de duas armas brancas, um facão e uma foice, violência que causou uma série de lesões na vítima, principalmente na região da cabeça, pescoço e na sua mão direita. Por conta disso, ela teve que passar por três cirurgias, ficando um mês internada em um hospital. O crime ocorreu em 9 de dezembro 2021.

Inconformado com a pena aplicada, no dia 7 de dezembro de 2023, o Ministério Público de Alagoas apresentou recurso de apelação para o aumento da pena.