Cidades

Pontal da Barra: mais um bairro em vias de destruição

Pioneiro da pressão contra a antiga Salgema, população se sente ameaçada com bomba-relógio da mineradora Braskem

Por Wellington Santos 08/12/2023 08h15 - Atualizado em 04/01/2024 23h31
Pontal da Barra: mais um bairro em vias de destruição
Empresário de restaurante no Pontal, Antônio Braga já sentiu queda brusca no movimento em uma semana - Foto: Adailson Calheiros

"A verdade é que isso aqui sempre foi uma bomba-relógio e nosso receio é que toda essa história de que Maceió está em perigo por causa dessa empresa {Braskem} é que destrua nossos sonhos, nossos negócios, nosso ganha pão”. A afirmação é do empresário Antônio Braga, proprietário do restaurante Ancoradouro, às margens da Lagoa Mundaú, no turístico bairro do Pontal da Barra.

Antes de o problema estourar nos cinco bairros, o bairro Pontal da Barra foi o primeiro a sofrer a pressão da instalação da empresa ainda nos anos 1970.

As reações contra a instalação da Salgema Indústrias Químicas no Pontal da Barra começaram em meados dos anos 70, quando o governo da época autorizou o início das obras da empresa em Maceió. Nos anos seguintes ao da implantação, os protestos retornavam sempre que ocorria algum acidente. Dez anos após, em 1985, as mobilizações voltaram a ganhar corpo após o anúncio da intenção de ampliação da capacidade operacional da empresa e da instalação do Polo Cloroquímico em Marechal Deodoro.

O fato é que a história mostra que os moradores do Pontal da Barra sempre viveram em atenção permanente e, em caso de acidente, a indústria daria o alarme, para evitar que os moradores fossem apanhados de surpresa com possíveis acidentes envolvendo vazamentos dos produtos químicos.

Por lá, existiam dunas em toda sua orla marítima. O desmatamento e a construção da Salgema (Triken) e atualmente Braskem acabaram com o visual, mas a empresa montou um “cinturão verde”, que tinha a intenção de preservar a fauna e a flora.

O desabafo de Antônio vem à tona no momento em que Maceió se vê açoitada e na “onda” de todas as consequências da mineração provocada pela Braskem, tratado como a maior tragédia causada por mineração em território urbano do Brasil por ter atingido cerca de 60 mil pessoas que ficaram desalojadas de suas casas, em três quilômetros de orla lagunar (do complexo de lagoas do Mundaú e Manguaba) e 78 hectares de terra que englobam cinco bairros de Maceió - Pinheiro, Bom Parto, Mutange, Bebedouro e parte do Farol.

Rendeiras, tradição secular no bairro, estão amedrontadas

A Tribuna Independente constatou que outra atividade essencial para a economia do Pontal da Barra já se sente ameaçada com a “onda” de medo que se apossou em boa parte de Maceió.

As filanzeiras do Pontal da Barra são famosas em todo país no bairro bucólico que fica entre o mar e a lagoa com a técnica do filé, que tem origem nos pontos dos bordados que são transmitidas de mãe para filha, que vão adaptando-se as sugestões modernas. Por lá são encontradas peças como caminhos de mesa, pano de bandeja, toalhas, colchas, saídas de praia, chapéus, xales, blusas das cores mais variadas, expostas nas calçadas.

Artesã Tereza Laura faz apelo para que problema da Braskem não prejudique rendeiras do Pontal (Foto: Adailson Calheiros)

“Meu filho, por favor, coloque na sua reportagem que as pessoas precisam saber que não fomos atingidos pela tragédia que está acontecendo nos cinco bairros. Diga aos turistas que venham nos visitar”, disse Tereza Laura, ao apelar à reportagem que divulgue seu pedido. Mas em seguida a constatação do problema: “Mas de fato, nesta semana, o movimento já caiu muito. Os ônibus de turismo que sempre nesta época faziam fila para comprar nossos produtos estão como pinga-pinga. Esta semana, nosso prejuízo só não foi maior porque trouxeram os turistas do navio do cruzeiro que aportou em Maceió”, completa Tereza, ao estimar que mais da metade do faturamento foi prejudicado.

A reportagem constatou que ao longo do tempo da entrevista o estabelecimento permaneceu vazio, sem ao menos uma pessoa interessada em comprar as peças. “Isso não é normal”, completou a comerciante.

De acordo com Tereza Laura, atualmente são 300 rendeiras vinculadas à Associação de Rendeiras do Pontal da Barra. “Mas tem gente que não é associada, e acreditamos que esse número de pessoas que dependem da atividade chegue a cerca de 500 mulheres”, estima Tereza.

Em restaurantes, movimento já caiu mais da metade

Outro segmento que se vê seriamente ameaçado pelo crime ambiental que atingiu outros cinco bairros da capital alagoana é o de restaurantes.

Filho do proprietário do Restaurante Maré, Jonatan Pereira Feitosa, 30 anos, lamenta a situação que ameaça a tradição gastronômica no bairro. “O movimento já caiu pelo menos a metade esta semana”, diz Jonas.

O estabelecimento comercial entrou na letra da música “Alagoas”, imortalizada pelo sambista Martinho da Vila nos anos 1980, cujos versos dizem: “...Vai ter sururu, vai ter sururu e o Maré fica na beira, da Lagoa de Mundaú, da Lagoa de Mundaú, da Lagoa de Mundaú...”, diz o refrão.

O empresário Antônio Braga (citado no início da reportagem), além do restaurante que mantém à base de frutos do mar, promove passeios de catamarã a turistas, ofertando um roteiro de nove ilhas e canais na Lagoa Mundaú. Sobre o passeio, Antônio revela um dado preocupante. “O movimento caiu drasticamente de uma semana para cá quando estourou esta história da mina 18 colapsar”.

Jonatan, ao lado da foto de Martinho da Vila: restaurante é tradição no turismo e está ameaçado com repercussão (Foto: Adailson Calheiros)

No momento da entrevista, a Tribuna pôde observar que uma embarcação onde normalmente no mesmo período Antônio disse receber pelo menos 50 turistas na alta temporada, apenas 12 pessoas faziam o passeio. “Isso que está acontecendo é terrível, vocês são testemunhas”, desabafou o empresário.

Encravado entre a Lagoa Mundaú e o mar, o bairro do Pontal da Barra também apresenta outro segmento que teme pelas notícias negativas que se se espalharam por causa da mineração nociva à economia no lugar: o setor da pesca.

Questionados pela Tribuna, um grupo de pescadores disse que a repercussão negativa ainda não atingiu os trabalhadores da pesca no Pontal da Barra. “Olha, a gente não está proibido de pescar neste lado da lagoa como ocorreu com os pescadores dos cinco bairros atingidos. Com a gente tá tudo normal, mas já sentimos que o movimento nos restaurantes e com as rendeiras realmente diminuiu bastante”, confirma o pescador Erussivan Silva, 58 anos que desde os 9 anos começou a pescar no Pontal da Barra. “Diminuiu muito o número de turistas”, completa o também pescador Claudjones da Silva, 51 anos.

Semana que passou, foi anunciado que cerca de 6 mil pescadores e marisqueiras de Maceió irão receber do governo federal um auxílio de R$ 2.640. O valor será destinado a esses trabalhadores que foram afetados com risco de colapso da mina 18, mantida pela Braskem, no bairro do Mutange, às margens da lagoa Mundaú.