Cidades

Pesquisador Abel Galindo diz que Braskem sabia que poderia causar desastre ambiental

Para especialista, empresa cometeu crime com exploração desordenada de sal-gema em Maceió

Por Ricardo Rodrigues - colaborador / Tribuna Independente 11/11/2023 08h25 - Atualizado em 11/11/2023 16h21
Pesquisador Abel Galindo diz que Braskem sabia que poderia causar desastre ambiental
Abel Galindo: 'houve ganância e arrogância dos diretores da Braskem' - Foto: Sandro Lima

O professor Abel Galindo Marques, 74 anos, formado em engenharia civil em 1975 pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), é um dos grandes estudiosos do maior desastre socioambiental urbano em curso no mundo, provocado pela mineração da Braskem em Maceió. Com base nesses estudos, ele foi um dos primeiros a apontar a exploração irresponsável de sal-gema como a causa das rachaduras e do afundamento do solo em pelo menos cinco bairros da capital alagoana. Para ele, a Braskem cometeu um crime ambiental, sem precedentes, contra Maceió, comprometendo o uso e o convívio social da orla lagunar da cidade.

Na sexta-feira (10/11), em entrevista à Tribuna, ele explicou porque a situação chegou a esse ponto: ganância e arrogância dos diretores da Braskem. Decisões erradas, tomadas por executivos que vivem num mundo corporativo, comprometidos com metas e planos de lucratividade, completamente insensíveis ao drama de quem é vítima da exploração desordenada dos recursos naturais. Medidas adotadas de forma açodada, sem levar em consideração às pessoas que dependem desse ecossistema, que passam fome, com a falta de peixes e sururu, vivendo à beira da lagoa, sem saber que está morando num campo minado.

Os abalos sísmicos – registrados, na última segunda-feira (6/11), pela Defesa Civil de Maceió, que provocaram pânico nos operários e moradores da região de Bebedouro, fazendo com que a área fosse interditada até segunda ordem – não foram fenômenos naturais, como tentou transparecer a Braskem, foram provocados pela derrubada de alguma coluna de sustentação das minas de sal-gema, que estão sendo tamponadas, com areia, por decisão judicial. “Ou foi isso, ou foi uma acomodação brusca do solo, em uma das 35 minas de sal-gema, naquela região do Mutange.

“Esses tremores de terra são diferentes dos fenômenos naturais, são abalos sísmicos provocados pelos efeitos da mineração de sal-gema, que deixaram crateras gigantescas no subsolo da zona de ocorrência, onde se concentram as minas exploradas pela Braskem, nessa região da orla lagunar, que vai do Mutange até Bebedouro, com reflexos também nos Flexais”, explicou o professor. Segundo Abel Galindo, “ao todo, estão sendo desativadas 35 minas de sal-gema, algumas de tão grandes, já que se fundiram com outras, caberia dentro delas um estádio de futebol do tamanho do Maracanã”.

O professor explicou ainda que essas crateras ou cavernas foram se formando e aumentando de tamanho, com o passar dos anos e a exploração desordenada das minas de sal-gema, pela Braskem. “A empresa sabia que um dia essa situação um dia ia chegar ao limite, até porque já existiam estudos, feitos no início da década de 90, por técnicos da própria Braskem, mostrando essa possiblidade, ou seja, o risco de uma tragédia. Mas a direção da empresa, a invés de adotar medidas preventivas ou parar com a exploração, simplesmente duplicou a extração de sal-gema em Maceió para aumentar a produção”, acrescentou Abel Galindo.

Especialista em solo

Mestre em Geotecnia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) desde 1977, Abel Galindo – que durante mais de 35 anos foi professor de Engenharia da Ufal, onde ainda leciona como professor voluntário – chegou a ser chacoteado por integrantes dos órgãos ambientais de Alagoas, quando apontou a Braskem como responsável pela tragédia do Pinheiro. “Eu sou especialista em solo e tudo que diz respeito ao assunto me interessa. Quando começaram a aparecer as primeiras rachaduras, passei a acompanhar o fenômeno de perto, visitando as casas dos moradores do Pinheiro, até matar a charada”, relatou.

Segundo o professor, suas desconfianças – de que por trás daquelas rachaduras, fissuras e fendas, nas paredes, nos pisos das casas e nas ruas do bairro do Pinheiro – tinham relação com a exploração de sal-gema, no subsolo da região, surgiram bem antes da eclosão do desastre, com os abalos sísmicos de março de 2018. “Naquela época, nem a Braskem, nem os técnicos dos órgãos ambientais e da defesa civil admitiam essa possibilidade. Até então, tratavam o desastre como um fenômeno natural, associado a terremotos. Só depois, foram verificar que o buraco era mais embaixo”, ironizou.

Com a chegada da equipe da Companhia de Pesquisa de Recursos Naturais (CPRM), para a realização dos estudos geológicos nos locais das rachaduras, o cerco foi se formando contra a Braskem e ficando cada vez mais evidente a participação da empresa no afundamento do solo dos bairros atingidos pela mineração. “No entanto, para mim, a ficha já tinha caído, muito antes. Eu já sabia que a extração exagerada de sal-gema era responsável pela tragédia”, comentou o professor. “Eu já estava com os estudos avançados sobre exploração das minas de sal-gema, com base em outros estudos e relatórios da própria empresa”.

O professor acrescenta ainda que, em um desses estudos, com data de 1992, os especialistas no assunto, contratados pela própria Braskem, recomendaram que a empresa mantivesse uma distância mínima de mais de cem metros entre as minas, durante o processo de extração do sal-gema. Como essa medida de segurança não foi respeitada, com o passar do tempo, a área de exploração foi aumentando até que uma mina se fundiu com outra, formando crateras gigantescas no subsolo. “Isso fez aumentar o risco de desmoronamento das colunas, que são faixas de terra entre uma mina e outra”.

35 cavernas se expandem em linha reta da lagoa à Avenida Fernandes Lima

As cavidades deixadas pelas 35 minas de sal-gema se expandem, cada uma delas, em linha reta, da Lagoa Mundaú em direção à Avenida Fernandes, formando uma área de ocorrência ou zona de exclusão, que coloca em risco pelos menos cinco bairros da região: Pinheiro, Bebedouro, Mutange, Bom Parto e Farol. Ou seja, as cavernas das minas de sal estão localizadas a cerca de mil metros abaixo do solo, entre a Lagoa Mundaú e a Avenida Cícero Toledo, do cruzamento da via férrea, no Mutange, até o antigo Colégio Bom Conselho, em Bebedouro – podendo chegar até à região dos Flexais.

Por isso, Galindo também defende a inclusão dos Flexais no mapa de subsidência do solo traçado pela Defesa Civil de Maceió, para indenização das vítimas da mineração.

Foi com base num estudo dele, que a Braskem decidiu indenizar os moradores dos Flexais, mas com quantias irrisórias (R$ 25 mil). Resultado: a maioria das famílias não aceitou a oferta e cobra do poder público a realocação dos imóveis do bairro.

Até agora, nos cinco bairros, cerca dos 15 mil imóveis foram “condenados”, mas muitos moradores se recusaram a deixar suas casas e rejeitam as indenizações oferecidas.

Enquanto isso, a petroquímica vem gastando uma verdadeira fortuna para tentar amenizar os estragos provocados pela mineração irresponsável.

Como medida de segurança, defendida pelos técnicos da Agência de Mineração Nacional (AMN), a Braskem foi obrigada a desativar as 35 minas de sal-gema que vinham sendo exploradas, de meados dos anos 70 para cá. Além disso, a empresa foi obrigada também a tampar as crateras deixadas no subsolo, numa tentativa desesperada de conter as rachaduras provocadas no solo e aumentar a estabilidade do terreno, que mais parece um campo minado ou um queijo suíço.

Areia nas minas não segura solo e abalos provam isso, diz Galindo

Para o professor Abel Galindo, nada garante que o uso de areia de praia ou de rio, como vem sendo utilizada pela Braskem, vai estabilizar o solo da área de ocorrência.

“É uma medida paliativa, encontrada às pressas e sem lastro de garantia. Até porque a areia sozinha é de difícil acomodação numa cavidade como essas. Se pelo menos eles tivessem usando, além da areia, o cimento, talvez desse liga e aumentasse a possibilidade de sucesso”, comentou. Acrescentando que a operação de tamponamento das cavernas de sal-gema com areia, é operação demorada e até agora não se mostrou totalmente eficiente.

“Prova disso são os abalos do solo registrados recentemente. Sempre que ocorrem abalos como esses, registrados no começo dessa semana, surgem notícias de tremores sísmicos, como se fossem fenômenos naturais. Mas, não são. Isto vem ocorrendo e vai continuar ocorrendo, nos próximos anos, por conta das cavernas deixadas no subsolo, umas muito próximas a outras. O que aumenta é muito a possibilidade de desmoronamento das colunas de terra, entre uma e outra mina”, explicou o professor, lembrando que uma das maiores minas fica embaixo da antiga Casa de Saúde José Lopes.

Questionado sobre os riscos que os operários e os moradores da região estão sofrendo, com a possibilidade de uma tragédia anunciada, o professor foi cauteloso. “O risco existe, mas a acomodação do solo é lenta e se manifesta aos poucos, como vem acontecendo até agora. As crateras estão localizadas na profundeza do solo, por cima delas existem várias camadas de barro, pedras e areia. Por isso, a área de ocorrência precisa ser observada 24 horas por dia e medidas mitigadoras tomadas, para garantir a estabilidade do solo, que pode durar de 10 a 30 anos”, concluiu o professor.