Cidades

Estudo da Ufal aponta poluição elevada no Riacho Garça Torta

Laudo que indica presença de coliformes fecais muito acima do aceitável leva população a organizar ato público

Por Valdete Calheiros - colaboradora com Tribuna Independente 11/08/2023 08h39
Estudo da Ufal aponta poluição elevada no Riacho Garça Torta
Níveis de coliformes fecais no Riacho Garça Torta excedem em grande quantidade o estabelecido pelo Conama - Foto: Adailson Calheiros

A população que vive no entorno do Riacho Garça Torta, no bairro de mesmo nome, no extremo norte de Maceió, está vivendo em condições insalubres expostos à possibilidade de se contaminarem com as águas do riacho e de apresentarem sérios problemas de saúde.

A conclusão pode ser extraída do laudo apresentado pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), ontem (10), onde consta que os valores de coliformes totais existentes no meio líquido excedem em grande quantidade o estabelecido pela resolução ambiental do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). A análise foi feita pelo Laboratório de Aquicultura e Ecologia Aquática (Laqua) e pelo Laboratório de Sistema de Separação e Otimização de Processos (Lassop), ambos da Ufal.

Conforme o documento, os valores são considerados altos na região amostrada e podem indicar contaminação oriunda de esgotos domésticos.
Para o professor Emerson Soares da Ufal, ao tomar um banho no riacho, qualquer cidadão pode vir a apresentar, por exemplo, uma hepatite no futuro. Isso sem falar que as bactérias presentes em água contaminada por esgoto são altamente patogênicas e podem causar diarreias, problemas intestinais, vômitos, dores de cabeça.

Em uma tentativa de alertar as autoridades competentes e os órgãos ambientais, a população que vive no entorno do Riacho Garça Torta irá realizar, neste sábado (12), um ato público com o tema “Não ao Crime na Foz do Rio Garça Torta”, a partir das 9 horas, com concentração próximo ao Bar do Marival.

A ação faz parte da defesa pelo riacho que a comunidade está encabeçando desde que o Condomínio Morada da Garça tentou realizar obras de aterramento e desvio da desembocadura do Riacho Garça Torta, no mês passado. Desde então, a Associação dos Moradores do Loteamento Gurguri e representantes do Coletivo Ambiental Litoral Norte travam uma luta em prol do riacho.

“Não estamos falando apenas de poluição. Há muito tempo esse assunto virou questão de saúde pública. Uma grave questão de saúde pública, diga-se de passagem. Gestores públicos municipais, órgãos ambientais fiscalizadores e a população em geral precisam entender que a contaminação é uma responsabilidade de todos e a solução passa também por todos”, alertou Emerson Soares que monitora a Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais, coordena o Laqua e o Projeto Laguna Viva, além da expedição científica ao Rio São Francisco.

Ainda segundo o laudo, os teores de oxigênio dissolvido, estão bem abaixo dos índices toleráveis pelos organismos aquáticos, portanto, impróprio para o bem-estar animal. “Os índices de ferro dissolvido contribuem para intoxicação e impedem corretamente a troca gasosa entre os organismos aquáticos e o meio aquático, dificultando a absorção de oxigênio dissolvido na corrente sanguínea de peixes, por exemplo. Embora os índices de sulfato tendam ao aumento próximo ao estuário dos rios devido os teores desta substância serem mais elevados em águas marinhas e costeiras. Os níveis de amônia e fósforo, servem de parâmetros para indicar presença de matéria orgânica. Não foram encontradas nas amostras, presença de bloom de algas [crescimento muito rápido e sem controle, em meio aquático, de uma comunidade de algas, em particular as microalgas e as cianobactérias] ou fitoplâncton em quantidade satisfatória, desta forma pode ser descartada, que a coloração amarronzada e material espumoso na água sejam provenientes da proliferação destes organismos. Finalmente, os níveis de potássio, são considerados um pouco elevados, o que pode ser indicativo de poluentes, esgotos difusos ou uso de fertilizantes”, afirmou a análise.

Mais de 130 compostos são analisados em amostras coletadas

O professor Emerson Soares, que estuda o assunto há pelo menos 25 anos e coletou pessoalmente as amostras de água do Riacho Garça Torta explicou que foram analisados mais de 130 compostos.

Um grande erro é, na opinião do especialista, destruir o manguezal. O mangue funciona como uma espécie de esponja ao absorver os nutrientes em excesso e fazer um balanceamento do que pode e do que não pode continuar presente na natureza. Com o desmatamento dos mangues, esse filtro acaba.

ATO PÚBLICO

Para um dos organizadores do ato, o morador Denis Angola os mangues desempenham um papel profundamente simbólico e espiritual nas religiões de matriz africana, como o Candomblé, Umbanda e outras tradições. Para essas crenças, os manguezais são locais de conexão entre o mundo terreno e o espiritual, representando um espaço sagrado onde as energias da natureza e dos ancestrais se entrelaçam.

“Os mangues são frequentemente considerados como terreiros naturais, onde rituais são realizados para honrar os orixás, entidades divinas, e para buscar orientação espiritual. A água salobra e as características únicas dos manguezais são vistas como elementos que facilitam a comunicação entre o mundo físico e espiritual”, pontuou Denis Angola, uma das vozes em defesa do Riacho Garça Torta.

CONDOMÍNIO

O Condomínio Morada da Garça, segundo denúncia dos moradores, foi construído em uma Área de Preservação Permanente (APP).

Conforme definição da Lei n. 12.651/2012, APP é uma área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

A reportagem do Jornal Tribuna Independente procurou o responsável pelo condomínio para apresentar sua versão sobre o serviço de aterramento, mas até o fechamento desta edição não obteve retorno. O espaço continua aberto para que o Morada da Garça apresente sua versão para os fatos, se assim desejar.