Cidades

Condomínio quer mudar riacho contra erosão

Moradores de Garça Torta protestam contra aterramento do mangue promovido por residencial particular

Por Valdete Calheiros - colaboradora com Tribuna Independente 01/08/2023 08h02 - Atualizado em 01/08/2023 11h41
Condomínio quer mudar riacho contra erosão
Foz do riacho está se precipitando cada vez mais ao Norte, por isso tentam reabrir em outro ponto - Foto: Edilson Omena

O Instituto do Meio Ambiente (IMA) irá mandar uma equipe ao Condomínio Garça Torta, ao Norte de Maceió, para verificar se os termos da autorização para promover a reabertura do leito preferencial do Riacho Garça Torta estão sendo cumpridos sem que haja prejuízos ao manguezal, nem o fechamento do leito do rio.

As máquinas para promover a reabertura do leito do riacho foram paradas, na manhã de ontem, pelos moradores de Guaxuma e Garça Torta que prometeram para hoje um abraço coletivo, em um ato simbólico, no entorno do mangue que fica aos fundos do Condomínio Morada da Garça. A população não se conforma com a reabertura do leito do riacho e pretende barrar, com um cordão humano, o aterramento do mangue, além de chamar a atenção dos órgãos ambientais para o que eles consideram um “ataque mortal” à biodiversidade.

Na manhã de ontem, os moradores mobilizados conseguiram parar as máquinas que estavam realizando o serviço de aterramento. De acordo com as denúncias, o Condomínio Garça Torta está tentando mudar o curso do Riacho Garça Torta, de posse de uma autorização do Instituto do Meio Ambiente, o IMA.

Para receber tal autorização, o Condomínio Garça Torta procurou o IMA e solicitando “a reabertura do leito preferencial do riacho de Garça Torta que estava causando grave processo erosivo na vegetação de restinga situada à frente do condomínio, criando assim uma escarpa [declive muito íngreme de terreno, provocado por erosão.]de dois metros e ameaçando a estrutura dos imóveis”.

Para a Associação dos Moradores do Gurgury Guaxuma, caso o aterramento continue a ser feito, as piscinas naturais e os animais marinhos estão com a morte anunciada e para breve. “Faremos uma barreira humana para que as máquinas não continuem esse processo de matar o mangue”, adiantou a presidente da Associação, Lindair de Morais Amaral.

Em uma tentativa de mobilizar ainda mais a população, representantes da Associação estão fazendo um abaixo-assinado. Mais de cem moradores estão especialmente envolvidos na organização do movimento “em defesa do ecossistema local”.

Laurinete Rodrigues do Nascimento e seu filho, Fábio Rodrigues, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), costumam frequentar a Praia de Garça Torta, há pelo menos 20 anos sempre nos dias de folga de ambos. Estarrecidos acompanharam a movimentação local, com a areia removida ainda amontoada.

“Já não frequentamos as praias de Maceió propriamente dita pela poluição local e por ser impossível apreciar a natureza perto do seu estado normal como, felizmente, ainda encontramos por aqui. Mais uns meses e a ganância do homem em busca da especulação imobiliária não nos deixará nem um pedaço do paraíso na Terra”, declarou o professor de Letras da Ufal, Fábio Rodrigues.

Condomínio teria sido erguido em área de proteção

O Condomínio Morada da Garça, segundo denúncia dos moradores, foi construído em uma Área de Preservação Permanente (APP).

Conforme definição da Lei n. 12.651/2012, APP é uma área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

De acordo com a presidente da Associação dos Moradores do Gurgury Guaxuma, Lindair de Morais Amaral, no entanto, o que se observa no local são constantes e flagrantes ações de desrespeito à legislação vigente que determina a preservação de áreas de mangue e suas delimitações.

Conforme os moradores, como consequência da remoção da vegetação nativa para a construção do Condomínio Morada da Garça, o mangue começou a avançar, levando água para o condomínio.

“E em uma tentativa para acabar com o avanço do mangue, o Condomínio contratou tratores para realizar uma obra que consiste em levar sedimento para o encontro do mangue com o mar. Mas nada controla a força da natureza. Claro que essa água represada vai procurar sair para qualquer lugar. O Condomínio estará protegido por um tempo. No entanto, as casas vizinhas, os moradores ao redor, a Vila dos Pescadores, a balança de peixe e tudo no entorno sofrerá com a força da água represada”, explicou Dênis Angola, morador local e uma das vozes da comunidade.

Na avaliação dos habitantes locais, os problemas não param por aí. “Tudo estará comprometido. Fauna, flora, os coqueiros serão empurrados, os comerciantes locais terão seus bares e restaurantes comprometidos, haverá prejuízo para todo o ecossistema e a população que o rodeia”, alertou um morador, que temendo represálias, pediu para não ser identificado.

A situação chamou a atenção até de turistas que estavam conhecendo a praia. André Luiz Lopes da Rocha, de Cuiabá, está em Alagoas há uma semana. “Estava na praia desde cedo com a minha família e demorei a entender que essa movimentação toda era para agradar alguns poucos moradores de um condomínio particular que querem prevalecer sua vontade não apenas sobre outros moradores, mas em detrimento da natureza. Alagoas precisa cuidar melhor da sua beleza natural assim como faz minha terra”, alertou, deixando uma lição de preservação ambiental.

IMA autoriza reabrir foz de riacho em outro ponto

O Instituto do Meio Ambiente - IMA, por meio de uma nota enviada à redação do Jornal Tribuna Independente, afirmou que recebeu uma solicitação de um condomínio para promover a reabertura do leito preferencial do riacho de Garça Torta, cuja foz estava se precipitando cada vez mais ao Norte.

A nota diz ainda que a situação “estava causando grave processo erosivo na vegetação de restinga situada à frente do condomínio, criando assim uma escarpa de dois metros e ameaçando a estrutura dos imóveis. O avanço também estava provocando impactos ao meio ambiente marinho e costeiro adjacentes. Devido a essa situação, foi autorizada a reabertura da foz do rio no seu curso preferencial. Vale ressaltar que não foi autorizada qualquer intervenção no manguezal nem o fechamento do leito do rio. No entanto, o IMA vai enviar uma equipe ao local para verificar se os termos da autorização estão sendo cumpridos”, concluiu a nota.

O Ministério Público Federal confirmou que recebeu a denúncia dos moradores locais e que o documento foi enviado ao setor responsável por autuações dessa natureza.
O órgão, entretanto, disse ainda que irá se pronunciar sobre o assunto apenas depois de a denúncia ser recebida pelo gabinete específico.

A reportagem do Jornal Tribuna Independente procurou o responsável pelo Condomínio para apresentar sua versão sobre o serviço de aterramento. Na portaria, o funcionário afirmou que o único responsável para falar sobre o assunto era o síndico que não estava no momento. Deixamos o contato da redação e até o fechamento desta edição, não houve retorno.